A invenção da borracha vulcanizada (1839), seguida da popularização das bicicletas (década de 1870) e da invenção do automóvel (1886), levou a um crescimento exponencial da demanda por borracha, que era fabricada a partir do látex produzido por várias espécies de árvores endêmicas da floresta amazônica. O fornecimento de borracha era um componente do comércio de drogas do sertão, que incluía o látex coletado de várias espécies de dois gêneros, Hevea e Castilla. As espécies mais valiosas eram as do gênero Hevea, porque seu látex podia ser extraído em vez de ser colhido de uma árvore derrubada, como era o caso da Castilla. Essa diferença logo levou ao desenvolvimento de uma cadeia de fornecimento de Hevea estabelecida em postos remotos permanentemente atendidos por indivíduos que coletavam o látex, processavam-no em borracha usando tecnologias artesanais e o vendiam a comerciantes para transporte rio abaixo até uma agência de exportação em Belém, Manaus ou Iquitos.
No princípio, a maior parte da borracha era coletada por comunidades indígenas residentes em aldeias missionárias ou por ribeirinhos, que complementavam sua subsistência com o comércio de produtos florestais. No entanto, o forte crescimento anual da demanda por borracha rapidamente excedeu a capacidade da população residente de fornecer um suprimento constante, estimulando assim o fluxo de migrantes para a região.
Durante a última metade do século XIX, as novas tecnologias facilitaram a migração em massa. Os sistemas de telégrafo e os jornais alertavam as pessoas sobre novas oportunidades, enquanto os trens e navios a vapor as transportavam por oceanos e continentes. A mobilidade social desencadeada pela industrialização e as revoluções democráticas contribuíram para eventos migratórios repentinos simbolizados pelas corridas do ouro na Califórnia, no Yukon e na África do Sul. A Amazônia se tornou um destino global para aventureiros que buscavam enriquecer ao participar de um novo boom mundial de commodities.
Brasil
No entanto, a maioria desses migrantes internacionais não era suficientemente adequada para a tarefa, e os comerciantes de borracha mais bem-sucedidos eram empresários nativos. Esses homens eram hábeis em combinar o conhecimento local com a influência política e o uso da violência para dominar as paisagens selvagens que reivindicavam como seus feudos. Conhecidos em todo o mundo como “barões da borracha”, no Brasil eles eram chamados de seringalistas. Eles foram bem-sucedidos porque adquiriram o controle monopolista de um afluente específico, o que lhes permitiu explorar impiedosamente seus trabalhadores, conhecidos como seringueiros.
Os seringalistas adiantavam aos seringueiros novatos os suprimentos a preços inflacionados, estabelecendo uma dívida tão grande que o trabalhador nunca a poderia pagar integralmente – uma condição para sua saída de um posto de borracha remoto. Conhecida como aviamento, essa forma de escravidão por dívida era particularmente eficaz para encurralar os migrantes que não eram hábeis em viver dos recursos da floresta e que não possuíam um sistema de apoio de comunidades indígenas ou ribeirinhas que pudesse lhes oferecer uma rota de fuga.
Entre os mais importantes barões da borracha brasileiros estava João Gabriel de Carvalho e Melo, um explorador e empresário que foi um dos primeiros a descobrir as ricas plantações de árvores Hevea no alto rio Purus no final da década de 1850. Isso ocorreu no início do boom da borracha, e a demanda por seringueiros já havia ultrapassado a capacidade das comunidades ribeirinhas de fornecer a mão de obra necessária. João Gabriel retornou à sua cidade natal, Uruburetama, no Ceará, onde recrutou um grupo de amigos e parentes que voltariam com ele em 1874 para estabelecer uma série de seringais nos rios Acre e Purus.
Sua migração coincidiu com uma série de episódios calamitosos no Nordeste do Brasil, incluindo o colapso do mercado internacional de algodão (1865-1870) e uma seca de vários anos (1877-1880) que destruiu a economia regional. A fome forçou mais de 200.000 nordestinos, quase todos caboclos, a emigrar. Aproximadamente a metade foi para a Amazônia, onde os seringalistas estavam dispostos a emprestar-lhes dinheiro e colocá-los em áreas remotas da floresta como empregados contratados. Aproximadamente 30.000 nordestinos se mudaram para o alto dos rios Purus e Juruá.
Esse influxo de cidadãos brasileiros consolidou ainda mais o domínio do Brasil sobre seus territórios amazônicos e preparou o terreno para uma expansão final de seu domínio, apesar do Tratado de Ayacucho de 1867, que havia adjudicado o território do Acre à Bolívia. O Acre era uma floresta natural sem estradas, e a Bolívia ainda não havia ocupado efetivamente o território, que era povoado inteiramente por tribos indígenas. No entanto, a região podia ser facilmente acessada por via fluvial a partir de Manaus. Quando se tornou óbvio que a região era um tesouro de borracha natural, o governo boliviano passou a ocupar a província e recrutou influentes investidores estrangeiros para financiar o desenvolvimento da região. Eles agiram tarde demais.
Dezenas de milhares de brasileiros invadiram o Acre na década de 1890. As tropas bolivianas realizaram campanhas e contra-ataques, mas tiveram que atravessar densas paisagens florestais a partir de seus postos militares no Rio Madre de Dios. Conhecida no Brasil como a Revolução do Acre, ela foi travada por um exército de imigrantes invasores que criaram uma república independente de curta duração (1899-1903). Embora tenham agido de forma autônoma, contaram com o apoio das autoridades de Manaus, Belém e Rio de Janeiro. O Brasil anexou formalmente o território depois que os dois países assinaram o Tratado de Persépolis em 1903. Em 1910, o Acre tinha uma população de aproximadamente 50.000 habitantes e produzia cerca de 60% da borracha da Amazônia brasileira.
Embora a Bolívia não tivesse muita escolha a não ser ceder o controle da província, os dois países negociaram um acordo de compensação que incluía a construção de uma ferrovia que contornaria as corredeiras do Rio Madeira. A nova ferrovia, que seria construída no que hoje é o estado brasileiro de Rondônia, proporcionaria à Bolívia uma rota comercial rápida para seus territórios amazônicos. Essa foi a era da moda dos investimentos em ferrovias, e os investidores de Londres e Nova York despejaram capital no projeto, um empreendimento de engenharia formidável devido ao isolamento da região e à ameaça de doenças tropicais. Um esforço anterior, na década de 1870, terminou em litígio e falência. No entanto, o governo brasileiro tornou a obra uma prioridade nacional, e ela foi construída entre 1907 e 1912.
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) foi um projeto gigantesco que empregou de 2.000 a 3.000 homens durante o auge da construção. Contudo, sofreu uma enorme rotatividade de mão de obra devido às severas condições de trabalho e às doenças endêmicas. Segundo algumas estimativas, até 30.000 homens e mulheres foram empregados durante a vida do projeto, com uma perda de vidas que ultrapassou 6.000 indivíduos. Muitos eram estrangeiros, que não estavam preparados para o clima tropical, mas também houve outra onda de caboclos do nordeste do Brasil. Ironicamente, a linha ferroviária foi concluída quando o setor de borracha da Amazônia entrou em colapso devido à concorrência das plantações da Malásia.
O primeiro censo nacional do Brasil, em 1872, enumerou 323.000 residentes no estado do Pará, um aumento de cerca de 85.000 após os massacres da Cabanagem. Isso foi antes do início do boom da borracha (~1890), quando o fluxo de Nordestinos ultrapassou 20.000 por ano. Entre 300.000 e 500.000 acabariam migrando para a bacia, transformando radicalmente o perfil demográfico da Amazônia brasileira. Em 1910, a população não indígena no Pará, Amazonas e Acre ultrapassava 1.2 milhão, enquanto as estimativas de indígenas haviam caído para menos de 100.000.
Bolívia
O boom da borracha na Bolívia foi bem diferente do registrado no Brasil porque foi dominado por pioneiros de Santa Cruz que haviam estabelecido fazendas de gado no Beni durante o século XIX. Esses experientes homens de fronteira estavam bem-posicionados para ocupar as florestas ao longo dos rios Madre de Dios, Mamoré e Iténez (Guaporé). O mais bem-sucedido desses empreendedores, Nicolás Suárez Callaú, estabeleceu um entreposto comercial em Cachuela Esperanza, próximo à junção dos rios Madre de Dios e Mamoré, onde as corredeiras obrigavam aos comerciantes a transportar suas mercadorias através de suas instalações. Apesar de não ter nem de longe o tamanho de Manaus ou Iquitos, Cachuela Esperanza era o centro do comércio de borracha boliviano, com radiotelégrafo, cinema, hospital de última geração, oficinas mecânicas e, é claro, armazéns para estocar borracha, que na Bolívia é chamada de goma. Suárez também possuía navios a vapor, que utilizava para transportar suas mercadorias bem como a pessoas, tanto acima quanto abaixo das corredeiras que caracterizam essa seção do Rio Madeira.
Em 1912, a Casa Suárez controlava cerca de 60% da produção de borracha boliviana e havia aberto escritórios em Londres e em outras cidades. Incluindo as fazendas de gado de sua família no Beni, a empresa se estendia por 180.000 quilômetros quadrados. Suárez também era um boliviano patriota que financiou uma grande parte das forças armadas do país na Guerra do Acre. Sem dúvida, seus próprios interesses o levaram a proteger seu monopólio, mas, sem sua intervenção, a Bolívia provavelmente teria perdido a maior parte do atual Departamento de Pando.
A grande maioria dos gomeros empregados pela Casa Suárez eram migrantes internos das províncias das terras baixas da Bolívia, incluindo mestizos da cidade de Santa Cruz, mas também nativos moxeños e chiquitanos recrutados nas aldeias missionárias estabelecidas no século anterior. Nicolás Suárez e seus irmãos usaram uma forma de escravidão por dívida semelhante ao sistema brasileiro, mas os gomeros faziam parte de um sistema subserviente de patrón-peón que prevalecia nas paisagens rurais da Chiquitania e do Beni. Como faziam parte de um sistema de servidão estabelecido, também era mais provável que fossem acompanhados por mulheres, o que, sem dúvida, contribuiu para sua reputação de docilidade.
Foram recrutados também nativos menos aculturados, especialmente os Tacana, que eram guias florestais habilidosos capazes de localizar populações de seringueiras. Naturalmente, a incursão de forasteiros acelerou o declínio dos povos indígenas, especialmente dos Araona, cuja população era estimada em mais de 20.000 pessoas em 1900, mas hoje é de menos de cem. Os Tacana conseguiram se adaptar melhor, embora seu legado cultural tenha sido alterado pelo casamento com trabalhadores migrantes do sul. Seus descendentes buscam meios de subsistência, mas muitos vivem nas cidades de Riberalta, Rurrenabaque e Guayaramerím. Alguns trabalham como mineiros em dragas que exploram depósitos de ouro de aluvião ao longo dos rios Beni e Madre de Dios.
Peru e Colômbia
Os jesuítas e seus sucessores foram bem-sucedidos em impedir que os bandeirantes brasileiros invadissem a província de Maynas, mas o início do boom da borracha exigiu uma ação mais vigorosa. Em 1877, o governo peruano enviou três barcos a vapor para estabelecer uma base militar em Iquitos e reafirmou o controle dessa nação sobre Maynas, cuja soberania territorial era disputada pelo Equador e pela Colômbia. O vilarejo evoluiu para uma pequena cidade e se tornou um importante centro de comércio de caucho, o termo peruano para borracha natural. Assim como Manaus, Iquitos ostentava hotéis opulentos e artigos de luxo importados diretamente da Europa destinados aos barones del caucho peruanos.
A produção de caucho baseava-se na exploração de espécies de Castilla em vez de Hevea; consequentemente, era um processo muito mais destrutivo, que gerou um sistema de trabalho escravo particularmente cruel e abusivo. Como a árvore inteira era abatida, ela produzia um volume maior de borracha e isso gerava fluxos de receita fenomenais no curto prazo. Os caucheros de fato não tinham incentivo para desenvolver postos de extração de borracha a longo prazo. Em vez disso, eles tentavam encontrar populações de Castilla que geralmente ocorriam em grupos de várias centenas de árvores. Como era de se esperar, eles exterminavam uma população local para depois passar para a próxima.
A natureza extrativista do sistema também influenciou sua demanda de mão de obra. Em vez de um peão dócil que pudesse ser manipulado durante anos de trabalho árduo, eles dependiam de madeireiros experientes que pudessem identificar os bosques de Castilla assim como de peões escravizados para derrubar árvores e coletar o látex. Os primeiros migravam junto com os caucheros e os segundos eram recrutados nas comunidades indígenas locais, geralmente à força, conforme a necessidade. Os historiadores chamaram isso de escravidão terrorista, porque os caucheros eram extraordinariamente cruéis e tratavam seus peões como uma mercadoria descartável que poderia ser substituída à medida que se expandissem para novos territórios.
O mais infame dos barões da borracha peruanos foi Julio César Arana del Águila, conhecido como Rey del Caucho, porque organizou um cartel monopolista que se estendia desde o rio Huallaga até o Putumayo. Arana era ambicioso, sofisticado e audacioso, como mostra sua decisão de capitalizar sua empresa na bolsa de valores de Londres como sendo a Peruvian Amazon Company. Maynas, hoje conhecida como Loreto, era essencialmente uma região autônoma pelo fato de que viajar de Lima a Iquitos poderia levar semanas, de modo que o governo central dependia de Arana para projetar a soberania peruana nas terras fronteiriças então disputadas pelo Peru, Brasil, Colômbia e Equador.
Assim como no Brasil, a população ribeirinha não conseguiu fornecer mão de obra suficiente para atender à demanda por seringueiros. Inicialmente, Arana importou mão de obra do Brasil e do Caribe, mas logo decidiu atacar as nações indígenas do Putumayo, especialmente as tribos Huitoto, Ocaina e Bora, que eram conhecidas por sua cultura pacífica/não guerreira. Seus tenentes eram extraordinariamente cruéis e cometeram crimes hediondos que hoje seriam considerados genocidas, incluindo assassinato, sequestro, estupro, tortura e escravidão. Eles foram acusados de exterminar vilarejos inteiros durante sessões de sádico entretenimento movidas a álcool.
Suas ações acabaram sendo reveladas por um americano que havia viajado para a Amazônia em busca de riqueza e aventura. Walter Hardenburg foi vítima das manobras da Peruvian Amazon Company, mas conseguiu escapar e publicar uma denúncia em um jornal progressista de Londres.
O escândalo resultante motivou o governo britânico a encomendar um inquérito sob a direção de Roger Casement, um diplomata e defensor dos direitos civis que na época servia como Cônsul Geral no Rio de Janeiro. Seu relatório, publicado em 1911, foi corroborado por dois juízes peruanos e um jornalista francês, o que forçou a Câmara dos Comuns a investigar as atrocidades. Julio César Arana testemunhou pessoalmente e negou as alegações – ou pelo menos o conhecimento dos crimes. Seus funcionários evitaram a acusação simplesmente desaparecendo, enquanto Arana passou a representar Iquitos no Senado peruano.
Como a maioria das empresas de borracha da época, a Peruvian Amazon Company declarou falência em 1913, mas durante suas duas décadas de operação exportou mais de 4.000 toneladas de borracha avaliadas em cerca de 1,5 milhão de libras esterlinas – um valor que, ajustado pela inflação, equivaleria a cerca de US$ 300 milhões em 2022. Embora a Amazônia peruana tenha sofrido um influxo de migrantes, os habitantes indígenas do Putumayo foram devastados, caindo de cerca de 50.000 em 1890 para apenas 6.000 em 1920, quando a Colômbia e o Peru enumeraram os habitantes ao demarcarem a fronteira entre seus países.
O outro grande Rey del caucho foi Carlos Fermín Fitzcarrald López, filho de um imigrante irlandês que explorou as populações de Castilla nos rios Ucayali e Madre de Dios. Ele é famoso por ter construído uma ferrovia em um istmo de onze quilômetros que separa as duas bacias hidrográficas. Seu objetivo era, a partir do Madre de Dios, criar uma rota de exportação que evitasse a interferência dos bolivianos e brasileiros. Ele morreu afogado aos 35 anos, quando um de seus barcos a vapor virou ao tentar navegar pelas corredeiras no alto rio Urubamba.
Fitzcarrald explorou a mão de obra indígena mobilizando grupos indígenas destribalizados em áreas selvagens nas bacias hidrográficas do alto Ucayali e Madre de Dios, onde ele atraía grupos indígenas não contatados para as clareiras e os capturava para seu empreendimento alimentado pelo trabalho escravo. Ele contou com a colaboração de alguns chefes indígenas predadores que atacavam tribos desavisadas; aqueles que resistiam eram massacrados. As ações de Fitzcarrald acabaram resultando na divisão da nação étnica Piro em duas tribos: os que foram coagidos à servidão são hoje conhecidos como Yine, enquanto os que se retiraram para a natureza selvagem são os Mashco.
A morte de Fitzcarrald possibilitou a abertura do Madre de Dios a um imigrante espanhol, Máximo Rodríguez Gonzáles, que estabeleceu um sistema que delimitava e bloqueava o avanço dos seringueiros bolivianos empregados pela Casa Suárez. Simultaneamente, os peruanos e os brasileiros estabeleceram suas áreas de fronteira no alto rio Purus, em grande parte para o benefício do Brasil, pois longos trechos do rio haviam sido ocupados por seringueiros que exploravam os extensos bosques de Hevea que contribuíram para a liderança do Acre na indústria da borracha amazônica.
Imagem de destaque: Os indígenas que evitaram a escravidão sofreram outra série de doenças e mortes. Um clã dos chamados ‘Índios Livres do Rio Ucayali’, provavelmente Shipibo-Conibo (Hardeman 2012). Crédito: Coleção Dana B. Merrill, Museu Paulista (2011).
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).
Leia as outras partes extraídas do capítulo 6 aqui:
Capítulo 6. Cultura e demografia definem o presente
- A cultura e os grupos humanos que definem o presente da Pan-Amazônia Setembro 18, 2024
- A demografia da Pan-Amazônia Outubro 4,2024
- A comunidade indígena da floresta amazônica luta por seu pleno reconhecimento Outubro 8, 2024
- O surgimento de cidades ao redor da Amazônia Outubro 17, 2024