A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.
O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.
Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.
Há duas espécies principais de café cultivadas: arábica (Coffea arabica) e robusta (Coffea canephora), cada uma com uma infinidade de variedades adaptadas a uma ampla gama de condições ecológicas. O arábica representa 70% da produção global, enquanto o robusta representa cerca de 30%. Tradicionalmente, o arábica tem sido cultivado como “café de sombra”, em altitudes mais elevadas, enquanto o robusta é o “café de sol”, cultivado em altitudes mais baixas. Há exceções, incluindo variedades de arábica cultivadas sem sombra em altitudes mais elevadas e com sombra em altitudes mais baixas. Ambas as espécies de café são cultivadas na Amazônia.
As variedades de café de elite tendem a ser provenientes de árvores arábica cultivadas sob sombra em altitudes ideais, que variam de acordo com a latitude, mas entre 750 e 1.500 metros acima do nível do mar. As práticas de colheita e processamento pós-colheita também são importantes para manter a qualidade dos cafés de elite.
Nos Andes, o arábica é a variedade de café predominante. A Colômbia é o terceiro maior produtor de café e é bem conhecida por seus arábicas de elite de alta qualidade. No entanto, a maior parte do café colombiano é cultivada na bacia hidrográfica do Magdalena, enquanto a produção na Venezuela se concentra nas montanhas com vista para a costa do Caribe.
O maior produtor de arábica na Amazônia é o Peru, seguido pela Bolívia e pelo Equador. O Robusta já foi amplamente cultivado no Equador amazônico, mas depois de aproximadamente 2000, os pequenos proprietários equatorianos começaram a mudar a produção para a palma de óleo ou o cacau. A Robusta é cultivada esporadicamente nas terras baixas do Peru e na Chiquitania, Bolívia.
No Peru, o café é comumente cultivado em pequenas fazendas que também produzem alimentos e criam gado; mais de 85% da produção tem origem em 150.000 fazendas familiares com cafezais menores que cinco hectares. O café é uma cultura comercial colhida uma vez por ano durante várias semanas. A mão de obra familiar é fundamental para seu sucesso, pois permite que os pequenos agricultores absorvam as flutuações da volatilidade dos preços; no entanto, isso também limita sua capacidade de expandir a produção.
As fazendas comerciais que cultivam extensões maiores obtêm melhores rendimentos, mas, como dependem de mão de obra contratada, também estão expostas a um maior risco de preço dos mercados internacionais. A receita líquida varia de acordo com a estratégia de produção, mas é possível obter receitas brutas anuais entre US$ 1.000 e US$ 1.500 com rendimentos de cerca de 700 e 900 quilos por hectare. O setor cafeeiro exportou cerca de US$ 670 milhões em 2016, aproximadamente dois por cento do total das exportações peruanas. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o café gera cerca de 855.000 empregos no Peru, a grande maioria dos quais são empregos na fazenda, realizados por membros da famílias.
A planta do café arábica cresce em uma zona climática sujeita a flutuações climáticas que podem afetar muito a produção e, em alguns casos, levar à extinção em grande escala das plantações. Quando esse tipo de evento atinge um dos principais países produtores, principalmente o Brasil, os aumentos de preços podem melhorar drasticamente a renda. Muitos cafeicultores peruanos passam anos com taxas de retorno apenas marginais, mas um aumento de preço proporcionará um ganho inesperado que justifica o que é essencialmente um investimento de longo prazo.
Os produtores podem perder seu investimento devido a eventos climáticos locais, como secas ou anos excepcionalmente úmidos, ou a um surto de doença. As plantações de café nas Américas sofrem com a ferrugem do café conhecida como la roya, um patógeno fúngico que pode devastar rapidamente uma plantação. O Peru sofreu com um surto de ferrugem do café em 2012/2013, que reduziu a colheita e forçou os produtores a replantar os cafezais infectados com variedades resistentes.
Os produtores convencionais e tradicionais no Peru representam cerca de 70% da produção total e normalmente não participam de programas de certificação, preferindo enfatizar o rendimento, maximizar a renda no curto prazo e reduzir o risco de patógenos nas plantas. Os produtores emprendedores que adotam práticas de sombreamento ou orgânicas tendem a participar de associações de produtores para melhorar o acesso ao mercado por meio de um programa de certificação. Grãos sombreados, orgânicos e certificados pagam um prêmio de cerca de dez por cento quando comparados aos grãos de café tradicionais. Esses produtores geralmente recebem assistência de ONGs ou de programas de desenvolvimento alternativo.
O setor cafeteiro brasileiro gera cerca de 25% da produção global de café. O arábica é a principal cultura de café, com a produção nos estados do Paraná, São Paulo e Minas Gerais contribuindo com cerca de 80% da produção nacional, toda ela fora da Amazônia. No Brasil amazônico, a produção está concentrada em Rondônia, onde as variedades robusta são cultivadas por cerca de 22.000 pequenos proprietários, cada um com lotes de quatro a dez hectares. Também é cultivado no Acre e nas comunidades de pequenos proprietários do norte do Mato Grosso. Chamado pelos brasileiros de conilon, esse café não-elite é uma parte importante do modelo de produção dos pequenos proprietários em Rondônia, contribuindo com cerca de US$ 150 milhões anuais em receita bruta.
A área total cultivada diminuiu nas últimas duas décadas, passando de mais de 200.000 hectares em 2005 para menos de 95.000 hectares em 2016; no entanto, a produtividade aumentou de 550 kg/ha para 1,2 toneladas/ha no mesmo período.
De acordo com agrônomos do serviço de extensão brasileiro, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), o rendimento potencial das variedades de robusta em Rondônia é de aproximadamente 4 toneladas/ha quando cultivadas com irrigação e manejo ideal de nutrientes. Dependendo do preço, que varia muito de ano para ano, um pequeno agricultor em Rondônia pode gerar receitas entre US$ 1.100 por hectare e mais de US$ 6.300 A viabilidade desse sistema de produção depende parcialmente da mão de obra familiar, embora menos do que nos Andes.
O mercado global de café passou por mudanças significativas na última década. A demanda global por cafés de consumo em massa aumentou em uma ordem de magnitude (x 10) devido a mudanças nas preferências dos consumidores em países tradicionalmente consumidores de chá, como a China. Simultaneamente, os países consumidores de café, como os EUA, aumentaram o consumo de cafés de elite. O Peru e os outros países andinos estão se concentrando no mercado de café de elite, e muitos produtores estão agregando valor à sua produção ao adotar a certificação e os paradigmas de produção orgânica.
Esses países têm grandes áreas de “terras ociosas” (sic) localizadas em paisagens com condições atuais de cultivo capazes de produzir grãos de café premium altamente competitivos nos mercados globais. No entanto, as mudanças climáticas ameaçam a viabilidade de longo prazo das paisagens de plantações existentes, e os produtores podem ser forçados a “migrar para o alto”, para habitats intactos de florestas montanhosas e nubladas. Nesse caso, isso provocaria um desmatamento generalizado, cujo principal fator seria a mudança climática em combinação com a demanda contínua por cafés de elite de variedades arábicas cultivadas em condições climáticas ideais.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).
Leia as outras partes extraídas do capítulo 3 aqui:
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