Estudo da Embrapa diz que até 2025 os Puyanawa deixarão de emitir cerca de 6,4 mil toneladas de gás carbônico por ano – equivalente a R$ 200 mil por ano.
Práticas como privilegiar atividades agrícolas em áreas degradadas, restaurar a floresta e fortalecer quintais agroflorestais têm evitado o desmatamento, que caiu pela metade nos últimos anos.
Último levantamento do Mapbiomas mostra que os territórios indígenas são os que mais preservam as florestas e a vegetação nativa do Brasil.
“Acredito que quem comprava suco de graviola não vai mais comprar. Os que compravam suco de acerola não vão mais comprar, porque agora têm no seu próprio quintal”, conta José Marcondes Puyanawa, da Terra Indígena Poyanawa, situada na margem direita do Rio Moa — curso de água no Acre que leva os peixes até afluentes e igarapés território adentro, contribuindo com a segurança alimentar das aldeias Barão do Rio Branco e Ipiranga.
A recomposição de áreas degradadas — como a mata ciliar para proteger as águas —, a promoção de roçados e atividades agrícolas preferencialmente em áreas já alteradas e o fortalecimento de quintais agroflorestais são práticas crescentes entre os Puyanawa. A participação organizada de lideranças comunitárias, instituições governamentais e ONGs tem contribuído para potencializar o uso da terra e aproveitar de forma sustentável os recursos da floresta.
Estudo recente da Embrapa constatou que essas boas práticas têm evitado o desmatamento e concluiu que a TI Poyanawa tem potencial para gerar créditos de carbono. Segundo cálculo do estudo, até 2025 deixarão de ser emitidas no território uma média de 6,4 mil toneladas de gás carbônico por ano. Considerando o mercado mundial de créditos de carbono, os pesquisadores estimam que cada tonelada de CO2 evitada pode valer cerca de 6 dólares. Na conjuntura atual, esses serviços ambientais equivaleriam a aproximadamente R$ 200 mil por ano.
“Hoje tem uma demanda mundial por crédito de carbono e não tem a oferta. E o carbono indígena é diferente porque é um carbono social”, diz o pesquisador Eufran Amaral, coordenador do estudo e chefe-geral da Embrapa Acre, apostando que esse carbono social poderia alcançar valores ainda mais altos. “É um carbono que além de proteger a floresta, protege principalmente o homem, a mulher e as crianças indígenas”.
Terra Indígena é freio para o desmatamento
Antes de ser homologada em 2001, a área de quase 25 mil hectares da TI Poyanawa havia sido ocupada por fazendas e seringais. “Mais ou menos 6% da área é desmatada. Quando a terra foi regularizada, eles (os Puyanawa) já pegaram a área com esse percentual de desmatamento”, explica Amaral.
“Esse mapa é muito simbólico pra gente”, afirma Amaral. “Você percebe que a TI funciona como um freio. 90% do desmatamento que tem na TI já existia. E todo o entorno está sendo desmatado em uma velocidade 5 vezes maior do que dentro da TI. Isso mostra a efetividade de uma terra protegida”.
Levantamento do Mapbiomas, publicado no final de agosto com base em imagens de satélite, mostra que entre 1985 e 2020 os territórios indígenas, já demarcados ou aguardando demarcação, foram os que mais preservaram suas características originais, representando apenas 1,6% da perda de florestas e vegetação nativa do Brasil nesse período.
No caso da TI Poyanawa, os quase 6%, ou 1.422 hectares, de área desmatada têm sido reaproveitados para fins sustentáveis e ocupados com pequenas pastagens, roçados, capoeiras e quintais agroflorestais, além de moradia e escolas. O estudo da Embrapa mostra que de 1988 a 2017 a taxa média de desmatamento na área era de 21,3 hectares por ano e que nos últimos cinco anos a taxa média de desmatamento na TI diminuiu para 12,8 hectares anuais.
A TI de 25 mil hectares abriga e alimenta uma população indígena de cerca de 800 pessoas, que têm sua principal fonte de renda na mandioca e seus derivados e conta com roçados de outros cultivos como milho, arroz e feijão, o manejo de frutas nativas, plantios agroflorestais e pequenas criações de gado, além de caça e pesca para a segurança alimentar.
“A estratégia de conservação em terra indígena é a melhor que tem porque o indígena tem a floresta como sua casa. Então, ele não quer perder a sua casa”, diz Amaral.
Segundo a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre) há um esforço dos Puyanawa em aproveitar as áreas já desmatadas para plantios diversificados. José Frank de Melo Silva, técnico do setor de geoprocessamento da CPI-Acre explica que “o importante é que os Puyanawa estão reaproveitando essas antigas áreas de pasto para restaurar, implantando roçados de mandioca e agora estão trabalhando fortemente para implementar SAFs [sistemas agroflorestais]”.
A série histórica do Prodes/Inpe detecta queda no desmatamento nos últimos 10 anos dentro da TI Poyawana. Há um pequeno incremento em 2020, interpretado como um indício de que as áreas estão sendo convertidas para uso e manejo tradicionais do povo Puyanawa. Imagem: Prodes/Inpe.
Como viabilizar o crédito de carbono
O Projeto de Lei 528/21, que tramita na Câmara dos Deputados, institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e deverá regular a compra e venda de créditos de carbono no país. Sem uma regulamentação nacional, o Acre criou em 2010 o Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais (SISA) por meio da Lei Estadual 2.308/2010.
Quando o assunto une créditos de carbono e terras indígenas, há um único projeto mais conhecido no Brasil, que prosperou de 2013 a 2017 entre os estados de Rondônia e Mato Grosso. O Projeto Suruí, na TI Sete de Setembro, foi finalizado em 2017 por conta do aumento de desmatamento na reserva, causado pela invasão de garimpeiros ilegais.
No ano passado, a Embrapa já havia realizado um estudo em outra TI, a Kaxinawá Nova Olinda, também no Acre, mostrando a possibilidade de comunidades indígenas elaborarem projetos para Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD).
As conclusões trazidas pela Embrapa no caso dos Puyanawa comprovam a existência de potencial. Partindo daí, diversas etapas precisariam ser cumpridas até efetivamente chegar à venda de créditos de carbono, começando com a concordância dos indígenas em relação à valia do projeto. Então, seria necessária uma empresa para elaborar o projeto e teria que ser feito o registro e certificação em plataforma internacional.
“Quando a gente fala de recursos adicionais do projeto de carbono, na verdade esses recursos vão permear ações em cultura, ações em produção e ações na organização deles”, diz Amaral. “Ao definir que querem o projeto, a gente pode trabalhar junto para captar os recursos. Isso é uma outra coisa, em que a Embrapa pode ajudar”.
Enquanto o estudo recém-publicado reverbera pela TI e agrada os ouvidos de Marcondes Puyanawa, o agente agroflorestal continua seus plantios, cuidando dos novos frutos que vicejam nos quintais, como é o caso da graviola. “Por ser um produto muito bom, tem muito bichinho que fura, tem muitas pragas, tem muitos predadores, então precisa ter um manejo”.
Também os peixes do Rio Moa e seus afluentes estão ganhando com a frutificação. “[Vamos] fazer o reflorestamento no entorno dos açudes, recompondo a mata ciliar para a proteção das águas. Vamos utilizar espécies de frutas das quais os peixes possam se alimentar, como açaí, buriti, seringueira e outras”, propõe o Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena Poyanawa.
Esta reportagem foi produzida em colaboração com a Landscape News para aumentar a conscientização sobre tópicos relevantes para a próxima Conferência Digital Global Landscapes Forum Amazônia: Ponto de Inflexão (21 a 23 de setembro de 2021). Inscreva-se aqui.
Imagem do banner: Festival Atsá na TI Poyanawa. Foto: Alessandra Melo.