Em 2024, a Amazônia viveu uma das piores temporadas de incêndios das últimas décadas, liberando 791 milhões de toneladas de CO2 — sete vezes mais que a média recente — e superando, pela primeira vez, as emissões provenientes do desmatamento.
O avanço do fogo, impulsionado pelas secas extremas e pelas mudanças climáticas, expôs a vulnerabilidade crescente da floresta amazônica, que corre o risco de atingir um ponto de virada, passando a emitir mais carbono do que absorve.
Em 2024, a Amazônia registrou uma das temporadas mais devastadoras de incêndios florestais em mais de duas décadas, reacendendo alertas ambientais em toda a América do Sul. No caso do Brasil, a preocupação ressurge após uma redução generalizada dos números de desmatamento no bioma tropical durante o ano de 2023.
Já este ano, enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e especialistas tentam desvendar uma relação anômala entre a derrubada da floresta e o aumento dos incêndios criminosos, um estudo do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia trouxe detalhes sobre os danos climáticos causados pela mais recente epidemia de fogo na região.
Segundo a pesquisa publicada em maio, a degradação florestal gerada pelos incêndios foi responsável pela liberação de 791 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono (CO2) em 2024 — um número sete vezes maior se comparado à média vista nos dois anos anteriores.
Mais ainda, pela primeira vez na história, as emissões de carbono diretamente relacionadas aos incêndios superaram as vindas do desmatamento. O Brasil, maior país amazônico, foi responsável por 61% das emissões, seguido pela Bolívia (32%), nação que convive há anos com numerosos focos de fogo em várias partes de seu território.
“A escalada da ocorrência de incêndios, impulsionada pelas mudanças climáticas e pelo uso insustentável da terra, ameaça levar a Amazônia a um ponto de virada catastrófico”, diz o estudo. “Esforços urgentes e coordenados são cruciais para mitigar esses fatores e evitar danos irreversíveis ao ecossistema.”
Somadas, as emissões decorrentes do desmatamento e do fogo poderiam ultrapassar 1,4 milhão de toneladas métricas de CO2, estimam os pesquisadores. O número superaria as emissões do Japão em 2022 — à época, o país asiático ficou em quinto lugar no ranking, atrás da China, dos Estados Unidos, da Índia e da Rússia.
Secas redefinem quadro ambiental na Amazônia
A crise está atrelada às secas severas na Amazônia, sobretudo entre os anos de 2023 e 2024. O período foi marcado por grande influência do fenômeno climático El Niño, que alterou padrões de precipitação em toda a região. Como consequência, houve menos chuva e os níveis de água nos principais rios da Amazônia — como o Negro, o Solimões e o Madeira — atingiram o nível mais baixo em 120 anos.
No início do ano, reportagem da Mongabay também explicou como esse quadro climático ameaça a biodiversidade de peixes amazônicos, bem como a segurança alimentar de populações que dependem da pesca.
Especialistas também alertam para o estado de vulnerabilidade do bioma. Um relatório global da State of Wildfires (2023-2024) apontou que as mudanças climáticas causadas pelo ser humano tornaram a Amazônia quase 30 vezes mais propensa a incêndios. Em entrevista à Mongabay em julho, Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), disse que as atuais condições ambientais transformaram a floresta em uma “presa fácil” para incendiários oportunistas.
De acordo com o estudo, 3,3 milhões de hectares da Amazônia foram afetados no ano passado. A estimativa é inferior à divulgada pelo MapBiomas, que calculou 6,7 milhões de hectares danificados pelo fogo em 2024 apenas no Brasil.
As grandes áreas queimadas — processo que costuma ser utilizado para facilitar a derrubada da floresta — também impulsionam o desmatamento em 2025, indo no sentido oposto à queda histórica de 31% registrada entre 2023 e 2024. Os dados mensais de desmatamento no Brasil mostraram, em maio, um aumento de 92% em comparação com o mesmo mês em 2024.
Uma revisão semestral sugeriu que os alertas de desmatamento aumentaram 27% de janeiro a junho em relação ao ano anterior.
“Agora, com o agravamento das mudanças climáticas, com a maior fragilidade da cobertura florestal, primária inclusive, estamos começando a assistir a uma mudança de cenário que comprova os alertas que vinham sendo feitos pela ciência”, disse João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, em junho.
“A floresta tropical, que é naturalmente imune a grandes incêndios pela sua umidade, está sofrendo um impacto muito grande das mudanças climáticas, reduzindo a sua resistência a incêndios e tornando-se mais vulnerável. Os dados, infelizmente, começam a aparecer nas estatísticas.”
Imagem do banner: Um tronco de árvore em chamas em uma região da Amazônia no estado de Rondônia. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama.