Marcel Gomes, secretário-executivo da Repórter Brasil, é um dos ganhadores do prestigiado Goldman Environmental Prize em 2024.
Gomes coordenou uma investigação internacional sobre a cadeia de carne bovina da JBS, com uma plataforma própria de dados sobre a pecuária brasileira, equipes de investigação em diferentes países e colaboração de comunidades indígenas, ONGs locais e pequenos agricultores.
Em entrevista à Mongabay, Marcel Gomes disse que a investigação pressionou grandes varejistas europeus a pararem de vender produtos da JBS e levou autoridades públicas a monitorarem frigoríficos brasileiros exportadores de carne bovina.
Também conhecido como o “Nobel Verde”, o Prêmio Ambiental Goldman concedeu outros cinco prêmios a ativistas ambientais em 29 de abril.
Em dezembro de 2021, seis grandes redes de supermercados europeus decidiram suspender a venda de produtos da gigante brasileira de carne bovina JBS por tempo indeterminado. O boicote foi anunciado após uma investigação da Repórter Brasil, em parceria com a ONG global Mighty Earth, relacionar diretamente produtos da JBS vendidos na Europa ao desmatamento dos ecossistemas mais ameaçados do Brasil, incluindo a Floresta Amazônica.
O trabalho jornalístico revelou que o frigorífico brasileiro tinha comprado gado criado em áreas desmatadas ilegalmente por fornecedores indiretos, em um esquema de “lavagem de bois”. Em 29 de abril, Marcel Gomes, secretário-executivo da Repórter Brasil, recebeu o Prêmio Ambiental Goldman 2024 por liderar esse esforço investigativo.
“É um prazer receber o prêmio por um trabalho jornalístico e ver esse campo do conhecimento valorizado”, disse Gomes à Mongabay por telefone. “Esse trabalho de investigação exigiu muito planejamento e dedicação, anos de definição de estratégias e implementação”.
Outros cinco prêmios Goldman foram anunciados para seis ativistas: Alok Shukla, da Índia; Andrea Vidaurre, dos Estados Unidos; Murrawah Maroochy Johnson, da Austrália; Teresa Vicente, da Espanha; e Nonhle Mbuthuma e Sinegugu Zukulu, da África do Sul.
O trabalho premiado da Repórter Brasil teve início em 2017, com a construção de uma plataforma própria para cruzar grandes massas de dados sobre a cadeia da carne bovina — multas ambientais, embargos, trabalho escravo e guias de transporte de gado entre fazendas fornecidos por órgãos públicos com ajuda da Lei de Acesso à Informação (LAI). Gomes disse que a ferramenta criada pela Repórter Brasil tem ajudado a conectar a pecuária brasileira a problemas sociais e ambientais.
“Construímos uma plataforma cheia de informações do zero para acelerar o cruzamento de dados e o mapeamento da cadeia de produção. Agora, essa ferramenta está ajudando organizações no Brasil e no mundo, incluindo outros grupos de jornalismo que podem produzir reportagens investigativas mais rapidamente”, disse o vencedor do Goldman 2024.
Com a plataforma em funcionamento, o time liderado por Gomes percebeu que era possível expor as ligações entre a carne exportada pelos principais frigoríficos brasileiros, especialmente a JBS, e o desmatamento de florestas nativas. Em parceria com a Mighty Earth, a Repórter Brasil realizou uma investigação complexa e inovadora para rastrear a origem precisa da carne brasileira vendida nos supermercados europeus.
Em 2020, Gomes recrutou pesquisadores em diferentes países europeus. Eles visitaram supermercados em busca de produtos de carne específicos fornecidos pela JBS, coletando dados das embalagens com base em uma metodologia criada pela Repórter Brasil para alimentar as planilhas de investigação. Com base nessas informações, foi possível rastrear a carne bovina da JBS ao longo da cadeia — do frigorífico ao abatedouro e, por fim, até a fazenda onde os animais supostamente teriam sido criados.
Desse ponto, a investigação foi direcionada. Se a fazenda identificada tivesse sido sancionada anteriormente por desmatamento, a equipe da Repórter Brasil recorria a uma sólida rede de comunidades indígenas, ONGs locais e pequenos agricultores para obter mais informações. O trabalho também se baseou em mapeamento por satélite para medir o desmatamento recente próximo às fazendas suspeitas de “lavar o gado”.
“O Goldman Environmental Prize para Marcel Gomes e Repórter Brasil é um marco no fortalecimento do jornalismo de interesse público no Brasil,” afirmou Maia Fortes, diretora-executiva Associação de Jornalismo Digital (Ajor). “Com mais de 20 anos de atuação, a Repórter Brasil se destaca por seu jornalismo inovador na cobertura de direitos humanos e violações socioambientais, gerando impactos concretos e pressionando empresas e governos a adotarem práticas mais responsáveis.”
“A concessão do Prêmio Goldman a Marcel Gomes, mais do que o justo reconhecimento ao trabalho da Repórter Brasil, é um sopro de ar fresco para o jornalismo”, disse Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima. “É a prova de que, numa era de algoritmos, pós-verdade, caça-cliques e redações sucateadas, ainda está de pé a função essencial do jornalista de proteger o interesse público — e nenhuma área o encarna tão bem quanto o meio ambiente —, vigiar o interesse privado e dizer a verdade ao poder”.
Todos os olhos na JBS
Além de impulsionar o boicote à carne bovina da JBS em supermercados da Bélgica, França, Holanda e Reino Unido, a investigação da Repórter Brasil aumentou a pressão por ações contra a pecuária ilegal, especialmente em relação a sistemas mais eficazes de rastreabilidade. O setor de exportação de carne bovina brasileiro é o maior do mundo, respondendo por 20% das transações globais. O país soma 215 milhões de cabeças de gado, mais de dois terços delas criadas na Amazônia e no Cerrado, onde a pecuária é o principal motor do desmatamento.
O cerco sobre as operações da JBS aumentou ainda mais depois que outra investigação sobre “lavagem de gado” da Repórter Brasil, também liderada por Marcel Gomes, levou a gigante brasileira de carne bovina a admitir publicamente que comprou quase 9 mil cabeças de gado criado em fazendas de uma quadrilha de desmatadores de Rondônia entre 2018 e 2022.
“O trabalho da Repórter Brasil tem ajudado a pressionar empresas e autoridades públicas no Brasil e no exterior a fiscalizar as operações da JBS e de outras grandes empresas”, disse Gomes. “O governo brasileiro percebeu a necessidade de rastrear a cadeia da carne bovina e abriu um diálogo para construir um sistema de rastreabilidade público e transparente, voltado sobretudo para os fornecedores indiretos”.
A investigação premiada pelo Goldman 2024 faz parte de um conjunto cada vez mais robusto de evidências de corrupção e desmatamento citadas por grupos ambientais que se opõem à tentativa da JBS de ser listada na Bolsa de Valores de Nova York. Em 2023, várias organizações sem fins lucrativos, incluindo a Mighty Earth, enviaram cartas à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA pedindo que a oferta pública inicial da empresa brasileira de frigoríficos fosse investigada e rejeitada. De acordo com os ambientalistas, investimentos maiores poderiam levar a uma expansão explosiva das operações da JBS, levando a mais desmatamento no Brasil.
Em fevereiro de 2024, a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, entrou com uma ação judicial contra a JBS USA Food Company e a JBS USA Food Company Holdings por deturpar os planos de atingir emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2040. O processo cita várias ocasiões em que as declarações da empresa ao público não correspondem à realidade, incluindo cálculos de emissões que excluem o desmatamento na Floresta Amazônica.
Jornalismo fortalecido
Aos 45 anos, Marcel Gomes lidera as equipes de investigação e pesquisa da Repórter Brasil, uma organização sem fins lucrativos que há mais de duas décadas monitora, identifica e denuncia violações de direitos humanos, trabalho escravo e crimes ambientais associados a importantes cadeias produtivas. Segundo o jornalista, a Repórter Brasil estendeu seu método de investigação da carne brasileira premiado para outras cadeias, como café, soja e de confecção.
“O jornalismo investigativo enfrenta muitas dificuldades. Com as redações cada vez menores, poucos jornalistas têm o luxo de dedicar tempo a longas investigações”, disse Gomes. “Precisamos fortalecer as organizações de jornalismo investigativo, promover parcerias entre diferentes veículos em busca de novas histórias e melhorar o acesso a dados públicos”.
Maia Fortes, da Ajor, concorda. “Essa premiação não apenas incentiva o trabalho dos premiados, mas também impulsiona a discussão pública sobre o tipo de jornalismo que a sociedade brasileira deseja fortalecer”.
Fundado há 35 anos, o Goldman Environmental Prize, também conhecido como “Nobel Verde”, é a principal homenagem do mundo para ativistas ambientais. Marcel Gomes é o quinto vencedor brasileiro. A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil, Marina Silva, recebeu o prêmio em 1996. No ano passado, o Goldman premiou Alessandra Korap Munduruku por sua luta contra a mineração ilegal.
Imagem em destaque: Marcel Gomes recebeu o Goldman Environmental Prize 2024, também conhecido como “Nobel Verde”. Imagem cortesia do Goldman Environmental Prize.
https://brasil-mongabay-com.mongabay.com/2023/05/vou-continuar-lutando-diz-alessandra-munduruku-ativista-indigena-e-vencedora-do-premio-goldman/
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