Estudo revela que 29 toneladas de ouro foram extraídas no Brasil apenas nos quatro primeiros meses de 2020.
Com a alta na cotação do ouro, o valor das exportações cresceu 15% em relação a 2019 e ultrapassou a marca de US$ 1,2 bilhão.
Quatro dos dez municípios com maior volume de extração de ouro ficam na Amazônia, dominados por grandes multinacionais e donos de garimpo de larga escala.
Esses municípios, localizados no Pará, Maranhão, Amapá e Mato Grosso, colecionam conflitos socioambientais com povos indígenas e comunidades tradicionais.
Um estudo recente, publicado pelo Instituto Escolhas, mostra que a mais grave pandemia global dos últimos cem anos nem chegou perto de arranhar o ritmo da corrida pelo ouro, sobretudo na Amazônia.
Apenas nos quatro primeiros meses do ano, 29 toneladas foram oficialmente extraídas no Brasil, mesmo com a pandemia de covid-19 em curso desde março. Isso já é um terço do que foi extraído, de acordo com os registros oficiais, nos dois anos anteriores somados: 85 tonleadas no total. Com a alta mundial na cotação do metal, o valor das exportações cresceu 15% em relação ao mesmo período do ano passado.
De acordo com o valor do imposto recolhido, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), quatro dos dez municípios que mais produziram ouro no Brasil em 2019 ficam em estados diferentes da Amazônia: Itaituba, no Pará; Godofredo Viana, no Maranhão; Pedra Branca do Amapari, no Amapá; e Peixoto de Azevedo, no Mato Grosso.
Essas quatro cidades contam uma história interessante sobre como o ouro ameaça comunidades inteiras, diversos povos indígenas e dezenas de unidades de conservação. Em Itaituba, no Médio Tapajós, maior região garimpeira do país, lavras estão cravadas irregularmente dentro de áreas protegidas e terras indígenas. De acordo com a CFEM recolhida, Itaituba está em segundo lugar no ranking da Agência Nacional de Mineração (ANM) dos municípios que mais produziram ouro no Brasil.
As exportações de ouro do Brasil subiram mais de 100% nos últimos dez anos, segundo valores acumulados no período de janeiro a abril de cada ano. O valor das exportações em 2020 cresceu 15% em relação ao ano passado. Fonte: Ministério da Economia, Sistema Comex Stat.
Uma estimativa do Ministério Público Federal diz que 1 kg de ouro representa cerca de R$ 1,7 milhão em dano ambiental. Segundo Ana Carolina Bragança, procuradora federal no Amazonas, o ouro extraído ilegalmente na Amazônia está no mercado lícito, circulando na economia – quem paga os danos é a sociedade, e a Justiça não dá conta da complexidade da situação.
“A Constituição diz expressamente que deve haver reparação dos danos causados pelo garimpo. E garantir isso passa por um licenciamento ambiental sério. É preciso questionar até se o garimpo é economicamente viável diante do dano que causa”, afirma a procuradora.
Como boa parte do ouro extraído no Brasil é ilegal, os números disponíveis não mostram toda a realidade. Uma operação do MPF, por exemplo, revelou que 610 quilos de ouro ilegal foram negociados por uma única operadora entre 2015 e 2018 em Santarém, no Pará, causando um prejuízo de R$ 70 milhões à União.
Mineração tem grande impacto ambiental
Os Munduruku, principal povo indígena do Médio e Alto Tapajós, convivem há décadas com a pressão do garimpo. Dez pessoas da etnia já morreram de covid-19, entre elas o cacique Vicente Saw Munduruku, uma importante liderança. A estimativa é de que 60 mil garimpeiros trabalhem em Itaituba, que é o 13o maior município do país, com 62 mil km² de área.
Outro dado dá uma dimensão da tragédia. Em 2019, de acordo com o Ibama, o desmatamento ilegal causado pelo garimpo bateu recorde: 10,5 mil hectares de floresta vieram abaixo, um aumento de 23% em relação ao ano anterior. Novamente, a região mais afetada foi a do Tapajós.
Enquanto isso, a covid-19 já matou mais de 60 mil pessoas, deixando o Brasil como o segundo país do mundo com mais mortes registradas. Em toda a Amazônia, os povos indígenas estão entre os mais suscetíveis à doença.
No fim de março, após reportagens mostrarem aglomeração de trabalhadores em grandes mineradoras, impactando cidades que vivem em função disso, as empresas se reuniram para pressionar o governo federal a tornar a mineração atividade essencial – e conseguiram. Desde então, a situação da pandemia piorou muito.
Mercado comemora, floresta paga a conta
Em cinco anos, a cotação da onça-troy de ouro subiu mais de 46%. O preço atual oscila na casa dos US$ 1.730. Em Godofredo Viana (MA), sexta cidade no ranking da Agência Nacional de Mineração, a extração hoje é controlada pela empresa canadense Equinox Gold, uma das 20 maiores mineradoras de ouro do mundo. A mina de Aurizona produz até 130 mil onças de ouro por ano; 4 mil pessoas vivem em uma comunidade ao lado da mina.
Segundo o pesquisador Tadzio Coelho, professor da Universidade Federal de Viçosa (MG), que conduziu um projeto em Godofredo Viana, a situação da cidade reproduz o modelo de dependência mineral visto em outros lugares.
A população convive com problemas respiratórios e alérgicos causados pela mineração. A poluição sonora é grande e há o risco de rompimento de uma barragem próxima. A comunidade não é ouvida em nenhuma instância de decisão, assim como o poder público, que se torna refém da mineradora. “O processo de consulta e decisão leva em conta os interesses da empresa. As demandas locais, principalmente da comunidade, são ignoradas”, diz Coelho.
No Amapá, em Pedra Branca do Amapari, oitava no ranking da ANM, a exploração de ouro também é operada por uma multinacional, a canadense Great Panther Mining, que adquiriu a Mina Tucano em 2018 da australiana Beadell. A mina produz cerca de 145 mil onças de ouro por ano.
Com a massiva presença de garimpeiros e de outras multinacionais que exploram minério de ferro, como a inglesa Zamin, e requerimentos na ANM para explorar ouro pela inglesa Anglo American, a Terra Indígena Wajãpi tem boa parte da sua área dentro do município de Pedra Branca.
Em julho de 2019, cerca de 50 garimpeiros invadiram a TI e mataram a facadas uma importante liderança da região, Emyra Wajãpi. O Conselho das Aldeias Wajãpi denunciou a situação, mas invasões e ameaças se tornaram frequentes durante o governo Jair Bolsonaro. As reservas minerais da TI Wajãpi, que incluem ouro, ferro, tântalo, nióbio, cassiterita e manganês, são alvo de grande interesse internacional.
Já em Peixoto de Azevedo (MT), o garimpo destruiu completamente o rio de mesmo nome, área habitada pelo povo indígena isolado Panará. O cenário de terra arrasada e exploração ilegal persiste até os dias atuais, mesmo com a criação de uma reserva garimpeira com licença para operar.
A busca pelo ouro na Amazônia é impulsionada atualmente por dois fortes motivos: o aumento da demanda – o metal é considerado um ativo seguro em tempos de crise econômica – e uma conjuntura política favorável ao garimpo. Mas essa nova corrida é um movimento de risco, diz o relatório do Instituto Escolhas. “Risco para a transparência da origem do ouro e, sobretudo, para as áreas protegidas da Amazônia, sejam elas terras indígenas ou unidades de conservação”, alerta o estudo.
Imagem do banner: Garimpo na região de Itaituba, no Pará. Foto: Paulo de Tarso Moreira Oliveira/arquivo MPF.
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