A criação de reservas naturais e o reconhecimento dos direitos das comunidades indígenas sobre seus territórios não foram capazes de deter o avanço do desmatamento, cujas consequências já estão sendo sentidas.
O desmatamento não só aumentou em toda a região, como também atingiu níveis recordes na Colômbia, no Peru e na Bolívia. E os impactos das mudanças climáticas não se manifestam apenas em temperaturas mais altas, mas também em mudanças nos padrões de chuva.
A regulamentação e os incentivos de mercado devem estar alinhados com os resultados da conservação. Somente assim o desenvolvimento sustentável se tornará menos teórico e mais prático.
A Amazônia, lar da maior floresta tropical do planeta, é um bem natural insubstituível, com enorme biodiversidade e um componente extremamente importante nos ciclos globais de carbono e água. A Pan-Amazônia, que inclui a bacia hidrográfica completa e as florestas tropicais do Escudo das Guianas, é um território geopolítico que abrange nove nações às quais foram confiadas a administração de seus recursos naturais.
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Quinze anos atrás, as perspectivas de conservação desse importante bem natural de importância global eram muito duvidosas. O desmatamento desenfreado impulsionado por múltiplos fenômenos sociais e econômicos ameaçava transformar suas paisagens, degradar seus recursos aquáticos e subjugar suas comunidades indígenas. Os governos idealizaram a construção de projetos de infraestrutura de grande porte enquanto procuravam alavancar uma demanda sem precedentes por commodities globais, com crescente acesso aos mercados financeiros internacionais. Esse crescimento na atividade econômica motivou indivíduos e empresas a investir em oportunidades de negócios na Amazônia, o que expandiu progressivamente a presença da sociedade moderna na região. Os cientistas climáticos mostraram como um planeta mais quente teria impacto no funcionamento do ecossistema, e como uma paisagem desmatada poderia interromper o fluxo de umidade sobre o continente. O panorama era sombrio, e a combinação de ameaças era chamada de “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia” (A Perfect Storm in the Amazon Wilderness), tomando emprestada uma expressão da cultura popular que descrevia as sinergias destrutivas entre as múltiplas forças de mudança.
Felizmente, os cidadãos das nações amazônicas estavam cientes do risco do desenvolvimento descontrolado e exigiram que seus governos interviessem para deter, ou no mínimo retardar, a destruição. Em todo o planeta, pessoas preocupadas se aliaram em apoio a iniciativas públicas e privadas de conservação. Graças a isso, as nações da Pan-Amazônia ostentam agora a mais extensa rede de áreas protegidas de qualquer região geográfica do planeta, e também as comunidades indígenas tiveram reconhecidos seus direitos legais ao serem formalizadas suas reivindicações às terras ancestrais. Esses dois esforços paralelos foram implementados em um período de tempo notavelmente curto, refletindo o apoio das populações integrantes da área e a capacidade da sociedade global de mobilizar recursos financeiros para a ação ambiental e justiça social. Simultaneamente, uma drástica redução nos índices de desmatamento deu esperança aos defensores da busca de mudanças sistêmicas nos paradigmas de desenvolvimento, particularmente no Brasil, onde o setor do agronegócio reformou seus sistemas produtivos após reconhecer que seus interesses comerciais seriam mais bem atendidos por meio da melhoria de seu desempenho ambiental.
O sucesso das iniciativas de conservação e o declínio do desmatamento são essenciais para a sobrevivência no longo prazo da Amazônia, mas não mudaram a trajetória de longo prazo da Pan-Amazônia. Sessenta por cento da região permanecem abertos a atividades não sustentáveis, incluindo extração de madeira, mineração artesanal de ouro e assentamento por pequenos agricultores. As taxas de desmatamento subiram em toda a região e registraram máximas históricas na Colômbia, no Peru e na Bolívia. E o que é pior: os impactos previstos da mudança climática se manifestaram, em parte devido ao aumento das temperaturas e, mais perigosamente, pela modificação dos regimes de precipitação que ameaçam a região – ou pelo menos sua metade sul – em uma alteração catastrófica na função do ecossistema, o que poderia levar a uma morte generalizada da floresta.
Eventos recentes, em especial o aumento dos incêndios florestais e uma eleição no Brasil, recolocaram a conservação da Amazônia na vanguarda da mídia global, a qual, hoje dominada por redes sociais, alcançou êxito em dramatizar a questão em nível local, nacional e internacional. As sociedades exigem soluções que não serão fáceis nem simples, pois as causas da degradação ambiental na Amazônia são complexas e abrangem infraestrutura, agricultura, minerais, finanças e governança. Uma reforma significativa é impedida pela predominância de modelos comerciais convencionais, reforçada por atitudes culturais profundamente arraigadas, corrupção e desigualdade. A resposta à pandemia da covid-19 expôs a incapacidade dos governos de salvaguardar suas populações, principalmente as comunidades indígenas, cujo medo de doenças está enraizado em séculos de experiência, bem como os desfavorecidos rurais e urbanos, que estão expostos a doenças endêmicas infecciosas e parasitas.
Mudar o caminho de desenvolvimento da Pan-Amazônia é como fazer girar um transatlântico; a pressão constante deve ser aplicada ao leme do Estado durante um longo período a fim de impulsionar mudanças progressivas em múltiplos setores da economia regional. A regulamentação e os incentivos de mercado que influenciam o comportamento humano e as decisões corporativas devem ser alinhados com os resultados da conservação, para que o desenvolvimento sustentável seja menos ambicioso e mais operacional. Isso exigirá reformas profundas nos mercados financeiros e comerciais, bem como mudanças reais nos sistemas regulatórios e uma melhor aplicação da lei. Com poucas exceções, os modelos sustentáveis de manejo florestal e pesqueiro não produziram os retornos econômicos necessários para torná-los competitivos com os modelos extrativistas convencionais. E para piorar as coisas, a monetização dos serviços ecossistêmicos gerou uma mera fração dos recursos necessários para mudar o comportamento humano na fronteira florestal, que dirá para subsidiar os esforços de reflorestamento que os cientistas climáticos consideram essenciais para estabilizar o regime hidrológico do sul do Amazonas.
Esta segunda edição do livro Uma tempestade perfeita na Amazônia fornece uma visão geral dos tópicos mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço dentro da economia regional. Os eventos dos últimos dez anos são discutidos em detalhes, porque os acontecimentos futuros terão que refletir – ou modificar – as forças culturais e econômicas que impulsionam os eventos na Pan-Amazônia. O texto fornece uma perspectiva histórica mais ampla para mostrar como as políticas criam legados que reverberam durante décadas, muito depois de terem sido reconhecidas como fundamentalmente imperfeitas.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).