Um grupo de indígenas Pataxó e Pataxó Ha-ha-hãe está lutando para se mudar para um novo local, pois as margens do rio Paraopeba, onde vivem, continuam contaminadas com metais pesados um ano após o rompimento de uma barragem pertencente à mineradora Vale.
Até hoje, as águas do Paraopeba estão escuras por causa dos rejeitos de mineração e os peixes que restaram não podem ser consumidos. Os moradores também reclamam de doenças de pele e outros problemas de saúde como resultado da contaminação.
Em agosto de 2019, a comunidade Nahô Xohã fez um pedido formal ao Ministério Público Federal em Minas Gerais para ter um novo lar temporário.
O plano é encontrar uma fazenda nas proximidades de tamanho semelhante ao de seu território atual, onde eles possam cultivar o próprio alimento e viver com acesso a água potável até que o processo de reparação final seja concluído pela Vale.
Um ano depois do rompimento de uma barragem de rejeitos em Brumadinho que provocou o derramamento de 12 milhões de metros cúbicos de lama tóxica e matou pelo menos 259 pessoas, um grupo de indígenas Pataxó e Pataxó Ha-ha-hãe ainda luta por relocação, pois as águas poluídas do rio Paraopeba não são mais seu meio de subsistência.
“O rio está morto, mas estamos lutando para continuar vivos”, afirma a pajé Angohó Ha-ha-hãe, uma das líderes da comunidade Nahô Xohã, lar de cerca de 200 indígenas a 23 km de onde ocorreu o rompimento.
A comunidade, às margens do Paraopeba, foi apenas uma das muitas afetadas por um dos maiores desastres ambientais do Brasil, quando, em 25 de janeiro do ano passado, uma onda de rejeitos de uma mina pertencente à gigante mineradora Vale destruiu uma área de 300 hectares e causou graves impactos ao meio ambiente da região. As autoridades confirmaram que 259 pessoas faleceram na tragédia; outras 11 continuam desaparecidas, presumidamente mortas.
As águas do Paraopeba permanecem escuras devido aos rejeitos de mineração; não há peixes e os adultos têm de vigiar as crianças para evitar que elas tentem se banhar no rio. “Às vezes, a gente pisca e uma criança sai correndo para nadar no rio. Muitos de nós, claro, estão ficando doentes, com problemas de pele dos quais não sabemos nada, e também não há médicos para nos tratar”, conta Angohó.
O Paraopeba está no centro da vida da aldeia Nahô Xohã, desde que um pequeno grupo de indígenas Pataxó Ha-ha-hãe se assentou no território há três anos. Depois de travar disputas fundiárias na Bahia durante mais de três décadas, algumas famílias se mudaram para o estado vizinho, Minas Gerais, com o objetivo de viver em comunhão com a natureza, seguindo seus costumes.
Essa movimentação faz parte das tradições dos Pataxós e, desde então, o grupo espera que o território que ocupa, às margens do rio, na cidade de São Joaquim de Bicas, seja reconhecido e demarcado como território indígena pelo governo, já que, embora abandonada, a área é de propriedade privada.
Suas reivindicações, no entanto, mudaram, já que o Paraopeba se tornou inútil não apenas para consumo humano, mas também para irrigação de lavouras e para a pesca.
Mas a conexão dos indígenas com o rio vai além disso. De acordo com Jorge Luiz de Paula, coordenador local da Fundação Nacional do Índio (Funai), os indígenas também dependem bastante do rio para manter suas crenças vivas. “A etnia Pataxó tem sua cosmologia muito vinculada à água em seus rituais”, diz de Paula.
Uma de suas crenças é a de que o deus Txôpai, ou o próprio rio, criou a humanidade e, portanto, é responsável por curar aqueles que rezam por ele.
Em agosto do ano passado, a comunidade perdeu as esperanças de uma resolução rápida da Vale para sua situação e fez uma solicitação formal ao Ministério Público Federal para obter um novo lar temporário. O plano é encontrar uma fazenda nas proximidades de tamanho semelhante ao de seu território atual, onde eles possam cultivar o próprio alimento e viver com acesso a água potável até que o processo de reparação final pela companhia seja concluído.
“Não podemos mais aguentar esse sofrimento por causa da contaminação [do rio]”, Arakuã Pataxó, chefe da comunidade, disse à Mongabay. “Nossa gente está doente, com diarreia, o nariz das crianças está sempre sangrando, muitos de nós estão com depressão. Nosso povo está desesperado”.
Condições da água sob suspeita
O rio Paraopeba, que significa “grande rio” em tupi, percorre 510 km e atravessa 35 cidades em Minas Gerais.
Um estudo da Agência Nacional de Águas (Ana) publicado após o desastre constatou valores até 21 vezes mais altos de metais pesados em suas águas, como manganês, ferro, alumínio, níquel, chumbo, mercúrio, zinco, cobalto e até arsênio, entre outros.
Em fevereiro de 2019, um mês depois da tragédia, a Secretaria de Saúde e Meio Ambiente de Minas Gerais divulgou um documento recomendando a suspensão do uso da água do rio para qualquer finalidade. O mais recente relatório, emitido em dezembro, mostra que a presença de elementos tóxicos registrados caiu a níveis aceitáveis, ou abaixo do limite de classe.
Apesar disso, alguns especialistas advertem que o monitoramento pode não ser exato, pois há resíduos depositados no leito do rio e, cada vez que há uma forte chuva, os minérios voltam à superfície e contaminam a água novamente.
“A gente tomava banho, pegava nossa água, lavava nossa roupa e pescava ali. Os índios vivem de pesca, caça e lavoura. O que vamos fazer agora?”, desabafa Arakuã.
Comunidade dividida
A Nahô Xohã, que significa “espírito guerreiro” na língua-mãe da comunidade, agora está dividida, dizem seus moradores. Alguns afirmam que a Vale está trabalhando para voltar uns contra os outros, desestabilizando a harmonia do grupo desde o desastre.
A falta de decisão sobre o futuro da comunidade um ano após a tragédia é estressante, dizem os moradores. Nos últimos quatro meses, 10 famílias decidiram deixar o vilarejo e dois líderes diferentes foram escolhidos, o que não é comum para a etnia, segundo eles.
“Quanto menos de nós aqui, melhor para a Vale”, diz Angohó.
A empresa não comentou sobre as alegações, mas afirmou em uma nota que “respeita as comunidades nativas, sua organização social e política, e tenta manter um diálogo aberto e transparente com a comunidade indígena”.
Dado o histórico da Vale, os indígenas têm razão para se preocupar com a demora do plano de reparação. A companhia também foi responsável pelo maior desastre ambiental do Brasil, um rompimento de barragem quase idêntico na cidade de Mariana em 2015. O caso ainda está em julgamento, ninguém foi punido e diversas famílias continuam desalojadas.
Desde abril de 2019, a Vale vem pagando uma assistência emergencial mensalmente aos residentes da Naô Xohã. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), um auxílio de emergência foi pago a 61 famílias das comunidades Pataxó e Pataxó Ha-ha-hãe.
Edmundo Antônio Dias, procurador de Justiça do MPF em Minas e membro de uma força-tarefa de procuradores responsáveis por investigar o desastre, conta que seu gabinete realizou uma reunião com a Vale no mês passado para oficializar o pedido de relocação.
Mas as conversas com a empresa nem sempre foram fáceis, segundo ele. “No caso da Vale, a presença de um juiz é essencial para reequilibrar as forças de poder”, afirma Dias. “Há uma distância enorme entre a narrativa de responsabilidade social que a companhia usa e a realidade”.
Como próximo passo no processo, uma consultoria técnica independente foi contratada em dezembro para fazer uma avaliação do dano socioeconômico na aldeia e ajudar a comunidade a escolher um novo local para o assentamento. Os resultados ainda não foram divulgados.
“Tudo isso é muito triste para nós”, diz Angohó. “Às vezes, perco as forças. A Vale mutilou corpos e matou sonhos”.
Imagem do banner: A pajé Angohó Ha-ha-hãe, uma das líderes da aldeia indígena Naô Xohã, posa para uma foto próximo ao rio Paraopeba. A comunidade Naô Xohã está solicitando à Vale sua realocação temporária devido à poluição do rio. Imagem: cortesia de Luiz Guilherme Fernandes para Mongabay.