Em 22 de junho, um grupo de quase 200 indígenas Pataxó ocupou uma plantação de eucaliptos dentro de seu território demarcado na Bahia, incendiando as árvores.
Em um manifesto em vídeo divulgado em 26 de junho, lideranças Pataxó chamaram a atenção para os impactos desta e outras plantações em suas terras e em sua saúde, causados pelo uso de pesticidas e a escassez de água.
A retomada ocorre num contexto de crescente resistência à expansão dos eucaliptos na Bahia e deflagra a frustração dos povos indígenas com a lentidão do processo para ganhar plenos direitos legais sobre suas terras.
O povo Pataxó espera há sete anos pelo decreto presidencial que demarcaria completamente seu território; o presidente Jair Bolsonaro prometeu não demarcar nenhum território indígena, e até agora cumpriu essa promessa.
Frustrados por ver o agronegócio destruir seu território, membros de várias comunidades indígenas Pataxó, no sul da Bahia, tomaram uma plantação de eucaliptos, incendiaram-na e, numa tentativa de deter a pressão externa sobre suas terras, exigiram que as empresas multinacionais as deixassem para sempre.
Em um manifesto em vídeo divulgado no dia 26 de junho, um líder Pataxó está junto a dois outros homens tendo ao fundo uma floresta de eucaliptos em chamas. “Estamos expulsando a Suzano da Terra Indígena Cahy-Pequi”, diz ele para a câmera. “Não vai ficar um pé de eucalipto nessa terra sagrada. Nós queremos nossa água, nossa terra de qualidade, nosso bioma Mata Atlântica recuperado.”
Em 22 de junho, 180 indígenas assumiram a Fazenda Santa Bárbara, uma área utilizada para a criação de gado e também cultivo de eucaliptos pela Suzano, empresa multinacional de produção de celulose. Segundo os líderes indígenas, a área ocupada pela fazenda fica inteiramente dentro do perímetro da TI Comexatibá (Cahy-Pequi) que se extende por 28 mil hectares ao norte da cidade de Prado, um dos primeiros lugares de contato dos colonizadores portugueses com os povos nativos da América do Sul.
Em 25 de junho, outro grupo de cerca de cem Pataxó assumiu uma fazenda diferente, formada em grande parte por pastagens abandonadas, na Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal. No dia seguinte, os latifundiários e seus apoiadores supostamente expulsaram o povo indígena da área à mão armada, segundo um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um grupo de defesa dos direitos indígenas filiado à Igreja Católica.
Ambos os casos pendem no limbo burocrático, como muitas outras questões de direitos de terra centradas em Terras Indígenas no Brasil. Em 2019, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legitimidade da demarcação da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal. Mas sua demarcação foi bloqueada por Sergio Moro, então ministro da Justiça, citando uma opinião do ex-presidente Michel Temer.
A Terra Indígena Comexitiba iniciou o processo de demarcação em 2005 e foi demarcada e aprovada há sete anos pela Funai, mas ainda está aguardando aprovação presidencial. Desde que Jair Bolsonaro tomou posse como presidente, ele não regularizou nenhuma Terra Indígena, cumprindo sua promessa de campanha de “nem um centímetro a mais para Terras Indígenas”.
A Terra Indígena Comexatibá é o local de mais disputas de terra do que qualquer outro território indígena no Brasil, de acordo com Lethicia Reis, advogada do Cimi. Os Pataxó não só enfrentam empresas de produção de celulose, mas também a expansão dos setores de turismo e agronegócios, acrescentou ela em um comunicado de imprensa do Cimi.
O eucalipto é um setor econômico chave no Brasil, sendo que grande parte dele é cultivado na região que compreende o sudeste da Bahia e o estado vizinho do Espírito Santo. A região tem uma longa história de conflitos envolvendo plantações de eucaliptos; ativistas têm sido assassinados em contextos de grilagem de terra associados à expansão desse cultivo. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra tem ocupado plantações, e as comunidades quilombolas afro-brasileiras estão resistindo cada vez mais aos impactos ambientais e sociais negativos do eucalipto em suas terras tradicionais, segundo ativistas.
De acordo com um relatório da ONU, a Suzano, o maior produtor mundial de celulose, tem comprado ou se fundido cada vez mais com empresas menores de celulose e papel e agora cultiva eucalipto em mais de 1 milhão de hectares de terra, grande parte ao longo da costa atlântica brasileira. Há muito tempo a empresa repercute sobre suas práticas verdes, mas os ambientalistas discordam quanto ao quão sustentáveis elas realmente são na prática, conforme a Mongabay relatou anteriormente. Mas a posição do povo Pataxó é clara: em seu manifesto, a Suzano é sinalizada como parcialmente responsável pela contínua destruição de seu território.
As espécies de eucalipto que a empresa cultiva são especialmente prejudiciais ao meio ambiente e às comunidades que vivem ao redor das plantações, dizem os ambientalistas. Elas exigem grandes quantidades de pesticidas que afetam a saúde dos rios e sugam grandes quantidades de água.
A colheita ocorre freqüentemente 24 horas por dia, 7 dias por semana. Além das grandes quantidades de pesticidas e água necessárias, o som constante de motosserras e caminhões são uma preocupação adicional para muitas comunidades. Imagem de Sarah Sax para Mongabay.
Em resposta enviada por e-mail à Mongabay, a Suzano disse estar ciente e monitorando a situação, mas afirmou que “a área não é uma Terra Indígena formalmente reconhecida e passou por um processo de licenciamento ambiental detalhado com todas as notificações e exigências devidamente cumpridas”. Também disse que “não possui nem opera nenhuma área localizada em território indígena”, e que nenhuma de suas áreas no Brasil está “passando por pedidos de propriedade de terra ou processos judiciais”.
A empresa disse ainda que “adere a normas e especificações rigorosas e só adquire madeira ou opera em áreas que atendam a todos os pré-requisitos estabelecidos por lei e órgãos reguladores nacionais e internacionais. Para apoiar isto, realizamos um mapeamento meticuloso das áreas onde a propriedade é mantida pelos povos indígenas”.
Segundo a Constituição brasileira, as Terras Indígenas são legalmente classificadas como territórios tradicionalmente ocupados por povo nativos, independentemente de terem concluído o processo de demarcação, segundo Ana Carolina Alfinito, assessora jurídica do Brasil na Amazon Watch. “O direito indígena à terra existe antes da conclusão do processo de demarcação”. Portanto, neste caso, as operações econômicas em curso dentro do território Pataxó são ilegais”, disse ela à Mongabay.
Desde a ocupação da Fazenda Santa Bárbara em 22 de junho, os grupos que se reuniram ali tiveram o abastecimento de alimentos e água cortados por fazendeiros e também foram ameaçados, embora não tenha havido violência, segundo os líderes indígenas. Em 7 de julho, o governo da Bahia enviou um pedido urgente por mais policiais federais na região. O pedido até agora ficou sem resposta, disse o cacique Mãdy Pataxó à Mongabay por telefone.
“Estamos aqui pedindo socorro às autoridades e à sociedade brasileira e internacional, que venham apoiar a causa indígena, que é uma causa legítima”, diz um líder Pataxó diante de uma plantação de eucaliptos em um vídeo que circulou nas redes sociais. “Porque não aguentamos mais. Essa terra é nossa carne, essa água é nosso sangue e essa floresta é nosso espírito. E a celulose, a monocultura e a agropecuária extensiva estão destruindo tudo”, acrescenta ele.
No lugar dos eucaliptos, os Pataxó começaram a plantar árvores frutíferas nativas, entre elas almesca, imbaúba e sapucaí.
https://brasil-mongabay-com.mongabay.com/2020/03/monte-pascoal-caciques-pataxo-pedem-socorro-para-a-floresta-no-sul-da-bahia/
Imagem do banner: grupo Pataxó em ação de retomada de seu território em plantação de eucaliptos. Foto: Rodrigo Mãdy Pataxó/arquivo pessoal