A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.
O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.
Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.
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Os desafios para o desenvolvimento de hidrovias concentraram a atenção dos investidores nas ferrovias. Em 2020, o Eixo Amazônico do portfólio da IIRSA incluía oito projetos ferroviários, sendo eles concluídos (2), em construção (1) ou em fase de elaboração (5). O orçamento total estimado varia entre US$ 20 e US$ 30 bilhões, mas mesmo o valor maior é uma subestimação porque exclui várias das iniciativas mais ambiciosas do Brasil.
O setor ferroviário brasileiro é uma mistura incomum de empresas públicas e privadas e um sistema de concessionárias em que os ativos públicos são arrendados a empresas privadas que se comprometem com grandes investimentos de capital. A partir de 2008, o governo federal lançou uma iniciativa para expandir a rede ferroviária, especialmente novas linhas que penetrariam nas paisagens agrícolas do sul da Amazônia e nas paisagens adjacentes à Amazônia do nordeste do Brasil, que são coletivamente chamadas de MATOPIBA. A seguir, uma descrição dos principais investimentos ferroviários em curso na Amazônia brasileira.
Ferrovia Norte (EF-364)
Essa é provavelmente a ferrovia mais lucrativa do Brasil. Construída entre 1998 e 2012, ela reduziu drasticamente o custo do transporte de commodities das fazendas do centro e sul do Mato Grosso até o porto de Santos (São Paulo). Operada pela maior empresa ferroviária privada do Brasil (Rumo Logístico), a linha atualmente chega ao Terminal Ferroviário de Rondonópolis, uma enorme instalação logística com capacidade de transbordo de 12 milhões de toneladas por ano.
A concessão de noventa anos da EF-364 estipula que a linha ferroviária será estendida até Cuiabá e, potencialmente, até Porto Velho e Santarém. No curto prazo, a Rumo planeja estender a Ferrovia Norte até a cidade de Lucas do Rio Verde (Mato Grosso), onde ela cruzará com uma ferrovia leste-oeste em desenvolvimento.
Ferrogrão (EF-170)
Essa é uma nova iniciativa que não foi incluída nos planos estratégicos de transporte formulados em 2011, nem está incluída no portfólio da IIRSA. É uma resposta direta às demandas dos agricultores da região central do Mato Grosso por uma opção de exportação economicamente atraente. A Ferrogrão será paralela à BR-163 ao longo de 935 quilômetros entre Sinop (Mato Grosso) e Miritituba (Pará). Sua capacidade projetada de 60 milhões de toneladas por ano se aproxima da combinação de soja e milho produzida em Mato Grosso em 2019. O investimento de US$ 1,5 bilhão está sendo coordenado por uma empresa de engenharia brasileira, a Estação da Luz Participações (EDLP) com o apoio dos comerciantes de commodities do ABCD.
O governo federal está buscando acelerar sua construção apoiando o processo de revisão ambiental por meio do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que é gerenciado pelo gabinete do Presidente da República para facilitar o investimento do setor privado em ativos de infraestrutura pública. Se esperava que um processo formal de licitação para a construção e operação de uma concessão de 65 anos fosse convocado em 2021. A proposta é incomum, pois concederia um monopólio à concessionária para operar trens na ferrovia, um privilégio que seria revogado se a linha ferroviária fosse conectada à rede ferroviária nacional.
Não é de surpreender que a construção da Ferrogrão tenha a oposição de defensores do meio ambiente e de grupos indígenas, que afirmam que a ferrovia promoverá a colonização no estreito corredor ao longo da BR-163 (HML nº 17). A região já sofre com uma epidemia de atividades ilegais, principalmente a grilagem de terras e o desmatamento não regulamentado, fenômenos que, segundo eles, seriam potencializados pelo fluxo de milhares de trabalhadores migrantes para a construção da ferrovia. Os críticos também afirmam que uma redução nos custos de transporte aumentará o desmatamento nas paisagens agrícolas do norte do Mato Grosso, o que, entre outros impactos, degradaria os recursos hídricos dos territórios indígenas ao longo do rio Xingu.
A zona de maior conflito é um trecho de 75 quilômetros que atravessa o coração do Parque Nacional Jamanxim, onde a faixa de domínio da BR-163 tem uma largura de apenas 200 metros. O Congresso aprovou uma medida que ampliaria a faixa de domínio da BR-163 através do Parque Nacional Jamanxim, uma condição prévia para a obtenção de uma licença ambiental do IBAMA. A construção foi planejada para começar em 2021 e ser concluída até 2025, mas, como a maioria dos projetos de infraestrutura no Brasil, não está ocorrendo de acordo com o cronograma projetado
Ferrovia Norte Sul (EF-151)
Como o nome indica, essa linha ferroviária atravessará o país e integrará ferrovias no Norte, Centro e, eventualmente, no Sul do Brasil. Em sua configuração atual, a linha foi dividida em três seções: o componente sul é operado pela Rumo Logístico por 1.500 km entre Porto Nacional (Tocantins) e Estrela do Oriente (São Paulo); em seu terminal sul, a linha se conecta à rede da Rumo, que termina em suas enormes instalações portuárias em Santos.
O componente central entre Porto Nacional e Açailândia (Maranhão) é operado pela Valor da Logística Integrada (VLI), que também possui a concessão para o Estrada de Ferro Carajás (EF-315) entre o complexo de mineração na Serra de Carajás e o Porto de Itaqui em São Luís do Maranhão. A combinação da EF-315 (660 quilômetros) e da EF-151 (750 quilômetros) oferece a primeira opção de transporte a granel totalmente integrada para os agricultores do leste do Mato Grosso, Tocantins, oeste da Bahia e sul do Maranhão. Sua capacidade foi aumentada pela construção simultânea de quinze plataformas de carregamento de grãos localizadas entre Anápolis (Goiás) e São Luís do Maranhão.
Por ser paralela à BR-153 e atravessar uma fronteira consolidada (HML #6, #7, #14) habitada por agricultores e pecuaristas, sua construção foi relativamente livre de conflitos sociais. Sua conclusão aliviou os congestionamentos na rede rodoviária regional e, ao mesmo tempo, proporcionou uma alternativa prática à hidrovia do Tocantins, que há muito tempo está atrasada e é alvo de conflitos.
Eventualmente, uma terceira seção da Ferrovia Norte Sul será construída entre Açailândia e Barcarena. Sua construção foi adiada devido à conveniência de exportar commodities agrícolas via São Luís do Maranhão, mas o governo do estado do Pará adotou sua conclusão como uma prioridade regional.
Ferrovia Paraense
Em 2017, o governador do Pará apresentou um plano ambicioso para expandir a rede ferroviária nascente para que integrasse mais plenamente as paisagens agrícolas e os ativos minerais do leste do Pará, com um parque industrial e instalações portuárias em Barcarena. A ferrovia proposta completaria a ligação entre Açailândia e Belém passando pelas plantações de óleo de palma perto de Tailândia e incluiria ramais para minas de bauxita em desenvolvimento em Paragominas e Rondon do Pará. Em Marabá, a linha ferroviária cruzaria o rio Tocantins, seguiria para o sul até Eldorado do Carajás e depois subiria o vale do Araguaia até a fronteira com o Mato Grosso.
Os defensores do desenvolvimento convencional apoiam a construção da ferrovia porque ela geraria cerca de 25.000 empregos no curto prazo e facilitaria o desenvolvimento de uma usina siderúrgica proposta em Marabá. O agronegócio apoia a iniciativa porque ela influenciaria a escolha dos modelos de produção ao longo do corredor rodoviário. O cultivo intensivo de soja e milho já é o uso predominante da terra no nordeste do Mato Grosso, e a extensão de um sistema de transporte de grãos de baixo custo aceleraria a expansão da agricultura industrial nos municípios do sudeste do Pará. Defensores do meio ambiente e grupos indígenas se opõem à iniciativa porque afirmam que a ferrovia Paraense catalisará outra onda de desmatamento no último bloco de floresta remanescente entre Marabá e Belém, ao mesmo tempo em que estimulará a apropriação de terras nos territórios indígenas localizados nas cabeceiras do Rio Xingu.
Ferrovia de Integração Centro Oeste (EF-345)
Esse é, talvez, o projeto ferroviário mais ambicioso do Brasil e, se concluído, se estenderá do Porto de Vitória (Espírito Santos) para oeste até próximo à fronteira ocidental com o Peru. O Ministério dos Transportes dividiu seu desenvolvimento em três fases:
- A primeira fase ligará Campinorte (Goiás) a Lucas do Rio Verde (Mato Grosso) por 750 quilômetros através do centro de Mato Grosso (HML #15). Quando concluída, essa ferrovia reduzirá os custos de transporte por caminhão ao se conectar à Ferrovia Norte Sul, no leste, e à Ferrovia Norte, no oeste.
- A segunda fase se estenderá para o oeste até Porto Velho, seguindo a rota aproximada da rodovia BR-364, o que garantirá que a hidrovia do Madeira continue sendo uma opção econômica ao substituir 1.000 quilômetros de transporte em caminhões por ferrovia. Também acelerará a expansão da agricultura intensiva em Rondônia (HML nº 23), onde pequenos proprietários estão restaurando solos degradados por meio da rotação de pastagens com o cultivo de soja e milho.
- A terceira fase atravessará o Rio Madeira e se estenderá até Cruzeiro do Sul (Acre), próximo à fronteira com o Peru (HML nº 28). Não há justificativa econômica óbvia para esse último segmento – exceto como um elo de uma linha ferroviária transcontinental entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
Ferrovia Transcontinental
Em novembro de 2014, os governos do Brasil, China e Peru assinaram um acordo para avaliar a viabilidade de uma ferrovia transcontinental. A rota da EF-345 via Acre foi um dos vários projetos em avaliação; seus proponentes afirmam que ela é a mais econômica porque passaria pelos Andes na Depressão de Huancabamba, onde a elevação máxima é de apenas 2.150 metros acima do nível do mar, aproximadamente metade da elevação existente nas propostas concorrentes.
Uma ferrovia entre Cruzeiro do Sul (HML nº 28) e Pucallpa (HML nº 41) atravessaria dois parques nacionais e infringiria terras indígenas; consequentemente, não há nenhuma possibilidade de que uma agência multilateral financie o projeto, razão pela qual a participação de entidades da China foi vista com alarme pelos defensores do meio ambiente.
A justificativa para uma ferrovia transcontinental baseia-se na suposição de que a economia no transporte marítimo compensaria o aumento do custo do transporte ferroviário. Uma avaliação independente feita pela União Internacional de Ferrovias mostrou que o custo energético da travessia dos Andes e o custo de capital de uma nova linha ferroviária tornariam a Ferrovia Transcontinental entre 50% e 100% mais cara em comparação com as rotas pelo sul do Brasil ou pelo Rio Amazonas.
Em 2018, o governo brasileiro anunciou que apoiaria uma proposta alternativa via Bolívia; conhecida como Ferroviário Bioceânico Central, essa rota é mais curta e aproveita as linhas ferroviárias pré-existentes. Independentemente disso, os funcionários das agências de infraestrutura do Brasil e do Peru inseriram um componente de infraestrutura ambíguo no portfólio da IIRSA, chamado de Interconexão Terrestre, um termo que deixa em aberto a opção de construção por rodovia ou linha ferroviária.
Ferroviária Oriental SA
A linha ferroviária preexistente que tornou a proposta transcontinental da Bolívia “mais atraente” é um antigo sistema ferroviário construído pelo Brasil na década de 1950 como compensação pela perda [percebida] de territórios nas primeiras décadas do século XX.
Essa linha ferroviária poderá – ou não – fazer parte de uma ferrovia transcontinental, mas há desempenhado um papel essencial no desenvolvimento da agroindústria da Bolívia, um país sem acesso ao mar em que as terras férteis de Santa Cruz (HML nº 31) estão localizadas a 2.000 quilômetros do porto atlântico mais próximo, enquanto os portos do Pacífico estão localizados do outro lado da Cordilheira dos Andes. Embora os produtos refinados sejam exportados para o Peru por caminhão, não é economicamente viável transportar grãos a granel.
Felizmente para os agricultores bolivianos, a Ferroviária Oriental se conecta com os portos da hidrovia Paraguai-Paraná, o que lhes permite competir nos mercados globais. Sem a antiga ferrovia, que foi construída por motivos políticos e não econômicos, o setor agrícola da Bolívia teria crescido apenas uma fração de seu tamanho atual.
Trem Elétrico de Carga do Equador.
Em 2013, o Instituto Ecuatoriano de Preinversión encomendou um estudo de pré-viabilidade para avaliar a conveniência de uma rede ferroviária movida a eletricidade. De acordo com as descrições na imprensa em geral, a maior parte dos trilhos seria construída na costa do Pacífico com o objetivo de conectar as plantações de banana e palma de óleo do país às instalações portuárias. A ideia surgiu em uma época em que planos ambiciosos para reduzir as emissões de carbono eram populares entre os planejadores do governo, e o conceito chamou a atenção do então presidente Rafael Correa.
O esquema incluía um ramal que cruzaria os Andes para atender às minas de cobre em desenvolvimento na Cordillera del Condor e, presumivelmente, seria construído com o apoio financeiro e técnico da China. A demanda de eletricidade da linha ferroviária seria muito grande e, aparentemente, influenciou os planos para aumentar a construção de barragens hidrelétricas na Amazônia. O estudo de viabilidade foi concluído em 2017 e, no mesmo ano, incorporado ao portfólio de investimentos da IIRSA; no entanto, não há outras evidências de que o então presidente Moreno tenha priorizado esse investimento.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).