Desde 2001, o Brasil quase duplicou a sua área de terras protegidas sem aumentar o seu orçamento para a conservação.
No corredor central da Mata Atlântica, as áreas protegidas estão dispersas entre grandes extensões de monoculturas de eucalipto, mantidas por empresas de celulose.
Com recursos limitados e enfrentando empresas poderosas, os responsáveis pelas áreas protegidas estão entre a espada e a parede.
CORREGO GRANDE, Brasil – A Mata Atlântica brasileira é o bioma mais ameaçado do Brasil e tem sido sujeito às duras consequências do desenvolvimento humano. Contudo, apesar de ter perdido mais de 85% da sua extensão original, segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, é ainda um hotspot global de biodiversidade, abrigando muitas espécies únicas.
No entanto, a desertificação continua a afetar o corredor central da Mata Atlântica, que abrange os estados do Sudeste, Espírito Santo e Bahia. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que estes dois estados albergam mais de 880 mil hectares de eucalipto, uma área maior do que o estado de Delaware. Mais para o Sul, o governo entregou a gestão de 25 parques estaduais, localizados na Mata Atlântica, a empresas privadas.
O Ministério do Meio Ambiente do Brasil reconheceu há muito tempo que uma das principais causas da desertificação na região foi a substituição de florestas nativas por monoculturas de eucalipto para alimentar a indústria de celulose. Entre esses grandes campos de eucalipto, alguns resquícios da Mata Atlântica lutam para sobreviver, muitos sob a forma de reservas naturais.
Inúmeros problemas representam sérias ameaças a estes últimos sobreviventes, incluindo fraco financiamento, burocracia e expansão da indústria de celulose.
Uma das reservas naturais localizada na região do eucalipto, no corredor central da Mata Atlântica, é a Reserva Biológica do Côrrego Grande. Propriedade do governo federal, encontra-se localizada na fronteira entre o Espírito Santo e a Bahia. Com 1.500 hectares (mais de 3.700 acres) de Mata Atlântica bem conservada, a reserva é o lar de muitas plantas e animais endémicos, incluindo alguns beija-flores raros. É classificada pela legislação brasileira como uma área sob “proteção total”, e visitas só são permitidas para fins de investigação ou educacionais, a fim de minimizar o impacto humano.
“Provavelmente há aqui espécies que ainda não foram descritas”, disse Gabriel Rezende, gestor da reserva – “Este é o seu último refúgio”.
Córrego Grande tem uma forma triangular e é cercada a norte e este por campos de eucalipto. No lado norte, uma estrada de cascalho corre paralela à reserva e marca a fronteira entre os estados do Espírito Santo e da Bahia. Durante o dia, dezenas de camiões atravessam a estrada para transportar madeira, levantando nuvens de poeira que caem na reserva. Como consequência, as árvores à beira da estrada estão dobradas e torcidas.
O lado oeste da reserva atualmente faz fronteira com uma pastagem, mas isso pode mudar em breve.
“Uma empresa [Suzano] pediu uma licença para cultivar mais de 4.000 hectares de eucalipto. Se a licença for emitida, estaremos completamente cercados por eucalipto “, disse Rezende. Tal também levaria a um aumento no número de camiões que atravessam a estrada, o único acesso à área.
Um porta-voz da Suzano, que pediu para ser identificado apenas pela sua posição, explicou por e-mail que as licenças são emitidas pelas autoridades locais, e disse que qualquer licença está condicionada a ações de mitigação e compensação.
Independentemente do resultado, a reserva já enfrenta dificuldades.
O contrato de segurança expirou recentemente e não foi renovado devido a atrasos de pagamento, deixando a reserva desprotegida. Além disso, apesar da seca que afeta a região, o governo reduziu o número de brigadas de incêndio para metade, de acordo com o jornal nacional O Globo. Em Córrego Grande, onde dantes havia uma equipa formada por sete pessoas, agora há apenas dois bombeiros.
Não muito longe de Córrego Grande está a Floresta Nacional do Rio Preto, uma reserva maior, com cerca de 2.830 hectares, também propriedade do governo federal, e administrada por Alberto Klotz e Murilo Machado. Também aqui a reserva sofre de falta de vigilância e cortes nas brigadas de bombeiros.
“Todo os dias eu acordo com medo que alguém tenha roubado as nossas motosserras”, disse Machado. Sem as suas ferramentas, eles não podem trabalhar, e a aquisição de novos equipamentos envolveria meses de burocracia. Ainda assim, continuam a trabalhar com coragem.
Machado e Klotz criaram recentemente um viveiro com plantas da Mata Atlântica para vender aos proprietários locais, pois a lei obriga todas as propriedades rurais a manter árvores nativas em 20% da sua área. Em novembro passado, organizaram uma atividade de educação ambiental nas escolas, que incluiu um caminho decorado com reconstruções em tamanho natural de alguns dos animais que vivem na reserva. Intercalados com as reconstruções, foram exibidas aves vivas e coloridas, capturadas ilegalmente por caçadores furtivos, e posteriormente apreendidas.
Contudo, mesmo estes esforços são fonte de tensão.
“Para trabalhar no viveiro, manter as atividades de educação ambiental, as excursões e a manutenção do parque, precisaríamos de cerca de 12 pessoas”, disse Machado. “Em vez disso, somos apenas dois.”
Dinheiro que cresce em árvores
Juntamente com os desafios enfrentados pelas reservas, as empresas de celulose prosperam com as suas monoculturas de eucalipto. Um artigo recente sobre a indústria brasileira de celulose na The Economist resumiu a situação com a manchete “Dinheiro que cresce em árvores”.
Fibria, a maior produtora mundial de celulose derivada de eucalipto, registou uma fatura recorde de US $ 3,1 bilhões em 2015, de acordo com a empresa. Estas receitas incluem 50% daquelas da Veracel, uma joint venture entre a Fibria e a empresa escandinava Stora Enso. A segunda maior empresa brasileira, Suzano, também teve um bom ano com uma receita líquida de US $ 3,2 bilhões, de acordo com a empresa.
O porta-voz da Suzano explicou, contudo, que os lucros podem ser inconstantes.
“Como muitas empresas do setor de mercadorias estamos sujeitas ao preço destas, e a flutuações nas taxas de câmbio”, disse o porta-voz. “Em 2015, a empresa teve um bom resultado, o que é completamente oposto a 2016, onde tanto o preço como a taxa de câmbio [foram] instáveis”.
As empresas de celulose comercializam como ‘verdes’ e colaboram com as reservas de diferentes maneiras.
Por exemplo, Rezende recentemente chegou a um acordo com a Suzano para ter alguém a trabalhar em Córrego Grande na sua folha de pagamentos. A Suzano financiou o projeto de educação ambiental para estudantes.
“Como uma empresa que depende da terra, acreditamos que as nossas ações devem ir além das cercas que rodeiam as nossas propriedades”, disse o porta-voz da Suzano. A Fibria financiou programas semelhantes no passado. A Fibria recusou-se a comentar.
Enquanto Rezende congratula-se com estas iniciativas, ele também vê desvantagens.
“A ajuda vem sob os termos das empresas e pode ir embora tão rapidamente quanto vem”, disse ele.
Além disso, a ajuda pode colocar as reservas numa situação desconfortável quando há um conflito de interesses.
“Uma das empresas [Suzano] está prestes a renovar a licença em mais de 22.000 hectares de eucalipto na área em torno de Córrego Grande e Rio Preto”, disse Rezende. “No entanto, eles estão a processar a renovação como muitas pequenas propriedades em vez de apenas uma grande empresa, no sentido de evitar pagar qualquer compensação ambiental”. Rezende refere-se ao dinheiro que as empresas têm que pagar às áreas protegidas sempre que se envolvem em iniciativas com alto impacto ambiental.
“A maioria das áreas licenciadas recentemente são formadas por grandes blocos de propriedade”, explicou o porta-voz de Suzano, sem se referir especificamente à área mencionada por Rezende. “Todas as compensações relacionadas com estes blocos de terras estão a ser pagas de acordo com a Lei Brasileira”.
Reivindicações de proteção
Além de parcerias com as reservas, as empresas também afirmam proteger a Mata Atlântica, mantendo parte das suas terras com florestas nativas.
A Fibria, por exemplo, possui três reservas naturais privadas no Espírito Santo: uma de 2.212 hectares e duas menores, de 296 e 379 hectares. A Veracel possui uma grande reserva de 6.096 hectares (mais de 15.000 acres) na Bahia.
No entanto, a maioria das terras que as empresas reservam para a conservação é preservada para cumprir com os regulamentos existentes. Nalguns casos, áreas específicas são protegidas por razões ecológicas, tal como ter riachos de água. Noutros, a lei exige que 20% de todas as propriedades rurais sejam mantidas com árvores nativas.
O Brasil tem mais de 463.000 milhas quadradas de áreas protegidas, um aumento de 83,5 por cento entre 2001-2011 segundo o Ministério do Meio Ambiente, mas o financiamento público dedicado à conservação não aumentou proporcionalmente. O orçamento do governo alocado para as unidades de conservação não aumentou desde 2001, mantendo-se em cerca de US $ 88 milhões por ano. Consequentemente, os recursos económicos por área protegida diminuiram 40% entre 2001 e 2010.
O Brasil gasta apenas US $ 1,3 por hectare protegido, bem abaixo de outros países como os EUA (US $ 45,5), o Canadá (US $ 15,5) ou a Argentina (US $ 6,2). O baixo financiamento leva a um número muito limitado de funcionários: há 18.600 hectares protegidos por trabalhador no Brasil, contra 2.125 nos EUA, 2.400 na Argentina e 5.257 no Canadá.
A situação geral está prestes a ficar ainda mais difícil: no início deste mês, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente do Brasil foi reduzido em mais de 50%.
A burocracia também complica o uso de recursos. Em 2009, por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente reconheceu que só podia gastar metade do seu orçamento. Além disso, a lei exige que cada compra seja feita através de uma licitação anterior, causando longos atrasos e, ironicamente, preços mais altos.
As empresas argumentam que fazem mais do que a lei exige.
“A nossa área de conservação atual é de 477.490 hectares, ou seja 40% da nossa área total em todo o país”, escreve o porta-voz da Suzano. “Ou seja, o dobro do limite de 20%, e também acima do benchmarking das áreas protegidas para as empresas florestais em todo o mundo”.
Embora estas áreas representem uma grande extensão quando adicionadas, elas são altamente fragmentadas, limitando a sua capacidade de conservar a biodiversidade. Um jaguar (Panthera onca), por exemplo, que é classificado pela IUCN na Mata Atlântica como de “baixa probabilidade de sobrevivência”, requer um tamanho médio do território de cerca de 2.500 hectares, aproximadamente o mesmo tamanho de toda a reserva do Rio Preto. Portanto, não é apenas uma questão de quanta terra está protegida, mas também de quão bem conectada ela está: quanto mais fragmentada é a floresta, mais ameaçada se torna.
Banner image: Um pica-pau-amarelo (Melanerpes flavifrons) na Mata Atlântica brasileira. Fotografia de Germano Woehl Junior para o Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade.
Ignacio Amigo é jornalista freelancer com sede em São Paulo, Brasil. Pode encontrá-lo no Twitter em @IgnacioAmigoH.