Entre 2019 e 2020, 49 toneladas de ouro foram extraídas de áreas com evidências de irregularidades, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação, segundo estudo da UFMG; 90% vieram da Amazônia.
Quase toda a produção de ouro do país é exportada, sendo que Canadá, Suíça e Reino Unido adquiriram, juntos, 72% do total no mesmo período.
Ação do MPF pediu a suspensão de três instituições financeiras que compram 4,3 toneladas de ouro ilegal na Amazônia.
No final de agosto, o Ministério Público Federal pediu a suspensão de três instituições financeiras que compraram ouro ilegal no Pará. De acordo com a ação, as distribuidoras de valores mobiliários (DTVMs) FD’Gold, Carol e OM foram acusadas de levar ao mercado nacional e internacional mais de 4,3 toneladas de ouro ilegal nos anos de 2019 e 2020, extraído em garimpos ilegais na região sudoeste do Pará.
Além de terem as atividades suspensas na região, as empresas podem ser condenadas a pagar um total de 10,6 bilhões por danos sociais e ambientais.A ação do MPF teve como base o estudo “Legalidade da produção de ouro no Brasil”, feito em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Os dados coletados pelos pesquisadores estimaram que, das 174 toneladas de ouro comercializadas pelo Brasil em 2019 e 2020, 49 toneladas foram extraídas de áreas com evidências de irregularidades, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Segundo o estudo, estima-se que 90% do ouro ilegal extraído nesse período teve origem na Amazônia, gerando prejuízos socioambientais de R$ 31,4 bilhões.
Os dados para o estudo foram obtidos a partir do cruzamento de declarações de transações de compra/venda de ouro, registros de Permissões de Lavras Garimpeiras (PLGs) da Agência Nacional de Mineração e imagens de monitoramento por satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Para um dos autores do estudo, Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da UFMG, a questão primordial que a pesquisa indica é que há uma responsabilidade compartilhada com relação às ilegalidades na comercialização do ouro. “Grande parte do que o Brasil produz é para ser exportado. Os países envolvidos precisam estabelecer critérios mais rigorosos para a importação”, diz.
De acordo com dados do Ministério da Economia e de produção da ANM, quase toda a produção de ouro do país é exportada, sendo que Canadá, Suíça e Reino Unido adquiriram, juntos, 72% do total entre 2019 e 2020.
Pandemia elevou o preço do ouro
Segundo o diretor de conservação e restauração do WWF-Brasil, Edegar de Oliveira, o crescimento das exportações e da atividade de garimpo tem a ver com o aumento no preço do ouro durante a pandemia.
Na Bolsa de Valores brasileira, a B3, o metal teve valorização de 55,9% no ano passado. Pela primeira vez, a cotação do ouro superou os 2 mil dólares por onça-troy. O aporte nas barras douradas é visto como um investimento seguro por bancos centrais e fundos de investimento, que pouco se interessam pelos impactos socioambientais que a extração desse ouro possa causar e se isentam de conferir os estragos causados pela cadeia da exploração desse recurso. No Brasil, o produto é facilmente “esquentado” e inserido dentro de uma cadeia comercial como se fosse legal.
Depois que o ouro é extraído, ele é vendido para as DTVMs, entidades certificadas pelo Banco Central, que têm pontos de vendas locais, próximos às regiões de extração. Nessa transação, o ouro é “esquentado” porque os requerimentos de comprovação de origem são mínimos e o material consegue entrar na cadeia produtiva como se tivesse sido extraído de um garimpo legal.
De acordo com Oliveira, o impacto social e ambiental da atividade é muito extenso. Em média, a extração de 100 gramas de ouro gera o desmatamento de 14 hectares. Na Amazônia, a mineração como um todo foi responsável pelo desmatamento de aproximadamente 1,2 milhões de hectares entre 2005 e 2015.
“Esse desmatamento reduz a possibilidade do desenvolvimento de atividades de manejo responsável dos recursos, além de contribuir com o agravamento da crise climática”, diz.
O impacto também é severo nas populações humanas e de animais silvestres, que mantêm o equilíbrio da floresta. A contaminação de peixes por mercúrio, por exemplo, ameaça a soberania e a segurança alimentares de diversas comunidades tradicionais.
A presença da mineração em terras indígenas também é um fator de desequilíbrio social. “A cooptação de indígenas afeta a estabilidade social local e gera conflitos. A crescente influência e participação de redes do crime organizado, como o PCC, produz violência em locais antes pouco povoados e sem qualquer apoio do estado para lidar com o problema”, afirma Oliveira, da WWF-Brasil. “A paz na Amazônia tem sido ameaçada, muito semelhante ao processo promovido pelas Farc, na Colômbia, algo que pode gerar sérios desdobramentos para o Brasil.”
De acordo com Rajão, da UFMG, a lógica da exploração de ouro é parecida com o pensamento aplicado à agricultura. “Não há no DNA da carne e da soja o campo onde o produto foi produzido. É possível e há espaço para fraude. Se não tem rastreabilidade, uma ligação de papel, que mostra as diferentes etapas da cadeia, a possibilidade de que seja de origem ilegal aumenta muito. Para o ouro é a mesma coisa”, afirma.
Com a ação do MPF, a expectativa é que se caminhe em direção a uma obrigatoriedade por parte das empresas de verificar as informações sobre a origem do ouro antes de realizar a compra. “Precisamos aprender com os erros e organizar as informações para que elas possam ser acessadas por toda a sociedade e garantir transparência”, disse Rajão.
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