A Floresta Nacional de Altamira ocupa cerca de 700 mil hectares no Pará e abriga uma rica diversidade de plantas e animais, incluindo diversas espécies ameaçadas de extinção.
Recentemente, o fluxo de garimpo ilegal tem causado o desmatamento desenfreado da floresta e poluído os rios. O alvo dos garimpeiros é a cassiterita, principal minério do estanho. Além disso, a agropecuária ilegal e a construção de estradas também estão contribuindo para o desflorestamento da reserva.
O governo interveio no início do ano para dar fim à atividade ilegal, mas imagens de satélite mostram que o desmatamento ao redor das minas voltou a aumentar em outubro.
Conservacionistas e ativistas temem que a retórica e as mudanças nas políticas do governo Bolsonaro estejam estimulando as invasões na Flona de Altamira e outras áreas protegidas que constituem importantes refúgios para a vida selvagem e as comunidades indígenas.
O dano só ficou claramente visível quando a chuva parou e as nuvens se dissiparam no céu da Floresta Nacional de Altamira, no Pará. Em vez de mata densa, grandes pedaços de terra sem árvores margeavam os rios ao longo dessa área protegida da Floresta Amazônica.
“Quando obtivemos uma imagem de satélite nítida, só conseguimos ver devastação”, diz uma fonte de uma agência ambiental do governo, que pediu para não ser identificada porque não estava autorizada a falar sobre o assunto. “Nunca vimos nada desse tipo em Altamira.”
A Floresta Nacional (Flona) de Altamira ocupa 724.965 hectares, a maior parte no município homônimo. Ela abriga uma rica diversidade de plantas e animais, incluindo diversas espécies ameaçadas de extinção, como a ariranha (Pteronura brasiliensis) e o peixe-boi-da-amazônia (Trichechus inunguis).
A área já foi considerada um marco da silvicultura sustentável, em uma região da Amazônia onde o desmatamento é a regra. Sob proteção federal desde 1998, a Flona de Altamira mantém um status que permite apenas atividades regulamentadas, como extração de madeira licenciada. Ao longo dos anos, ela se tornou a maior área de concessões florestais do país. O objetivo era impulsionar a economia local e ao mesmo tempo minimizar o impacto sobre a biodiversidade.
“Ela costumava ser nosso exemplo de como as coisas poderiam dar certo aqui, como poderíamos criar postos de trabalho, como poderíamos usar a Floresta Amazônica de forma sustentável”, diz o agente governamental. “Mas aí tudo desmoronou.”
Aumento do desmatamento
Dados e imagens de satélite da Universidade de Maryland (UMD) mostram que o desmatamento ilegal disparou na Flona de Altamira no ano passado. Fontes locais apontam os garimpos ilegais como sendo os principais responsáveis na maior parte da área protegida.
Cerca de 300 hectares foram desmatados entre janeiro e outubro de 2019 apenas para mineração, de acordo com Thaise Rodrigues, especialista em sensoriamento remoto da Rede Xingu+, rede de grupos ambientalistas e indígenas que trabalha na Bacia do Xingu.
Isso representa um aumento de 85% em comparação com o ano anterior, como mostram os dados da rede. Parte da pressão veio de um vasto desmatamento na fronteira oeste do território, “onde uma pista de pouso e decolagem clandestina foi construída entre maio e junho de 2019”, informou Thaise.
Os garimpeiros geralmente abrem pistas clandestinas na Amazônia, permitindo que suprimentos e equipamentos sejam levados até áreas densas da floresta por avião. Muitos também vêm com maquinário pesado, como escavadoras, capazes de limpar grandes áreas de floresta com bastante facilidade.
Fontes locais dizem que a maioria dos garimpeiros que invade a Flona de Altamira está atrás da cassiterita, principal minério de estanho. Garimpeiros em busca de ouro, agropecuaristas e madeireiros à procura de variedades valiosas de árvores também estão presentes na região. Além disso, alguns dos invasores têm aberto estradas clandestinas para transportar minerais e madeira para fora da floresta.
As autoridades detectaram o aumento das atividades garimpeiras pela primeira vez em abril, diz a fonte do governo. Porém, com recursos cada vez mais escassos e o salto do desmatamento na Amazônia este ano, os agentes federais fizeram a primeira inspeção na área somente no fim de agosto. Eles destruíram alguns dos equipamentos usados pelos garimpeiros e aplicaram multas, mas, àquela altura, danos extensos e irreversíveis já haviam sido causados, de acordo com a fonte da fiscalização.
Entretanto, mesmo após essa repressão inicial, o desmatamento na Floresta Nacional voltou a crescer com força. Dados da UMD e imagens da Planet Labs mostraram o aumento dramático do desflorestamento em diversas minas entre outubro e novembro, o que levou as autoridades a voltar ao local no final do ano.
“Agora que temos um governo que é bem mais hostil com o meio ambiente, os garimpeiros se sentem mais poderosos, eles acham que podem se dar bem”, diz o agente anônimo.
Pressão cada vez maior
Como na maior parte do Brasil, a febre do ouro que tomou conta da Flona de Altamira tem origem no período de maior desenvolvimento da região da Amazônia, nas décadas de 1970 e 1980. A construção da BR-163, extensa rodovia com milhares de quilômetros que vai do sul do Brasil e corta o coração da Bacia Amazônica, serviu de catalisador: a pavimentação da rodovia na década de 1990 trouxe uma legião de pessoas ávidas por percorrer a região inexplorada em busca de ouro e outros minerais.
“Todo o desflorestamento começou quando a rodovia foi construída”, diz Antônio Victor Fonseca, engenheiro ambiental e pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). “O governo, então, veio com a ideia de que precisávamos proteger esta área, caso contrário perderíamos toda a floresta da região.”
A Flona de Altamira foi criada principalmente para protegê-la de invasões. O território também foi visto pela Funai como uma zona crucial para proteger as terras indígenas vizinhas Xipaya e Kuruayá.
Mas agora, o presidente Jair Bolsonaro está enviando sinais muito mais estimulantes aos invasores, e fontes locais dizem que isso está encorajando os garimpeiros ilegais. O controverso líder da nação tem tecido duras críticas às proteções de terras, chamando-as de “obstáculos” ao desenvolvimento e à mineração.
Bolsonaro, que tem sua própria história de mineração ilegal na Amazônia, tem dito diversas vezes que não demarcará nenhum centímetro de terra a mais para os povos indígenas. Atualmente, seu governo está tentando aprovar um projeto de lei que permitiria a mineração em terras indígenas.
O presidente também defende a redução do tamanho de algumas áreas protegidas e a abertura de 4,6 milhões de hectares da Reserva Mineral de Cobre e seus Associados (Renca) para garimpeiros, uma tentativa que seu antecessor Michel Temer abandonou após protestos internacionais e uma decisão da Justiça Federal.
“O interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério”, disse Bolsonaro em um discurso improvisado a um grupo de garimpeiros em outubro, referindo-se ao interesse de investimentos estrangeiros.
Essa retórica estimulou ainda mais a invasão da Floresta Nacional, que já estava sob crescente pressão com o vasto desmatamento nas áreas adjacentes, diz Antônio Fonseca, do Imazon. A desflorestação por parte de garimpeiros, agropecuaristas e madeireiros tem sido implacável principalmente na Floresta Nacional do Jamanxim, que fica ao sul da Flona de Altamira.
“Há muita pressão aqui”, diz Fonseca. “Esta região é muito, muito crítica porque já temos muito desmatamento ao redor dela.”
Enquanto isso, os preços cada vez maiores do estanho incentivaram ainda mais os garimpeiros este ano, levando-os a invadir a Flona de Altamira, uma região rica em minerais. Em março de 2019, os preços do estanho em todo o mundo atingiram a maior alta em mais de um ano, ajudada por um grande déficit já esperado e uma crescente demanda pelo metal, que é usado em diversos produtos, desde celulares até pastas de dente. Desde então, os preços do estanho vêm caindo, com pequenos picos em setembro e dezembro.
Porém, diferentemente da extração de ouro, a mineração da cassiterita é mais barata e mais fácil, tornando a atividade especialmente atrativa para especuladores, de acordo com fontes locais. Os garimpeiros ilegais, muitos dos quais são pobres e iletrados, correram para a Flona de Altamira na esperança de ficarem ricos.
Há mais de 450 garimpos ilegais na Amazônia brasileira, de acordo com a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), consórcio de organizações da sociedade civil. Milhares de garimpeiros ilegais trabalham exaustivamente nesses locais, extraindo recursos como estanho, ouro e níquel.
“Eles veem a Amazônia como um lugar que deve ser explorado, que deve ser invadido”, diz Danicley Aguiar, da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil. “É um modelo de economia predatória.”
Perdendo a batalha
As autoridades têm tentado combater o garimpo ilegal na Flona de Altamira há anos, mas o recente pico das atividades indica que elas podem estar perdendo a guerra.
Como os orçamentos dos órgãos ambientais têm sofrido cortes drásticos nos últimos anos, a presença do estado na região tem diminuído significativamente. O Ibama, o ICMBio e a Funai têm sido forçados a reduzir pessoal e a fechar postos de trabalho em partes remotas do Brasil, deixando os garimpeiros ilegais livres para invadir territórios protegidos sem medo de serem pegos.
A aplicação das leis ambientais, já enfraquecida em governos anteriores, tem se deteriorado ainda mais no governo Bolsonaro. O número de multas por crimes ambientais tem caído drasticamente desde que ele assumiu o cargo, atingindo a menor marca da década. Além disso, no início do ano o presidente retirou alguns poderes do Ibama, principal órgão ambiental do país.
Recentemente, Bolsonaro enviou outro sinal positivo para garimpeiros e madeireiros quando interveio pessoalmente para impedir o Ibama de destruir máquinas apreendidas durante uma inspeção em um território protegido em Roraima.
Na Flona de Altamira, a presença cada vez menor do estado tem exercido um impacto significativo. Agentes ambientais fizeram inspeções na área protegida diversas vezes em 2016 e 2017, distribuindo multas e destruindo equipamentos, disseram as fontes. Porém, as autoridades sumiram da área durante todo o ano de 2018 e retornaram este ano apenas porque a atividade garimpeira ressurgiu com força.
Enquanto isso, os garimpeiros ilegais estão ainda mais audaciosos, uma vez que o governo Bolsonaro sinalizou que pode estar do lado deles. No fim de outubro, eles bloquearam diversas rodovias importantes no Pará e exigiram que o governo legalizasse a atividade e impedisse que os fiscais destruíssem seus equipamentos.
“Quando esse tipo de discurso vem à tona, é natural que os garimpeiros sintam que o governo apoia a atividade deles”, diz Danicley Aguiar, do Greenpeace. “Isso cria expectativas.”
Florestas perdidas, rios poluídos
Nos últimos meses, a Floresta Nacional de Altamira também tem testemunhado o aumento do desmatamento impulsionado pela construção de estradas clandestinas e pela agricultura ilegal, com os agropecuaristas transformando cada vez mais áreas de florestas em pastos.
Por comparação, o garimpo geralmente causa menos destruição nas florestas, mas pode deixar uma marca profunda nos ecossistemas e nos recursos hídricos. Na Flona, fontes locais apontam que o aumento repentino da atividade garimpeira é o principal fator que contribuiu para a completa deterioração da qualidade da água do Rio Aruri.
Embora seja possível encontrar minério de estanho em solo rochoso, os depósitos com mais fácil acesso estão concentrados em córregos e ao longo das margens dos rios. Quando a floresta e a camada superior do solo são removidas da orla para extração mineral, o solo e os resíduos correm livremente em direção ao rio quando chove.
As minas de cassiterita também usam água dos rios vizinhos para extração hidráulica e depois despejam a água em bacias e barragens de rejeitos próximos. Uma pesquisa associou o resíduo de minério de estanho, altamente tóxico, à poluição do solo, da vegetação, das águas de superfície e do lençol freático.
No caso do ouro, em que o mercúrio geralmente é usado no processo de extração, o impacto na saúde de seres humanos e animais pode ser devastador. Estudos têm associado a exposição ao elemento a doenças de pele, infertilidade e deficiências congênitas. O mercúrio também pode contaminar a população de peixes, percorrendo vastas distâncias e aumentando a toxicidade até a cadeia alimentar.
A poluição começa no Rio Aruri e se estende rio afora, contaminando outras regiões e comunidades. Notavelmente, o Rio Ariri se conecta ao Rio Jamanxim, um rio maior que percorre diversas áreas protegidas, incluindo a Floresta Nacional de Itaituba e a Área de Proteção Ambiental do Jamanxim. Poucos quilômetros acima, o Rio Jamanxim também deságua no Rio Tapajós, um importante afluente do Rio Amazonas.
Os ativistas da região também temem o impacto nas áreas protegidas vizinhas, como as terras indígenas Xipaya, Kuruayá e Bau. Na Amazônia brasileira, cerca de 18 reservas já foram invadidas por garimpeiros ilegais, de acordo com a RAISG. “Há uma grande pressão dos garimpeiros sobre as terras indígenas”, diz Danicley Aguiar, do Greenpeace.
A região no entorno da Flona de Altamira também abriga comunidades ribeirinhas e outras comunidades tradicionais, cujos membros colhem castanha-do-brasil na floresta. Essas comunidades geralmente contam com os rios locais para pescar e sustentar seus estilos de vida tradicionais.
Conservacionistas e ativistas que trabalham na área dizem que a invasão da região, aliada à poluição dos recursos hídricos da área, pode causar impactos prejudiciais na saúde e no sustento daqueles que dependem da floresta para sobreviver.
“O problema é que, quando você contamina a água, os impactos se deslocam”, diz Danicley Aguiar, do Greenepeace. “Uma mina tem o poder de impactar milhares de pessoas, e isso pode afetar gerações.”
Imagem do banner: Desmatamento em mina ilegal de cassiterita na Floresta Nacional de Altamira. Imagens da Planet Labs.
Nota do editor: Esta matéria contou com o apoio da Places to Watch, iniciativa da Global Forest Watch (GFW) criada para identificar rapidamente perdas de florestas em todo o mundo e impulsionar a investigação dessas áreas. A Places to Watch combina dados de satélite em tempo quase real com algoritmos automatizados e inteligência em campo para identificar novas áreas mensalmente. Em parceria com a Mongabay, a GFW está apoiando o jornalismo de dados fornecendo dados e mapas gerados pela Places to Watch. A Mongabay tem completa independência editorial para publicar matérias com o uso desses dados.