O Fundo de Pensões Global do Governo da Noruega, o maior do mundo, pôs as gigantes da mineração e da eletricidade em sua lista de exclusão. O acidente de Brumadinho (MG) e problemas decorrentes da construção da usina de Belo Monte foram catalisadores da decisão.
A Vale foi excluída por “graves danos ambientais” e a Eletrobras por contribuir com “violações graves ou sistemáticas dos direitos humanos”.
A decisão é um grande golpe para as duas empresas e um sinal de que os investidores europeus estão adotando uma linha dura contra o retrocesso do Brasil nos esforços de proteção ambiental.
O Fundo de Pensões Global do Governo da Noruega (GPFG, na sigla em inglês) excluiu de seu portfólio duas das maiores empresas brasileiras do setor de energia, como informou em meados de maio o conselho executivo do fundo. A decisão de retirar seus investimentos da gigante da mineração Vale e da Eletrobras, maior empresa de prestação serviços de públicos da América Latina – especificamente, de eletricidade –, segue uma recomendação do conselho de ética do GPFG, que constatou que ambas violaram as regras ambientais e de direitos humanos do fundo.
O GPFG é o maior fundo soberano do mundo, com mais de 1 trilhão de dólares em ativos. O fundo também anunciou o cancelamento de investimentos em outras cinco empresas que causaram “graves danos ambientais” ou que não conseguiram reduzir satisfatoriamente suas emissões de gases do efeito estufa.
A Rainforest Foundation Norway elogiou a iniciativa, dizendo que ela poderia “desencadear uma onda internacional de desinvestimento”. O GPFG teve participação de aproximadamente 1% nas duas empresas brasileiras até o final de 2018, antes de vendê-la nos últimos meses.
“Há uma grande quantidade de capital internacional saindo do Brasil atualmente, devido à deterioração das políticas públicas voltadas à proteção ambiental e aos direitos humanos”, disse Vemund Olsen, assessor sênior da Rainforest Foundation Norway, em entrevista à Mongabay.
Com as ampliações recentes, a lista de exclusões do GPFG tem agora 142 empresas. As diretrizes do fundo descrevem uma série de razões pelas quais uma empresa pode entrar nessa lista, como cumplicidade com graves violações aos direitos humanos, excessiva dependência da energia obtida pela queima de carvão, danos ambientais e corrupção.
A Vale é uma das maiores empresas privadas do Brasil e, até pouco tempo atrás, era a maior produtora de minério de ferro do mundo. A gigante multinacional foi excluída do portfólio do GPFG depois que o rompimento da barragem de Brumadinho (MG) matou pelo menos 259 pessoas no ano passado. Foi o segundo desastre envolvendo a empresa em cinco anos, após uma falha semelhante na engenharia de barragens deixar 19 mortos e inundar o Rio Doce com 50 milhões de toneladas de lama tóxica em Mariana (MG).
Em janeiro, promotores brasileiros acusaram 16 pessoas de homicídio em função do desastre, incluindo o ex-presidente da Vale e vários funcionários.
A Eletrobras, de propriedade do Governo Federal, foi incluída na lista devido ao “risco inaceitável de que ela contribua para violações graves ou sistemáticas dos direitos humanos”. A empresa é dona de quase metade da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e controla o consórcio de investidores que financiaram o projeto.
A usina de Belo Monte foi problemática desde o início, assolada por problemas de engenharia e alvo de uma campanha global pela interrupção da construção, devido ao seu impacto sobre o ecossistema do Rio Xingu e comunidades indígenas que vivem nas proximidades. Em 2015, o Ministério Público processou a Eletrobras e os demais membros do consórcio em função da usina, acusando o projeto de “etnocídio” e destruição dos meios de subsistência dos indígenas na região.
Após o anúncio do fundo norueguês, em carta ao GPFG, a Eletrobras negou envolvimento em violações dos direitos humanos em Belo Monte e pediu ao fundo que reconsiderasse sua decisão de cancelar os investimentos, pois ela seria baseada em “informações imprecisas e desatualizadas”.
A decisão do GPFG de retirar investimentos das duas empresas ocorre em um momento de conflito do presidente Jair Bolsonaro com os líderes europeus pelas iniciativas de seu governo para reverter medidas de proteção ambiental no país. Bolsonaro tem um histórico de discurso anti-indígena inflamatório.
Olsen diz esperar que outros investidores sigam o exemplo, e que a decisão do GPFG seja entendida como um aviso ao governo Bolsonaro de que o desmantelamento das proteções ao meio ambiente e aos grupos indígenas pode sair caro.
“As empresas que dependem do acesso aos mercados europeus estão sofrendo muita pressão por causa de todo o destaque dado à falta de políticas públicas e fiscalização ambiental. Nós achamos que é a única forma de o governo mudar, porque eles não ouvem mais as organizações ambientais, apenas as empresas”, diz ele.
Imagem do banner: o grupo indígena Pataxó Hã-hã-hãe vive em São Joaquim de Bicas (MG), município vizinho a Brumadinho, a jusante do rompimento da barragem da Vale. Eles dizem que os rejeitos de mineração tóxicos “mataram” o Rio Paraopeba, que fornecia alimento para a comunidade. Foto: Lucas Hallel/FUNAI.