Conferência que reuniu chefes de Estado de países amazônicos teve como produto final a Declaração de Belém, em que as lideranças listam suas intenções para o futuro da floresta; organizações, porém, se dizem frustradas pela falta de metas conjuntas para pôr fim ao desmatamento.
Nos dias que antecederam a cúpula, organizações da sociedade civil e instituições públicas e privadas se reuniram nos Diálogos Amazônicos para debater temas como soberania alimentar, transição energética e proteção aos povos da floresta.
Os Diálogos Amazônicos e a Cúpula da Amazônia fracassaram em estabelecer metas e práticas para conter a ameaça do aquecimento global e as mudanças climáticas. O fracasso do evento já se mostrava evidente quando indígenas do povo Tembé foram baleados no dia 7 de agosto em Tomé-Açu, durante as reuniões que aconteciam em Belém, a apenas 200 km dali, mostrando a fragilidade do respeito da região quanto a seus povos originários e tradicionais.
Durante os Diálogos Amazônicos, oito plenárias discutiram sobre os mais variados temas, como erradicação do trabalho escravo, saúde, soberania alimentar e nutricional, ciência e tecnologia, transição energética, mudança do clima e proteção aos defensores de direitos humanos, aos territórios, aos povos indígenas e às populações tradicionais. Foram realizadas pela capital paraense 374 atividades auto-organizadas, propostas por movimentos sociais, organizações da sociedade civil e instituições públicas e privadas.
Um dia depois do atentado às lideranças Tembé, teve início a Cúpula da Amazônia, com a participação de presidentes dos países signatários da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), recebidos pelo governador do Pará, Helder Barbalho, junto ao presidente da COP28 e CEO da petroleira estatal Abu Dhabi National Oil Company, o sultão Ahmed Al Jaber — que já ofereceu apoio e ajuda na COP30, que ocorrerá em 2025 em Belém.
O sultão aterrissou na capital sob a polêmica de matéria veiculada pelo jornal inglês The Guardian, que divulgou trechos de documento sobre como a comunicação da COP28, que acontece este ano nos Emirados Árabes Unidos, deveria tratar ou contornar a menção a combustíveis fósseis no evento e forçar para os meios de comunicação a promoção de políticas de recursos renováveis.
Assim que a Declaração de Belém foi divulgada — documento com 113 objetivos para a região amazônica, que contém a agenda de cooperação entre os oito países que tem a Amazônia em seu território —, ONGs e ativistas se pronunciaram com frustração e desconfiança pela falta de compromissos reais no documento.
Leandro Ramos, Diretor de Programas do Greenpeace Brasil comentou sobre o resultado dos Diálogos Amazônicos: “A Declaração de Belém não traz medidas claras para responder à urgência das crises que o mundo vem enfrentando.”
Um outro fato que chamou a atenção é que não há um consenso entre os principais personagens do Governo Federal sobre as necessidades da Amazônia, no sentido de gestão de políticas para o território. O presidente Lula se disse confiante sobre a exploração do petróleo na foz do Amazonas, mas a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, espera o oposto no que tange às decisões envolvendo perfurações, além de manter sua posição inicial de apoio ao Ibama.
Em uma mesa que discutiu a importância da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, durante os Diálogos Amazônicos, Marina Silva lembrou o comprometimento e a parceria do ministério do Meio Ambiente com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Ao seu lado estavam a presidenta da Funai, Joenia Wapichana; a nova coordenadora executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Val Eloy Terena; e a diretora de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial em Unidades de Conservação, Kátia Torres.
A titular do Meio Ambiente disse acreditar que as populações indígenas e tradicionais têm seu lugar e suas políticas específicas no sentido de proteger seus territórios e, ao mesmo tempo, de fazer seus cruzamentos de outras políticas transversais como saúde e segurança alimentar para cada povo, mas não tocou detalhadamente no assunto dos combustíveis fósseis e nem da perfuração do Amapá, que causou polêmica e questionamentos quanto à unidade do novo governo.
No dia seguinte, em uma rápida coletiva na sala de imprensa, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, mostrou total confiança na liderança do Executivo e disse esperar que as decisões certas para a Amazônia sejam tomadas no tempo certo. “Cuidar de verdade da Amazônia não implica apenas desmatamento zero, mas a solução está em deixar a busca por carvão, gás e petróleo”, disse.
“Tu come peixe com petróleo?”
O evento que antecedeu a cúpula, Diálogos Amazônicos, pareceu uma apresentação de portfólio do Governo Federal e do governo do estado do Pará. Em uma coletiva de imprensa monótona, Helder Barbalho apresentou a nova versão do Selo Verde, que pretende fortalecer a rastreabilidade da cadeia produtiva no estado, e a automatização do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Com o aperto dramático de um botão alegórico, o governador disse ter beneficiado mais de 40 mil cadastros de pequenos produtores de diversos municípios paraenses, que a partir de agora poderão acessar benefícios do Código Florestal.
Antes da apresentação do CAR 2.0 na sala de imprensa, houve uma grande manifestação contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas que inflamou a imprensa, que corria acelerada para fazer imagens do que seria uma das únicas manifestações contra os combustíveis fósseis em um evento marcado por inúmeras críticas.
O coletivo Engaja Mundo produziu a performance que teve palavras de ordem como “Helder, tu come peixe com petróleo?” e pessoas fantasiadas com macacões amarelos que remetiam aos uniformes de plataformas de perfuração, sujos com tinta preta e cartazes com dizeres como “A COP vai passar e quantas manchas vão ficar?”. Os manifestantes seguiram o governador até a entrada da sala de imprensa. Houve confronto de assessores da vereadora Silvia Letícia, do PSOL, com a segurança que impediu os manifestantes de invadirem a coletiva. Apesar do alvoroço que chamou a atenção dos participantes do evento, não houve violência.
Povos indígenas do Equador e Peru já são afetados pela exploração do petróleo em seus territórios, e algumas de suas lideranças — como Erlan Sleur, da organização do Suriname Probios, e Alessandra Korap Munduruku, da TI Sawré Muybu, no Pará — estiveram presentes na mesa de debates do domingo, dia 6, no diálogo Amazônia Livre de Petróleo e Gás. Eles chamaram a atenção da sociedade civil e de autoridades para os impactos que a prática pode causar nos territórios, assim como os impactos na fauna de rios e oceanos.
Em outro momento constrangedor durante a cúpula, o Cacique Raoni foi recebido por Márcio Macêdo, ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência, pelas ministras Sonia Guajajara, Marina Silva e Nísia Trindade (Saúde) para a entrega de uma carta para o presidente Lula —que não estava na reunião e foi acusado por isso de “dar um bolo no cacique.” Raoni cobrou urgência na retirada do garimpo ilegal dos territórios indígenas e o combate à extração ilegal de madeira.
Imagem do banner: Apresentação do povo Kayapó na abertura dos Diálogos Amazônicos. Foto: João Paulo Guimarães