A Mineração Taboca, controlada pelo grupo peruano Minsur, é a maior produtora de estanho do Brasil.
Suas operações estão encravadas ao lado da Terra Indígena Waimiri-Atroari, entre o Amazonas e Roraima, área de alta biodiversidade e onde vivem indígenas isolados, considerados mais vulneráveis.
Expedições da Funai e dos indígenas confirmaram o vazamento de rejeitos de seis barragens da Taboca; a água do principal rio usado pelos indígenas está comprometida.
A principal barragem da Taboca em operação tem 53,3 milhões de metros cúbicos de rejeitos, e é 4 vezes maior que a barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho.
Um vazamento de rejeitos de estruturas da mineradora Taboca, que opera em Presidente Figueiredo (AM), a 300 km de Manaus, atingiu rios dentro da Terra Indígena Waimiri-Atroari que são essenciais para a vida da população.
A contaminação foi identificada pelos indígenas e confirmada em duas expedições com a participação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do coordenador ambiental da própria mineradora. Seguindo os traços dos rejeitos, a equipe chegou até as instalações da Taboca e comprovou que barragens dentro da mineradora estão com vazamentos, com verificação no local e fotos captadas por drones.
O relatório da Frente de Proteção Etnoambiental Waimiri-Atroari da Funai mostra que a contaminação já alterou a qualidade da água dos rios Tiaraju e Alalaú, de onde os indígenas pescam e retiram a água para consumo, higiene e preparo dos alimentos. Vinte e duas aldeias foram afetadas.
A Taboca é a maior produtora de estanho do Brasil e tem um imenso projeto minerador ao lado da TI. A área ocupada pela mineradora, no entanto, é de ocupação tradicional dos Waimiri-Atroari e acabou sendo excluída do processo de demarcação, nos anos 80, já por pressão da mineradora e outras empresas.
Diante da situação, o Ministério Público Federal do Amazonas pediu a imediata suspensão do lançamento de qualquer resíduo em barragens da Taboca no Amazonas e a adoção de medidas urgentes de reparação. Os vazamentos foram identificados em seis estruturas no total. Foi identificada a morte de peixes e tartarugas sem causa aparente na região. A água está com aspecto turvo e denso e cheiro desagradável.
Procurada pela reportagem, a Taboca negou, em nota, que as barragens estejam com vazamentos e que os rios foram contaminados por responsabilidade da mineradora. Segundo a Taboca, a alteração da qualidade da água se dá exclusivamente pelo excesso de chuvas registrado na região.
Não é o que diz o relatório. Harilson Araújo, advogado há 14 anos da Associação Comunidade Waimiri-Atroari, também questiona a afirmação.
“Se a chuva contribuiu, houve negligência em não tomar medidas prevendo essa quantidade de água. O problema dos vazamentos existe e foi comprovado. Nada foi feito até que foram notificados. Não dá para culpar a chuva. No mínimo pecaram por omissão”, cobra Araújo.
Segundo o advogado, os indígenas pararam de consumir os peixes, de caçar e usar a água com medo de contaminação. Crianças chegaram a passar mal e foram levadas para atendimento médico. O receio da população indígena é sobre a extensão do problema e quanto tempo pode levar para que tudo se resolva.
“Pela experiência que a gente tem, a solução não será tão rápida quanto muita gente pensa. As consequências para o futuro podem durar. São 22 aldeias que dependem diretamente da água para a sua subsistência, o seu modo de vida, cultura. O rio é a vida deles. É uma agressão muito forte. Os indígenas estão extremamente preocupados”, relata Araújo.
Principal barragem da Taboca é 4 vezes maior que a de Brumadinho
A ANM lista 15 barragens e estruturas da Taboca em Presidente Figueiredo, oito em operação e sete desativadas, que sequer estão inseridas nos dados oficiais.
A principal em operação é a barragem 158 (A-1), com 53,3 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que não conta com manta impermeabilizante. Essa barragem é quatro vezes maior que a barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho.
O MPF pede que a Taboca adote medidas de contenção imediatas das barragens e garanta o abastecimento de água potável e complemento de alimentação aos indígenas das aldeias afetadas pelo problema.
A ANM diz que a última vistoria na barragem 158 foi realizada em 27 de abril. Essa barragem possui Plano de Ação Emergencial (PAE), que foi fornecido para as Prefeituras e Defesas Civis municipais e estaduais, como exige a lei. O seu “Dano Potencial” é considerado alto, com significativo impacto ambiental em áreas protegidas.
O MPF questiona por que a Mineração Taboca não tomou as providências necessárias. O órgão acionou o Plano de Emergência e as autoridades competentes ainda em março, quando a contaminação foi identificada. Todas as vistorias realizadas em maio mostram o agravamento da situação.
De acordo com Harilson Araújo, após duas reuniões, incluindo momentos de tensão e negação, a Taboca mudou o discurso e se comprometeu a realizar medidas emergenciais como a perfuração de poços artesianos alimentados com energia solar e o fornecimento de filtros de barro e animais para alimentação dos indígenas. Internamente, diz, os órgãos competentes estão cobrando que a Taboca tome as medidas necessárias para resolver os vazamentos.
O medo de que alguma barragem da Taboca se rompa é real, diz Araújo, que conversou com lideranças recentemente, após a contaminação ser identificada.
Em nota, a Taboca diz que “as barragens encontram-se estáveis e seguras, conforme atestado em relatórios técnicos já apresentados ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e ao MPF-AM na última semana”.
A mineradora voltou a dizer que “não existe nenhum transbordamento em quaisquer das barragens da Mineração Taboca”. Segundo a empresa, estão sendo feitas atividades de inspeção, monitoramento e vistoria regulares.
“Estamos também, como medidas preventivas, fazendo a construção de diques filtrantes e de canais dissipadores destinados a ampliar a filtragem de materiais em suspensão e reduzir a turbidez da água na área, que permanece sob monitoramento 24 horas por dia”, disse a Taboca, em nota.
Harilson Araújo, da Associação Waimiri-Atroari, afirma que os indígenas se preocupam constantemente com o risco de algum desastre ambiental de grande porte por conta das barragens de rejeito, a exemplo do que aconteceu em Mariana e Brumadinho.
“O temor é enorme. A Taboca tem um conjunto de barragens muito grande. Mesmo as que estão desativadas, se não tiver manutenção pode acontecer o que aconteceu em Mariana e Brumadinho. Se romper uma barragem dessa e atingir o Rio Alalaú, que é o rio da vida desses índios, será um desastre imenso”, avalia Araújo. Mais de 2 mil indígenas vivem na TI, e quase foram totalmente dizimados durante a ditadura militar brasileira.
Além das ações emergenciais, um plano de trabalho está sendo definido para tentar solucionar o problema de maneira permanente. Somente análises em curso pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) poderão dar a dimensão exata da contaminação identificada.
99 requerimentos na ANM miram a Waimiri-Atroari
Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) consultados pela reportagem mostram que, hoje, a TI Waimiri-Atroari tem 99 requerimentos pendentes, quase a totalidade referentes a pesquisa e processos sobretudo dos anos 80, seguido da década de 90.
A Mamoré Mineração e Metalurgia, que é da Taboca, e a própria Taboca lideram com 37 requerimentos de pesquisa e lavra que datam dos anos 80, com apenas um de 1978 e outro de 2004, para explorar zircão, cassiterita e estanho.
Todos, porém, tiveram movimentação em 2019. A aprovação do PL 191/2020 de Jair Bolsonaro, que libera mineração em terras indígenas, é considerada prioridade pelo presidente da Câmara, Arthur Lira.
Em nota, a Taboca negou o interesse. “Nossa atuação é baseada em princípios de responsabilidade social e ambiental e temos maior respeito aos nossos vizinhos, portanto não operamos e nem vamos operar em terras indígenas”, afirmou a Taboca.
Estanho do AM tem a China como destino principal
A Taboca se apresenta como “a maior produtora de estanho refinado do Brasil” e afirma ser “transparente e comprometida com o meio ambiente”. Em 2020, a Taboca, que também explora nióbio e tântalo, teve receita de R$ 753 milhões.
Fundada em 1969, a Taboca possui a Mina de Pitinga, que começou a operar nos anos 80 e tem vida útil para a produção de estanho estimada em 100 anos. O estanho extraído no Amazonas é fundido em uma metalurgia de São Paulo.
Criada pelo grupo brasileiro Paranapanema, a Taboca foi adquirida pelo grupo peruano Minsur em 2008, um negócio de R$ 850 milhões. A Minsur é um dos principais produtores de estanho do mundo, mineral que é consumido principalmente pela China, com cerca de 50% do total.
Esta matéria foi publicada originalmente no Observatório da Mineração.
Imagem do banner: comunidade na Terra Indígena Waimiri-Atroari. Foto: Raphael Alves/Tribunal de Justiça do Amazonas.