Há uma ambivalência entre as autoridades amazônicas: elas aderem a discursos de proteção ambiental, mas também apoiam programas de infraestrutura que promovem o desmatamento. De acordo com Killeen, isso se reflete em orçamentos, planos de desenvolvimento e declarações públicas.
Nessa seção, o autor de “A Perfect Storm” detalha a experiência no Brasil com diferentes autoridades amazônicas, de governadores a prefeitos, que muitas vezes se concentram na expansão do agronegócio para aumentar o valor da terra.
Entre os exemplos apresentados, destaca-se o caso da estrada binacional que foi planejada entre as cidades de Cruzeiro do Sul (Brasil) e a fronteira com o Peru. O projeto foi interrompido após uma ordem judicial que exigia o consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas afetadas.
As autoridades eleitas na Amazônia brasileira adotaram a retórica do desenvolvimento sustentável e muitos apoiam programas que promovem paradigmas de produção sustentável. No entanto, há um grande número que ainda apoia investimentos em infraestrutura que, sabidamente, impulsionam o desmatamento.
Quais são os motivos que os levam a seguir caminhos de desenvolvimento aparentemente contraditórios? Ou assumem que as práticas sustentáveis se enraizarão e que o desenvolvimento em torno da infraestrutura será positivo, ou não entendem a conexão entre os dois tipos de iniciativas, ou duvidam do valor das opções sustentáveis e estão se precavendo, ou estão tentando agradar a todos os seus eleitores, o que, obviamente, é a explicação mais provável para o comportamento de qualquer político. As evidências de sua disposição de jogar nos dois lados desse debate podem ser encontradas em seus orçamentos, em seus planos de desenvolvimento estratégico e, é claro, em suas declarações públicas.
Talvez o praticante mais notório dessa estratégia política seja o atual governador do Pará, Helder Barbalho (2019-atual). No lado verde de sua agenda há o compromisso de eliminar todas as formas de desmatamento ilegal até 2025 e seu entusiasmo pelo desenvolvimento da bioeconomia do estado, especialmente o cultivo de açaí. Como anfitrião da conferência internacional sobre o clima COP30 em Belém em novembro de 2025, Helder espera destacar essas iniciativas como parte da contribuição do Brasil para o esforço global de combate às mudanças climáticas. Essa visão também se manifesta no plano de desenvolvimento estratégico de vinte anos dos estados, que prevê uma economia diversificada com um amplo espectro de sistemas de produção e um compromisso com a conservação ambiental. No lado não tão verde da agenda do governador está seu apoio às formas legais de desmatamento e à expansão da mineração e do agronegócio.
O governador é um forte defensor do investimento em sistemas de transporte a granel, incluindo a construção da Ferrovia Paraense no sudeste e da Ferrogrão (EF-171) no sudoeste, bem como a expansão de instalações portuárias e terminais de grãos nos rios Tapajós, Tocantins e Amazonas. O documento de planejamento estratégico reforça essa visão ao projetar a possibilidade de triplicar a produção de minérios até 2030 e dobrar as exportações por meio da expansão de indústrias metalúrgicas de valor agregado e uso intensivo de energia. No entanto, em vez de diversificar a economia do estado, a estratégia proposta aumentaria de 25 para 35% a contribuição do setor de mineração para o PIB , ao mesmo tempo em que expandiria sua cobertura espacial de 55 para 89 municípios.

Os sucessivos governos do Mato Grosso têm se concentrado intensamente na expansão da economia agrícola industrial do estado, agregando valor às cadeias de suprimento de commodities e diversificando seus modelos de agronegócio. Isso inclui investimentos na rede rodoviária regional, bem como a construção da Ferrogrão e de outras linhas ferroviárias (EF-354 e EF-364), que reduzirão os custos logísticos e tornarão os produtores de grãos do estado mais competitivos. As autoridades eleitas, bem como os líderes empresariais, têm plena consciência de que os consumidores estrangeiros consideram os produtores do estado como uma das principais causas do desmatamento, e estão buscando estratégias para proteger seus produtores de boicotes internacionais. O estado, que já teve as maiores taxas de desmatamento do Brasil (1977-2005), reduziu radicalmente a perda florestal entre 2007 e 2012, quando os órgãos estaduais começaram a aplicar as leis ambientais usando tecnologia de sensoriamento remoto para identificar propriedades onde a vegetação florestal havia sido desmatada ilegalmente. Embora essas políticas tenham sido bem-sucedidas na identificação de infratores, o estado não teve tanto sucesso na cobrança das multas e taxas estipuladas pelas regulamentações federais e estaduais.
Aplicação da legislação ambiental e tendências de políticas na Amazônia brasileira
A aplicação da lei ambiental foi relaxada em 2019 após a eleição do atual governador (Mauro Mendes), que se alinhou ao governo Bolsonaro e declarou seu apoio a uma proposta legislativa (PL-337) para excluir Mato Grosso da entidade reguladora conhecida como “Amazônia Legal”. Se promulgada, a lei permitiria que os proprietários de terras desmatassem uma proporção maior de vegetação nativa e escapassem da responsabilidade legal por transgressões passadas. Por outro lado, o estado do Acre adotou políticas para promover uma “economia florestal” entre 2000 e 2018, quando os irmãos Viana procuraram aproveitar o legado de Chico Mendes expandindo a rede de reservas de uso sustentável do estado. Eles também apoiaram a demarcação de territórios indígenas e estabeleceram um sistema de pagamento por serviços ambientais (PSAs) que recompensava os proprietários de terras pela conservação de florestas remanescentes. No entanto, apesar de seus esforços, o setor de carne bovina continuou a dominar a economia regional, com um rebanho de gado que aumentou cerca de 5% ao ano entre 2000 e 2018. Embora o desmatamento tenha diminuído entre 2007 e 2012, ele sempre foi um componente consistente do uso regional da terra.
Os eleitores acabaram se dirigindo a políticos mais abertamente comprometidos com o desenvolvimento convencional e, em 2018, elegeram o atual governador (Gladson Cameli), um apoiador declarado do setor de carne bovina e proponente da construção da Rodovia Binacional, a rodovia proposta entre a cidade natal de Cameli, Cruzeiro do Sul, e a fronteira com o Peru. No entanto, o planejamento da rodovia foi interrompido quando um tribunal federal ordenou que o governo obtivesse o consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas que seriam afetadas pela polêmica rodovia. Apesar da diferença de filosofia política, a administração Cameli continua a apoiar vários programas patrocinados pelo estado para promover a conservação e subsidiar as comunidades florestais, demonstrando que o legado de Chico Mendes continua tendo apoio popular no estado e a tendência dos políticos de prometer tudo a todos.

Da mesma forma, as autoridades eleitas do estado do Amazonas buscam investir tanto nos componentes sustentáveis quanto nos convencionais da economia regional. No lado sustentável do cenário estão os programas para promover o manejo florestal certificado e a agrossilvicultura, a pesca e a aquicultura e o ecoturismo, todos eles baseados no histórico desse estado de estabelecer Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) dentro do sistema estadual de áreas protegidas. O programa estadual mais bem-sucedido é o manejo comunitário do pirarucu (Arapaima gigas), um peixe que já esteve ameaçado de extinção e cujas populações se recuperaram e aumentaram em mais de 600% após décadas de exploração excessiva pela pesca comercial.
O programa, que teve como pioneiro o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, foi recentemente expandido para 25 municípios, onde irá gerar benefícios econômicos para mais de 7.500 famílias.
Um programa ainda mais polêmico é o esforço para repavimentar a BR-319, que, segundo seus proponentes, beneficiará o comércio regional ao criar uma ligação terrestre durante todo o ano entre Manaus e o resto do Brasil. A rodovia tem o apoio do atual governador (Wilson Lima), que já foi membro do Partido Verde (2012-2016) e aliado de Marina Silva (2018). O governador afirma que a estrada polêmica pode ser desenvolvida como “rodovia verde”, com medidas especiais para evitar a grilagem de terras e o desmatamento. Como era de se esperar, os oponentes estão céticos quanto ao cumprimento desse compromisso pelas autoridades, principalmente considerando as propostas de construção de duas estradas totalmente novas que ligariam a BR-319 às aldeias nos rios Madeira (Borba/AM-3549) e Purus (Tapauá/AM-366). Outra tentativa de equilibrar os modelos econômicos ecológicos e convencionais foi a recente aprovação da Licença de Instalação para uma mina de potássio em Autazes. A licença foi aprovada depois que o proprietário da mina (Brazil Potash) obteve o apoio de líderes indígenas locais. Os oponentes, no entanto, alegam que os acordos não cumpriram os protocolos para obter o “consentimento livre, prévio e informado” de todas as comunidades indígenas locais.

Planos e contradições em outros estados da Amazônia
Todos os demais estados amazônicos têm escritórios de planejamento estratégico repletos de promessas de sustentabilidade, mas nenhum publicou um plano integrado que possa demonstrar como atingiriam suas metas. As autoridades de Rondônia enfatizam o valor da infraestrutura logística na hidrovia do Madeira, ao mesmo tempo em que apoiam a diversificação dos sistemas de produção dos pequenos agricultores e o esforço (há muito adiado) para concluir o processo de certificação da posse da terra. O Maranhão erradicou em grande parte sua floresta nativa e agora suas paisagens de Cerrado estão sendo incorporadas à região de produção de soja e milho conhecida como MATOPIBA. As autoridades do Tocantins também buscam expandir o agronegócio e apoiar a expansão a montante da hidrovia do Tocantins como um sistema de transporte a granel. Roraima tem um eleitorado excepcionalmente forte que apoia o garimpo de ouro, enquanto seus líderes cívicos expressam aspirações para a expansão do agronegócio; as organizações indígenas se opõem veementemente ao desenvolvimento convencional, mas seus membros representam menos de 15% dos eleitores, uma estatística que pode diminuir no curto prazo, pois as paisagens de colonização do estado, há muito adormecidas, atraem um novo fluxo de colonos.
Municípios
Os governos municipais na Amazônia Legal são tão diversos quanto a própria região, variando de lugares como Campos de Júlio (Mato Grosso), um vasto campo de soja na fronteira entre os biomas da Amazônia e do Cerrado, e Canaã dos Carajás (Pará). Em contraste, a comunidade fronteiriça de Novo Progresso (Pará) é habitada em grande parte por pioneiros, muitos dos quais são grileiros, enquanto a próspera cidade de Ariquemes (Rondônia) é cercada por pequenas fazendas estabelecidas na década de 1970. Municípios grandes em área, mas pouco povoados, são habitados por povos indígenas (Santa Isabel do Rio Negro, Amazonas), comunidades ribeirinhas da várzea amazônica (Gurupá, Pará) e famílias que vivem em reservas extrativistas (Xapuri, Acre).
Como os políticos em todos os lugares, as autoridades eleitas refletem as aspirações de seus eleitores.

Por exemplo, o prefeito de Itaituba, no Pará, é um ex-mineiro que agora controla o órgão municipal responsável pela aprovação das licenças ambientais para garimpeiros de ouro em pequena escala. Ele afirma que o processo de licenciamento motiva os garimpeiros a melhorar suas operações e que a maioria deles deseja converter seus campos de mineração em comunidades legalmente constituídas, a fim de obter qualificação para programas de melhoria de escolas e instalações de saúde. O prefeito de São Félix do Xingu, no Pará, tem impedido repetidamente a expulsão de grileiros da Terra Indígena Apyterewa, ações amplamente apoiadas pelos habitantes do município que apresenta os maiores índices de desmatamento e grilagem de terras no Brasil.
Algumas autoridades eleitas participam ou lideram ações ilegais, como o prefeito de Humaitá, Amazonas, que se juntou a uma multidão de garimpeiros descontentes que incendiaram os escritórios do IBAMA após a Operação Ouro Fino, uma ação policial que desativou 37 barcaças no Rio Madeira em 2017. Em seguida, o prefeito, quatro membros do conselho municipal e dois deputados do legislativo estadual convocaram uma reunião com as autoridades ambientais que resultou em uma suspensão temporária das atividades de fiscalização. O IBAMA prevaleceu e encerrou as operações de mineração ilegal em uma hidrovia federal, mas as tensões continuam altas e os mineradores recorreram novamente à desobediência civil para pressionar as autoridades para que permitam o que eles consideram ser uma atividade econômica legítima.
Há, é claro, autoridades eleitas que apoiam iniciativas de conservação, especialmente aquelas que têm a sorte de ter as suas cidades como sede de um destino turístico de primeira linha, como Novo Airão e Barcelos (Amazonas), ou Alter do Chão, perto de Santarém (Pará), ou onde os povos indígenas constituem a maioria absoluta, como São Gabriel do Rio Negro (Amazonas). Os habitantes da Amazônia têm uma compreensão inata de que se beneficiam da natureza. No entanto, a maioria também apoia projetos de infraestrutura específicos que beneficiam suas comunidades e os sistemas de produção convencionais dos quais dependem.
Imagem destacada: O manejo comunitário do pirarucu (Arapaima gigas), um peixe que já esteve ameaçado de extinção e cujas populações se recuperaram em mais de 600% após décadas de superexploração pela pesca comercial. O programa consiste em zonear lagoas de várzea em áreas de “reserva” e “colheita”. O programa não apenas estabilizou as populações, mas também levou a um aumento na produção, já que o tamanho médio dos peixes capturados aumentou em quase 50% nas últimas duas décadas. Crédito: Bernardo Oliveira / Instituto Juruá.