Longe dos fóruns internacionais e centros econômicos, moradores de um dos principais hotspots do desmatamento na Amazônia buscam alternativas ao agronegócio e ao garimpo do ouro.
A Mongabay foi ao sudoeste do Pará e encontrou exemplos de pessoas que lutam para manter iniciativas sustentáveis numa região dominada pela soja, pelo gado e pela extração de madeira.
Apesar do burburinho em torno da bioeconomia, quem trabalha no local se queixa da falta de apoio de bancos e governos.
ALTAMIRA, Pará — Bartolomeu Moraes, mais conhecido como Brasília, foi um líder camponês e sindicalista que atuou na longa e sangrenta luta por terra no Brasil. Em 2002, ele foi morto depois de anos de oposição a fazendeiros da região ao longo da BR-163, no Pará.
“Ele viu muita terra nas mãos de pouca gente e queria que as pessoas pudessem usar essa terra para a agricultura familiar”, lembra Raimunda Rodrigues, de apelido Mariana, enquanto caminha pela estrada de chão batido que leva à sua casa.
Depois de sua morte, o Estado brasileiro finalmente cedeu e, em 2005, criou um assentamento sustentável (conhecido como PDS, ou Projeto de Desenvolvimento Sustentável) em homenagem a Brasília. Mariana recebeu um lote de terra dentro dos 19.800 hectares do PDS Brasília, uma área maior que Aracaju, capital de Sergipe, que até então pertencia a um único proprietário.
O Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra) designou o assentamento a 500 famílias que praticariam a agricultura familiar em seus lotes e usariam uma área maior de floresta conservada para extrair frutos e castanhas.
Contudo, 19 anos depois, o cenário é bem diferente. Sem apoio da administração pública, apenas 200 famílias continuam em suas terras. Muitas delas foram forçadas a vendê-las a grandes proprietários (o que é ilegal), que gradualmente reconquistaram a supremacia sobre o território. De acordo com a rede da sociedade civil MapBiomas, mais de dois terços (75%) do assentamento já foi transformado em pastagem para gado, o que é proibido dentro de um PDS.

A mesma dinâmica persiste para além das fronteiras do PDS. Estendendo-se pelos municípios de Altamira e Novo Progresso, a região da BR-163 é uma das mais desmatadas da Amazônia e tem um histórico de violentas disputas por terra. Em 2019, ela foi o cenário do Dia do Fogo, quando um grupo de fazendeiros agiu de forma coordenada para incendiar vários locais com vistas a transformá-los em pastagens, valendo-se do apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro, que cortou regulações ambientais no Brasil.
Colonizada nos anos 1980 por migrantes em busca de ouro e madeira, a região agora é também um centro do agronegócio. Cada vez mais, a pecuária e as plantações de soja avançam sobre a floresta. “Estamos no corredor do agronegócio. Precisamos nos agarrar à terra para que ela não vá parar de novo nas mãos de um fazendeiro”, diz Mariana, um raro exemplo de resistência em uma das regiões mais conflagradas da Amazônia.
Numa área de 1,5 hectares, ela produz cacau – cujas sementes são vendidas para fabricantes de chocolate no centro de Altamira – e outros frutos amazônicos como pequi, acerola e açaí. A família completa sua renda vendendo ovos, galinhas, banana e mandioca nos mercados e feiras próximos. “Nós tiramos nosso sustento dessa terra”, diz Mariana.
Agora, ela tenta persuadir os vizinhos a fazerem o mesmo, como uma forma de preservar a natureza, aumentar a renda e manter as famílias na terra. “Queremos mostrar aos assentados que eles não precisam plantar só capim para o gado.”
Mariana criou uma associação de mulheres no PDS, reunindo 33 assentadas, incluindo algumas que já produzem frutos. O principal desafio, contudo, é conseguir dinheiro para construir uma fábrica para processar e congelar as polpas. “Nossa preocupação é termos a matéria-prima, mas nenhum lugar para processá-la”, diz ela.

Para comprar o equipamento, a associação vem pleiteando fundos sociais de ONGs e empresas privadas, como das indústrias de mineração, que precisam investir nessas iniciativas para compensar seu impacto ambiental.
Apesar de toda a propaganda sobre a bioeconomia – termo criado para descrever atividades sustentáveis que mantêm a floresta em pé –, os bancos públicos e privados não têm sido os melhores parceiros das mulheres do PDS. De acordo com Mariana, conseguir um empréstimo para criar gado é mais fácil do que para implantar um projeto sustentável. “É isso que chamam de bioeconomia? Está só no nome”, diz ela.
A falta de financiamento é apenas um dos problemas. As hortas e pomares dos assentados costumam sofrer os impactos dos agrotóxicos lançados pelos aviões dos fazendeiros, causando grandes perdas. Alguns anos atrás, Mariana recebeu uma ameaça de morte após denunciar um deles. “Do jeito que as coisas vão, precisamos ser muito fortes, muito persistentes, para sobreviver na agricultura familiar”, ressalta.
Bioeconomia sem glamour
A bioeconomia tem sido cada vez mais discutida em fóruns internacionais como uma forma de gerar renda para comunidades tradicionais, ao mesmo tempo que preserva as florestas e contribui para o combate às mudanças climáticas. A chamada “economia do futuro” deu origem a novas startups que trabalham não só com frutos e castanhas da Amazônia mas também com reflorestamento e créditos de carbono. Um estudo concluiu que a bioeconomia da Amazônia poderia gerar US$ 8 bilhões por ano.
Contudo, a bioeconomia é bem menos glamourosa na prática – especialmente em áreas muito disputadas como a região da BR-163.
Miguel Mernitzki, por exemplo, começou a produzir mel há três anos em Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira. Ele seguiu os passos do pai, que foi apicultor no sul do Brasil décadas atrás, antes de migrar para o Norte como muitos outros pequenos agricultores. “A atividade está meio que no sangue”, diz o homem de 53 anos, enquanto observa com cautela o movimento em torno de 12 caixas de abelha que possui na propriedade de seu falecido pai.
Contudo, este não é o único motivo pelo qual ele se tornou apicultor. “Para começar a plantar soja, você precisa ter milhões de reais. Para trabalhar no garimpo você também precisa de muito dinheiro para comprar maquinário. Para cortar madeira, você tem que ter um caminhão, um trator e uma área para explorar madeira”, explica. “Já a [criação de] abelha, por outro lado, você vai crescendo devagarinho e ela mesma vai pagando seu trabalho.”

A família Mernitzki chegou ao Mato Grosso nos anos 1980 para trabalhar no garimpo do ouro. Daquela época, ele se lembra de ter sido infectado pela malária várias vezes, doença que pode levar à morte. Em 1993, ele e a esposa se mudaram para o Pará para trabalhar no comércio.
Hoje, o casal aluga mesas e cadeiras para festas e administra uma loja de roupas onde também vendem o mel de Mernitzki. A atividade atualmente é uma renda extra, mas ele sonha alto. “O plano no futuro é aumentar o número de caixas de abelha e montar uma casa do mel, para enviar o produto para outros estados e talvez até para o exterior”, diz o apicultor, que produziu 110 quilos de mel em 2024.
Como muitos outros na região, ele se queixa das operações ambientais contra o garimpo ilegal e o desmatamento, que se tornaram mais frequentes desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo em 2023. Segundo Mernitzki, o governo federal só aparece para multar, mas nunca para apoiar projetos como os dele. “Há uma falta de apoio tanto do governo quanto do setor privado. Estamos por própria conta.”
Do gado ao açaí
Para grandes empreendedores, conseguir financiamento parece mais viável. É o caso de Gustavo Grotto, fazendeiro que conseguiu empréstimo do Banco da Amazônia para plantar e processar açaí nas margens da BR-163.
Dono de uma fazenda de 710 hectares, há oito anos Grotto decidiu vender parte de seu rebanho e transformar 50 hectares de pastos degradados em plantações de açaí. A iniciativa surpreendeu seus vizinhos.
“Sempre que você faz algo inovador, é chamado de louco. Agora que as coisas estão mais estabelecidas, muita gente vem me dizer que também quer plantar”, diz o fazendeiro, mostrando alguns ramos de açaí que restaram da última colheita.
Grotto processa a fruta numa fábrica que produz 1.500 litros de açaí por dia, e depois vende o produto numa loja à beira da estrada e em supermercados próximos. Ele espera expandir a produção com o tempo, comprando açaí de outros fornecedores locais. “Se minha indústria for para frente, posso encorajar outras pessoas a plantarem também. Daí podemos garantir a compra e fazer as coisas acontecerem.”

Originário de uma família do Sul que migrou para a Amazônia, Grotto foi para São Paulo estudar engenharia agrícola e depois passou três anos viajando pelo mundo e trabalhando em fazendas orgânicas. Quando voltou ao Pará, contudo, preferiu plantar o açaí de uma forma mais tradicional, baseada na monocultura e no uso de agrotóxicos.
Os agrotóxicos são aplicados nas palmeiras por meio de um sistema de irrigação, chamado fertirrigação. “Nenhum pecuarista, garimpeiro ou madeireiro vai largar sua atividade para plantar [açaí] se a fruta não der retorno econômico”, diz o fazendeiro, que tampouco acredita ser possível ter um negócio de grande escala usando métodos orgânicos e agroflorestais. “Usamos uma mistura de técnicas convencionais e ecológicas, com o objetivo de alcançar a sustentabilidade econômica, social e ambiental do projeto.”

Além do açaí, Grotto dedica áreas menores a outros frutos amazônicos como cajá, murici, bacuri e camu-camu, nos quais não usa agrotóxicos. O fazendeiro emprega dez pessoas no pomar, ao passo que sua área destinada à pecuária, cem vezes maior, conta com apenas um funcionário.
Além de gerar mais oportunidades de trabalho, ele explica que a produção de frutas também é uma forma de fazer dinheiro em propriedades menores. “Para propriedades pequenas e médias, plantar frutas é uma alternativa real para a sustentabilidade na Amazônia”, completa. “Mas você precisa avaliar bem os desafios, como a assistência técnica, o alto custo de produção e a logística da região.”
A seca e as queimadas que atingiram duramente a Amazônia em 2023 e 2024 impõem um desafio extra. A redução das chuvas afetou a produtividade do açaí e obrigou Grotto a gastar mais com irrigação, enquanto a fumaça dos incêndios afetou o sabor das frutas.
“O açaí ficou com um sabor defumado”, diz ele. “Estamos sozinhos nesse projeto de plantio de frutos, a maioria das áreas [do entorno] é de pasto. É como se fosse uma ilha de consciência que estamos tentando criar nessa região da Amazônia.”
A volta à roça: jovens resgatam comunidade e inspiram sustentabilidade no ES
Imagem do banner: Moradores da região da BR-163, como Mariana, enfrentam desafios por conta do modelo imposto pelo agronegócio, a extração madeireira e a mineração. Foto: Fernando Martinho.