Quatro mil alunos plantaram quase 10 mil árvores em escolas públicas de São Paulo até o final de 2022. Em 2023, serão implementadas mais oito miniflorestas.
A iniciativa da ONG formigas-de-embaúba tem o potencial de alcançar 650 escolas públicas na cidade, segundo levantamento do MapBiomas.
Inspirada nos conhecimentos e na cosmologia dos povos originários, a ONG conta com a participação de lideranças Guarani da TI Jaraguá no projeto.
Com o agravamento do aquecimento global, especialistas consideram as miniflorestas em escolas uma potente estratégia para criar uma rede democrática de “cooling places”, ou oásis urbanos.
A embaúba (Cecropia pachystachya), árvore resistente e pioneira utilizada na regeneração da Mata Atlântica, tem uma peculiaridade: o interior de seu tronco é oco e abriga formigas. Enquanto as formigas do gênero Azteca se alimentam de pequenas bolinhas nutritivas que crescem na base das folhas, elas defendem a árvore, afugentando outros insetos e animais herbívoros.
“A ideia é de cooperação, de trabalho em conjunto”, explica Gabriela Arakaki, uma das fundadoras da ONG batizada de formigas-de-embaúba, que se propõe a verdejar escolas da área urbana de São Paulo, estimulando o ativismo das crianças e das comunidades dos entornos para o plantio de miniflorestas.
“A gente fez bolas de sementes e jogou na floresta para ficar com árvores bem grandes”, conta Gabriel Matias da Silva, de 6 anos, enquanto gesticula esticando os braços para o alto tanto quanto consegue. Gabriel é ativista mirim e estudante da Educação Infantil do Centro Educacional Unificado (CEU) Paraisópolis, centro de educação, cultura e lazer da Prefeitura de São Paulo na Zona Sul, que recebeu em outubro de 2022 uma minifloresta composta por mais de 800 mudas de cerca de cem espécies.
Integrante do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, a ONG formigas-de-embaúba coordenou o plantio colaborativo de 11 miniflorestas em CEUs da cidade de São Paulo até o final de 2022, chegando a quase 10 mil árvores plantadas com o protagonismo de mais de 4 mil alunos no processo de restauração florestal.
“Este ano serão mais oito miniflorestas. Cada uma delas com cerca de 400 metros quadrados”, conta Rafael Ribeiro, também fundador da formigas-de-embaúba. “A gente planta numa metodologia bastante adensada, quer dizer, não é uma árvore aqui outra lá, como você costuma ver na cidade”.
Ainda que o objetivo central do projeto não seja produzir alimentos, cada vez mais as miniflorestas mostram sua vocação de ofertar uma variedade composta por mandioca, milho, feijão, couve, batata-doce, tomate e abóbora, que contribuem com a adubação verde e com o crescimento da própria floresta – enquanto a batata-doce vigora, o capim não tem chance de sufocar mudas ainda muito jovens.
As miniflorestas trazem também para a fruteira espécies nativas da Mata Atlântica. Pitangueiras, cambucis, araçás e amoreiras são colocadas nas bordas do plantio para receberem o calor do sol e serem acessíveis ao paladar dos passantes.
“Teve família que guardou sementes em casa e enviou. Tem avós que mandaram pés de abacate e a gente já plantou. Agora tem um pé de caju que vão enviar pra gente”, conta Magda Miranda, professora da Educação Infantil no CEU Paraisópolis, que chamou também os pais para participarem da elaboração de bolas de sementes para serem lançadas na minifloresta. “A comunidade está envolvida. Os pais ficaram encantados.”
“A gente nunca falou para eles trazerem as sementes. Foi uma coisa que partiu deles”, lembra Lucia Bueno, também professora no CEU Paraisópolis.
A iniciativa, com o potencial de alcançar 650 escolas públicas de São Paulo – todas com espaço adequado para o plantio, segundo levantamento do MapBiomas –, pode ser a sementeira para um plano abrangente de adaptação ao clima, como visualiza Denise Duarte, coordenadora de pesquisas sobre microclimas urbanos e adaptação de cidades e edifícios às mudanças climáticas.
“Eu enxergo um potencial ainda maior nessa ideia de usar as escolas como espaços para verdejar”, diz Denise, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). “A gente já tem experiências de outras cidades, como o uso das escolas no plano climático de Paris, por exemplo. Elas são parte da rede do que eles chamam de cooling places (locais de resfriamento), que eu traduzo com meus alunos como oásis urbanos”.
Povos originários como inspiração
Feito uma minifloresta humana, forma-se um grande círculo dos alunos do oitavo ano que ajudaram a plantar as mais de 800 árvores no CEU Paraisópolis em outubro do ano passado. Eles estão ali para modelar em argila e sementes os bonecos chamados “guardiões da floresta”, que serão depois instalados em meio ao plantio, como forma de valorizar e rememorar o percurso de vivências trilhadas junto aos educadores em torno daquele reflorestamento. “Eu plantei feijão, plantei um montão de coisas!”, lembra um aluno.
Ao longo do semestre, crianças e jovens passaram por seis vivências ao ar livre, incluindo caminhadas de observação, medição da temperatura em áreas verdes e áreas pavimentadas, coleta de amostras de terra e pintura, elaboração de muvuca e bolas de sementes, o plantio da minifloresta em si e a modelagem de guardiões. “Debaixo da árvore tem um ar mais fresco”, lembra outra aluna.
“Não tem como não se inspirar nas filosofias dos povos originários para pensar como trazer a floresta para este ambiente”, afirma Gabriela. “Plantar floresta não tem apenas o ideário ambiental, tem o lado artístico, espiritual e político. Os indígenas são os guardiões das florestas e dos biomas. Nos territórios indígenas ainda temos biomas preservados e a gente quer se inspirar nisso”.
Márcio Bogarim é uma das lideranças da Tekoa Yvy Porã, aldeia na Terra Indígena Jaraguá, região noroeste de São Paulo, que participa do projeto fornecendo sementes crioulas e dando aulas de formação a educadores. “Para nós, como um povo originário Guarani da linha Ñandeva, aqui na cidade de São Paulo a mata é um lugar sagrado, um lugar onde os espíritos da mata habitam protegendo as nascentes, os pássaros, os animais e também as árvores”, diz Márcio. “Nós dependemos da Mata Atlântica. São Paulo está inserida nessa preservação porque nós entendemos que precisamos dela para nossa vida, para o nosso espírito ficar sempre forte.”
Com inspiração na agricultura guarani, na permacultura, na agrofloresta e em princípios de cuidado do solo elaborados pelo botânico japonês Akira Miyawaki especificamente para florestas urbanas, a formigas-de-embaúba alimenta o ativismo da comunidade escolar com o objetivo principal de restaurar a biodiversidade da Mata Atlântica.
“Tem uma série de efeitos positivos locais e cada vez mais estamos ganhando escala na cidade. A gente está trabalhando em conjunto com o MapBiomas e fizemos um levantamento na cidade inteira. Estamos agora visitando muita escola para a gente ter um banco de dados”, explica Rafael.
Terra à vista
Segundo o mapeamento das áreas urbanizadas no Brasil, divulgado em novembro de 2022 pelo MapBiomas, as áreas urbanizadas cresceram 3,2% ao ano entre 1985 e 2021.
“São Paulo é a maior aglomeração que a gente tem no país em termos de população e em termos de área urbanizada também”, diz Mayumi Hirye, coordenadora de Infraestrutura Urbana do MapBiomas. “A Mata Atlântica é o bioma que a gente historicamente primeiro ocupou no país e é o bioma que tem mais cidades e mais perda de floresta nativa. As nossas maiores cidades estão na Mata Atlântica”.
Junto com uma equipe, Mayumi trabalhou no mapeamento dos espaços propícios para miniflorestas nas escolas públicas de São Paulo. A equipe uniu dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) com dados de localização das escolas da Prefeitura de São Paulo, casando essas informações com imagens de satélite para chegar aos espaços mais adequados.
“A gente fez uma classificação do que seriam as áreas livres não pavimentadas com declividade menor do que 20%. Isso foi o que a gente extraiu dessas bases de dados e da nossa interpretação das imagens”, explica Mayumi sobre os 650 trechos de terra livre mapeados nas diversas escolas de São Paulo.
Mayumi já consegue prever. “À medida que o projeto for avançando, a gente vai conseguir ver que são fragmentos de Mata Atlântica que vão podendo se conectar e penetrar um pouco na cidade.”
A floresta como ar-condicionado
“O que acontece na cidade é uma sobreposição de vários efeitos de aquecimento”, conta Denise Duarte.
O aquecimento global atinge o planeta inteiro e contribui com a intensificação de ondas de calor, que antes eram esporádicas, mas ocorrem cada vez com maior frequência e intensidade. O adensamento populacional nos centros urbanos, com a verticalização das construções e a impermeabilização do solo, é mais uma camada agravante. Daí surgem as chamadas ilhas de calor.
Em campos ou florestas, o aquecimento é absorvido pela grama, pela vegetação, pela água e, à noite, o calor ainda se dissipa. Já nas áreas urbanas, as superfícies impermeáveis tendem a acumular o calor e a relação de altura e largura das construções, com menos espaço aberto, dificulta o resfriamento. “Durante a noite esse calor fica retido. E aí o centro urbanizado à noite fica mais aquecido”, diz Denise.
Enquanto Paris tem investido em florestas urbanas, inclusive nas escolas, com a intenção de se tornar a cidade mais verde da Europa, cidades americanas e canadenses já trabalham com um mapa que direciona as pessoas a chegarem a cooling places em momentos de calor extremo. Trata-se, no entanto, de edifícios públicos como escolas, museus ou centros culturais equipados com ar-condicionado.
“Quando eu caio na estratégia do ar-condicionado como solução para o problema, eu demando mais energia, o que é um ciclo vicioso péssimo para a mudança do clima porque vai demandar mais geração”, comenta Denise. “Eu estou jogando o calor que eu retiro desses espaços para um ambiente urbano, contribuindo ainda com mais calor antropogênico para o aquecimento da cidade”.
Considerando este cenário, Denise vê na iniciativa de florestar as escolas um grande potencial.
“Imagina um evento extremo de onda de calor na cidade, como a gente vai ter cada vez com mais frequência. Em dias de calor extremo, a escola pode abrigar pessoas, ela pode abrir no final de semana, ela pode abrir no período noturno. Então, o fato de ter escola pela cidade inteira ajuda a democratizar essa rede de cooling places ou oásis urbanos para muito mais gente”.
Márcio lembra que a floresta é de todos. “A conexão entre nós e a floresta não é restrita ao povo indígena, isso é para todos os seres humanos. Como parte do nosso próprio corpo, essas plantas vão se tornar grandes árvores. Esse é o sagrado que o povo tem esquecido. Se esqueceram disso e perguntam o que é o sagrado, qual a forma do sagrado. A água é o sagrado. O sagrado é o que dá vida.”
Imagem do banner: Plantio de minifloresta no CEU Paraisópolis, São Paulo. Foto: formigas-de-embaúba/Zalika Produções