A Mongabay lança virtualmente o livro Uma tempestade perfeita na Amazônia, de Timothy J. Killeen, acadêmico e especialista que, desde a década de 1980, estuda a taxonomia das florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos. Em 2023, o livro será publicado em três idiomas: espanhol, inglês e português.
Em linguagem simples, Killeen narra os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, bem como os complexos problemas enfrentados pelas florestas da América do Sul. Esta segunda edição do livro Uma tempestade perfeita na Amazônia traz um panorama dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade, dos serviços ecossistêmicos e das culturas indígenas da região, além de descrever os modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que disputam espaço na economia regional. O escopo abrangente e o detalhamento descritivo da narrativa proporcionarão ao leitor a compreensão das sinergias entre os fenômenos complexos que ameaçam a conservação da Amazônia, bem como uma análise objetiva dos modelos de produção sustentável e das reformas regulatórias essenciais para remodelar o rumo da história e salvar um ecossistema de importância crucial para o planeta.
Capítulo 1. O estado da Amazônia
O capítulo introdutório começa com uma descrição da atual economia política da Amazônia sob o ponto de vista de seu produto interno bruto. A narrativa explica por que o PIB fornece uma perspectiva falha da economia regional e oferece um contexto para a compreensão dos sistemas de produção convencionais que levam à degradação ambiental. Acompanha uma descrição da geografia das paisagens modificadas pelo homem da Amazônia, que inclui quatro sub-regiões (Corredor do Rio Amazonas, Amazônia Meridional, Amazônia Andina e Amazônia Guianense) e trinta paisagens fronteiriças estratificadas por um sistema econômico de produção e estágio de desenvolvimento (fronteiras florestais, fronteiras agrícolas, fronteiras consolidadas, fronteiras do garimpo e fronteiras da coca). Na sequência, é apresentada uma visão geral sucinta dos temas que motivam os capítulos subsequentes.
Capítulo 2. A infraestrutura define o futuro
O desmatamento está mais notavelmente associado à extensão da rede rodoviária na Amazônia brasileira, porém há um processo semelhante, mas distinto e menos conhecido, que ocorreu nos Andes e na Amazônia Guianense. As políticas nacionais continuam favorecendo a melhoria e expansão desses corredores de transporte; a maioria desfruta de apoio local sólido. Uma descrição da energia hidrelétrica fornece uma narrativa histórica, bem como uma explicação dos impactos associados às diferentes configurações de barragens e reservatórios. Enquanto o debate público tem se concentrado em rodovias e barragens, o investimento está cada vez mais concentrado em sistemas de transporte de granéis (ferrovias e hidrovias) e infraestrutura industrial (fábricas de processamento e plantas de embalagem). A melhoria da infraestrutura é impulsionada pelo crescimento do agronegócio e pelo desejo de “agregar valor” aos investimentos em transporte e hidrelétricas das últimas três décadas. É avaliado o papel das instituições multilaterais de investimento, assim como a importância crescente do capital da China.
Capítulo 3. A agricultura determina o uso da terra
As rodovias determinam onde ocorre o desmatamento, mas os colonos e o agronegócio desmatam a floresta para estabelecer sistemas de produção agrícola. Todos os principais sistemas de produção (carne bovina, soja e milho, óleo de palma, café, cacau, culturas alimentares e coca) são examinados em detalhes para cada sub-região. A produtividade e lucratividade dos pequenos proprietários e do agronegócio são avaliadas no contexto de como eles empregam capital, tecnologia e mão de obra, bem como sua dependência dos mercados de commodities locais, nacionais ou internacionais.
Capítulo 4. Terra: o produto primário definitivo
A terra valoriza-se à medida que as fronteiras florestais evoluem para fronteiras agrícolas e, eventualmente, para corredores de desenvolvimento totalmente consolidados. Os pioneiros geralmente toleram anos de lucros marginais, ou mesmo perdas, para monetizar grandes ganhos de capital quando vendem suas propriedades. A especulação fundiária é um fator subestimado do desmatamento em propriedades adquiridas nas últimas décadas por meio da apropriação extralegal de terras estatais, bem como em novos latifúndios criados pela atividade visivelmente ilegal conhecida como grilagem de terras. A apropriação de terras estatais é facilitada pela disfunção dos registros fundiários que foram concebidos originalmente para fomentar o assentamento e promover o desmatamento. Os governos falharam repetidas vezes em reformar os aspectos judiciais e administrativos dos sistemas de posse da terra.
Capítulo 5. Commodities minerais: uma pegada pequena com um impacto enorme
Em termos estratégicos, as indústrias extrativas são importantes para as economias nacionais das nações da Pan-Amazônia; com exceção do Peru, a contribuição do setor de mineração industrial para o PIB regional é limitada, porque as rendas minerais são capturadas pelos governos centrais. O setor formal de capital intensivo é dominado por corporações que buscam minimizar os impactos de curto prazo e evitar passivos de longo prazo. Garimpeiros de ouro artesanais injetam somas significativas diretamente na economia local, mas suas operações são um desastre ecológico e social que nenhum país consegue controlar.
Capítulo 6. Pessoas como propulsoras da degradação ambiental
Por necessidade ou de propósito, as pessoas tomam decisões com horizontes de tempo relativamente curtos e escolhem entre meios de subsistência limitados por políticas públicas e exigências do mercado. Este capítulo explora como a migração, o crescimento populacional e a urbanização influenciaram o desenvolvimento na Amazônia, bem como o papel da geopolítica e dos interesses investidos na promoção de modelos de negócios convencionais. Um legado de pobreza rural e tradições culturais profundamente enraizadas são a principal causa da desigualdade, que limita as oportunidades para a maioria, ao mesmo tempo em que proporciona impunidade para alguns. A corrupção endêmica aumenta a desigualdade e alimenta uma economia informal que mina o estado de direito e impede políticas voltadas para o mercado que promovam o desenvolvimento sustentável.
Capítulo 7. Governança: muito melhorada, mas longe de ser adequada
Os países da Amazônia lançaram múltiplas iniciativas nas últimas três décadas para modernizar os sistemas regulatórios, melhorar a transparência e descentralizar as funções administrativas do Estado. A revisão ambiental melhorou de forma imensa, mas ainda está sujeita à captura regulatória por interesses escusos. A descentralização deu poder aos ativistas ambientais e sociais locais, mas as elites locais comprometidas com modelos de negócios convencionais dominam o processo político. A lei ambiental tornou-se uma importante fonte de reforma, mas sistemas judiciais fracos ainda precisam mudar o comportamento das partes interessadas que buscam um modelo de produção não sustentável. Os proprietários de terras continuam desmatando a floresta desafiando as restrições de zoneamento do uso da terra (o Código Florestal) e garimpeiros artesanais operam com a aprovação tácita das autoridades locais.
Capítulo 8. A busca pela sustentabilidade
As comunidades tradicionais e os empresários tiveram algum sucesso na adoção ou expansão da produção sustentável na silvicultura e na pesca, mas os governos e o setor privado falharam em reformar o maior componente da economia florestal: a indústria madeireira. A promessa de reflorestamento, sistemas agroflorestais e plantações florestais permanece não cumprida, embora a aquicultura seja cada vez mais popular entre os pequenos proprietários e empresários. As experiências de Cusco, Madre de Dios e Manaus destacam o potencial da indústria de viagens, mas o crescimento do ecoturismo é limitado pela falta de infraestrutura e recursos humanos limitados. Algumas cadeias de suprimentos de commodities presenciaram mudanças positivas devido a boicotes de consumidores, moratórias e sistemas de certificação voluntária, mas mesmo iniciativas bem-sucedidas enfrentam desafios causados pelo deslocamento da produção (soja, óleo de palma) e trapaça (carne bovina, madeira). As políticas bem-sucedidas adotadas pelo Brasil entre 2005 e 2015 basearam-se em uma abordagem integrada de todo o governo que coordenou programas entre autoridades estaduais, locais e nacionais: sistemas de monitoramento por satélite foram usados em combinação com um sistema de registro de terras quase voluntário. Os serviços de extensão expandidos e o crédito subsidiado forneceram incentivos positivos que complementaram as iniciativas do setor privado para melhorar o acesso ao mercado. Ações policiais de grande repercussão mudaram o cálculo de risco/recompensa de proprietários de terras, grileiros e garimpeiros artesanais.
Capítulo 9. Avanços na ciência da biodiversidade
À medida que os governos investiram em universidades e instituições de pesquisa, a região vivenciou uma expansão impressionante na infraestrutura de conhecimento nas últimas décadas. O desenvolvimento de bancos de dados de biodiversidade acompanhou um aumento exponencial na coleta de espécimes e dados de campo. Cientistas locais agora participam da identificação de espécies e habitats ameaçados em todo o mundo, enquanto organizam uma rede regional de gráficos permanentes de longo prazo para documentar a dinâmica da floresta.
Capítulo 10. Conhecimento é poder: desmatamento, ciclos da água e mudanças climáticas
A tecnologia de sensoriamento remoto pioneira no Brasil se expandiu pelo mundo; desmatamento e incêndios florestais são monitorados em tempo real em todos os países amazônicos. A combinação de gráficos de floresta e dados de satélite fornece validação para modelos globais e regionais que estimam a contribuição da floresta amazônica para o ciclo global do carbono e seu papel essencial na manutenção da estabilidade hidrológica da monção sul-americana. Alguns modelos integrados de ecossistema-clima preveem que o desmatamento em curso e as mudanças climáticas podem desencadear uma mudança de fase na reciclagem da água atmosférica e levar a um ponto de inflexão que desencadeia uma regressão catastrófica da floresta no sul da Amazônia.
Capítulo 11. Um despertar indígena
Os indígenas são os defensores mais ferozes e eficazes da conservação da Amazônia porque a luta por seus territórios é existencial: se perderem suas terras, perderão sua identidade e deixarão de existir como povo. A revitalização de décadas das comunidades indígenas pagou dividendos monumentais para a sociedade amazônica. O compromisso desse povo com a conservação da biodiversidade garante que seus territórios sejam geridos como reservas de uso sustentável. Esse compromisso está embutido na cultura, reforçado pela história recente e pela luta amarga de defesa das terras. Eles são literalmente guerreiros da conservação.
Capítulo 12. Boletim de conservação
Aproximadamente 230 milhões de hectares de terras públicas foram reservados como algum tipo de área protegida, cerca de metade delas são reconhecidas como áreas de uso múltiplo com regimes de manejo que permitem a caça, a pesca e a colheita de produtos não madeireiros, bem como exploração madeireira, mineração e agricultura de pequena escala. As diretrizes de gestão permanecem em grande parte aspiracionais e a consolidação das redes é um processo contínuo. Os sistemas nacionais de áreas protegidas estão essencialmente completos, mas os governos regionais continuam estabelecendo novas reservas, em especial nas Repúblicas Andinas, onde a descentralização do estado está em andamento. Os esforços para melhorar a gestão dos recursos naturais fora das áreas protegidas e dos territórios indígenas têm apresentado menos êxito, apesar dos exemplos notavelmente claros do valor econômico do capital natural. Há mais de uma década, são desenvolvidas iniciativas para criar um pagamento por serviços ecossistêmicos (REDD), mas seus proponentes não conseguiram implementá-lo em escala devido à falta de um mercado global robusto de carbono.
Capítulo 13. O que está por vir?
O capítulo final está organizado em quatro seções: (1) O que quase certamente acontecerá, descreve as políticas ou fenômenos que persistirão no futuro em quase qualquer cenário; alguns são positivos, outros nem tanto (por exemplo, as estradas existentes serão melhoradas). (2) O que possivelmente pode acontecer, descreve resultados que podem ou não ocorrer dependendo das políticas ou decisões de investimentos que serão adotadas no futuro próximo (por exemplo, malhas viárias serão expandidas, ou não). (3) O que nunca deveria acontecer, descreve políticas, investimentos ou resultados que nunca deveriam acontecer devido aos seus óbvios impactos negativos (por exemplo, um aumento nas temperaturas médias globais superior a 3 °C. (4) O que absolutamente deve acontecer, descreve políticas absolutamente essenciais para a conservação da Amazônia (por exemplo, o desenvolvimento de algum tipo de mecanismo de pagamento por serviços ecossistêmicos). O capítulo termina com uma revisão de potenciais oportunidades políticas, particularmente ações que possam estabilizar a função hidrológica ameaçada pelo desmatamento, incêndios florestais e mudanças climáticas.