Grupo de pesquisadores analisou o impacto das ações de conservação desde a Eco-92. Segundo o estudo, pelo menos 21 espécies de aves e 7 de mamíferos no mundo escaparam de desaparecer.
Cinco espécies de aves salvas da extinção vivem no Brasil, entre elas o mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) e a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).
Enquanto algumas espécies voltaram à natureza, outras entraram em extinção durante as duas últimas décadas.
Os pesquisadores acreditam que o estudo possa se tornar uma importante fonte científica para a elaboração de novas políticas de conservação.
Em 1992, líderes globais reunidos durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, assinaram a chamada Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), para promover o desenvolvimento sustentável. Dezoito anos mais tarde, em 2010, em outro encontro, desta vez na província de Aichi, em Nagoya, no Japão, 193 países assinaram um compromisso com 20 metas para reduzir a pressão global sobre o mundo natural. Entre as chamadas Metas de Aichi para a Biodiversidade, a número 12 estabelecia que, até 2020, fosse evitada a extinção de espécies ameaçadas, especialmente aquelas com população em declínio, e que seu status fosse melhorado e mantido.
Interessados em saber não apenas se esse compromisso foi atingido, mas também quantificá-lo, um grupo de pesquisadores internacionais, liderados por cientistas da Newcastle University, do Reino Unido, fizeram um levantamento para descobrir quantas espécies de aves e mamíferos deixaram de ser extintas graças a esforços de conservação.
“Queríamos identificar quantas extinções foram evitadas desde 1993, quando entrou em vigor a Convenção sobre Diversidade Biológica, e desde 2010, quando foram adotadas as últimas metas relativas a ela, incluindo aquela sobre prevenção de extinções. Nosso objetivo era saber como a política impactou o número de extinções evitadas”, explica Rike Bolam, principal autora do estudo, publicado na revista Conservation Letters.
Os pesquisadores decidiram focar apenas em aves e mamíferos, pois são os grupos de animais mais estudados pela ciência, com maior quantidade de dados globais disponíveis. Só foram analisadas espécies que constassem na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza como “extintas na vida selvagem”, “criticamente ameaçadas” ou “ameaçadas”.
Após um extenso levantamento, o time apurou que ações de conservação evitaram entre 21 a 32 extinções de aves e 7 a 16 de mamíferos desde 1993, e entre 9 a 18 extinções de aves e 2 a 7 mamíferos desde 2010.
Apesar do trabalho de governos e organizações não governamentais em prol da conservação, dez espécies de aves e cinco de mamíferos entraram em extinção nos últimos 17 anos (ou há fortes suspeitas de que isso tenha acontecido).
Todavia, os cientistas ressaltam que se nada tivesse sido feito, essas taxas poderiam ter sido entre 2,9 a 4,2 mais altas.
“É animador que algumas das espécies que estudamos tenham se recuperado muito bem. Nossa análise, portanto, fornece uma mensagem positiva de que a conservação reduziu substancialmente as taxas de extinção de pássaros e mamíferos. Embora extinções também tenham ocorrido no mesmo período de tempo, nosso trabalho mostra que é possível preveni-las”, afirma Bolam.
Que espécies desapareceram e quais foram salvas da extinção
Entre as espécies de mamíferos que suspeita-se terem sido extintas na natureza desde 1993 estão uma espécie de marsupial de Papua-Nova Guiné, um golfinho de água doce da China e um macaco da África. Já o morcego Pipistrellus murrayi e o pequeno roedor Melomys rubicola, ambos da Austrália, têm sua extinção assegurada pela ciência. Vale ressaltar que esse é um processo que leva tempo, algumas vezes muitos anos para se ter a confirmação definitiva
Quanto às aves possivelmente extintas na vida selvagem, há uma brasileira, a caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), uma pequena coruja nativa do estado que leva seu nome. Os cientistas também acreditam que a arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus), que era observada não apenas no Brasil, mas ainda em áreas da Argentina, Paraguai e Uruguai, também tenha sido extinta.
“Todas as espécies de pássaros que desapareceram viviam em ilhas como Galápagos ou Havaí, ou na América Central ou do Sul. Para as aves de ilhas, as principais ameaças foram espécies invasoras em combinação com a perda de habitat. Para as da América Central ou do Sul foi principalmente perda de habitat, muitas vezes em combinação com a caça”, revela a pesquisadora da Newcastle University.
Do lado das boas notícias, os cientistas conseguiram apurar que espécies como o lince-ibérico (Lynx pardinus); o condor-da-califórnia (Gymnogyps californianus); o porco-pigmeu (Porcula salvania), nativo da Índia; o cavalo-de-przewalski (Equus ferus przewalskii), equino selvagem da Mongólia; e o papagaio-de-porto-rico (Amazona vittata), dentre outras, conseguiram aumentar o número de suas populações.
O cavalo-de-przewalski (Equus ferus przewalskii), equino selvagem da Mongólia, chegou a ser extinto na natureza na década de 1960. Após ações com indivíduos em cativeiro, a espécie foi reintroduzida e hoje conta com cerca de 400 exemplares em liberdade. Foto: Garrett Ziegler/CC BY-NC-ND 2.0.
Ações de conservação com melhores resultados
Além de fazer o levantamento de quais animais conseguiram ser salvos da extinção nas últimas décadas, os cientistas avaliaram ainda quais foram as estratégias preservação mais bem-sucedidas. Segundo Rike Bolam, entre as mais efetivas estão o controle de espécies invasoras, proteção de áreas naturais e conservação ex-situ. Esta última envolve ações realizadas fora do ambiente natural de uma espécie, como por exemplo, a reprodução em cativeiro.
Dos casos analisados, 20 espécies de aves se beneficiaram de trabalhos feitos em zoológicos e refúgios de vida silvestre. Um exemplo é o do papagaio-de-porto-rico. A população do Amazona vittata chegou a ter apenas 13 indivíduos na natureza. Entretanto, em 2006, iniciou-se um processo de reintrodução no Parque Estadual Río Abajo. Sete anos mais tarde, as estimativas indicam que já sejam entre 80 e 100 aves, distribuídas em duas áreas distintas.
Bem longe do continente americano, na Mongólia, outro projeto de reintrodução obteve ótimos resultados. O Equus ferus przewalskii, um tipo de cavalo selvagem, foi extinto na década de 1960. Após trinta anos, exemplares criados em cativeiro foram soltos na natureza e, em 1996, nasceu o primeiro filhote. Atualmente são aproximadamente 400 cavalos-de-przewalski livres em seu habitat original.
Rike Bolam destaca que um dos objetivos do estudo internacional era se tornar uma importante fonte científica para a elaboração de novas políticas de conservação: “Precisamos evitar as causas subjacentes que estão levando à extinção de espécies, como a perda de habitat por meio da expansão agrícola. Existem modelos que sugerem que podemos conseguir isso ao mesmo tempo que garantimos a segurança alimentar, por exemplo, minimizando o desperdício de alimentos. Outro ponto necessário são as ações de conservação voltadas para as espécies mais ameaçadas, como as do nosso estudo, muito próximas da extinção”.
Os bons exemplos do Brasil
As 32 espécies de aves cuja extinção foi provavelmente evitada entre 1993 e 2020 são endêmicas de 25 países, incluindo seis da Nova Zelândia, cinco do Brasil e três do México. É preciso ressaltar que dos dez países do planeta com o maior número de espécies de aves, seis ficam na América do Sul. Colômbia, Peru e Brasil aparecem no topo dessa lista.
Ao longo das últimas décadas, entidades não-governamentais, órgãos públicos e criadores particulares têm trabalhado em parceria para preservar a diversidade e a sobrevivência de muitas aves brasileiras.
O estudo global menciona que cinco delas conseguiram melhorar seu status graças a esses esforços. São elas a choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), o mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), o mutum-de-bico-vermelho (Crax blumenbachii), a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) e a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).
Ave símbolo da Caatinga, há mais de 20 anos a ararinha-azul não é mais vista voando no bioma. Mas um programa de reintrodução da espécie, que contou com criadores internacionais e muita polêmica, conseguiu fazer com que 52 indivíduos, vindos da Alemanha, fossem levados para a Bahia em março deste ano. Atualmente passando por um processo de adaptação com o clima e a alimentação locais, há expectativa que eles sejam soltos em uma reserva de proteção em Curaçá no ano que vem.
Extinto na natureza desde a década de 1980, o mutum-de-alagoas já voltou a colorir áreas da Mata Atlântica. A história de sucesso começou em 1979, quando o criador Pedro Nardelli resgatou cinco mutuns de uma área prestes a ser desmatada. Nos anos seguintes, uma rede que contou com a participação de especialistas e institutições de vários estados, como o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e a Crax – Sociedade de Pesquisa do Manejo e da Reprodução da Fauna Silvestre, em Belo Horizonte (MG), conseguiu aumentar bastante o número de animais existentes em cativeiro.
“Foram muito importantes os trabalhos genéticos realizados, que tiveram foco no aconselhamento para os melhores acasalamentos, de modo a preservar o máximo possível da variabilidade genética ao longo das gerações e aumentar os níveis de heterozigose do plantel”, diz Mercival Roberto Francisco, biólogo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), uma das entidades envolvidas na reintrodução.
No ano passado, finalmente, após 40 anos, três casais de mutuns-de-alagoas foram soltos na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Mata do Cedro, no município de Rio Largo, próximo à cidade de Maceió.
Entretanto, o trabalho de reintrodução ainda está longe do fim. “As aves serão monitoradas, permanentemente, por rádio transmissor. Precisamos acompanhar as principais informações sobre a biologia da espécie e, também, evitar a caça e ou captura”, revela Roberto Azeredo, da Crax.
Garantir a segurança da área de soltura é certamente um dos maiores desafios no processo de reintrodução de qualquer animal. “A caça ainda é uma prática muito comum em diversas partes do Brasil e no estado de Alagoas isto não é diferente”, diz Francisco.
Se tudo der certo, o plano é introduzir mais três casais na natureza, por ano, até 2024. “Devido ao fato de não haver mais áreas contínuas de Mata Atlântica no Nordeste brasileiro, muito possivelmente deverão ser formadas algumas populações em diferentes fragmentos de mata. Embora no momento ainda seja difícil prever, acreditamos que um número de 30 casais reprodutivos por área seria um número seguro”, prevê o biólogo.
A Crax também é a responsável pelo trabalho feito em relação a outro mutum, o do bico-vermelho. Essa lindíssima ave, com o corpo negro, a crista imponente, e o bico chamativo, quase foi dizimada. Nos últimos 40 anos, a equipe de Azeredo conseguiu reproduzir centenas de indivíduos em cativeiro. Cerca de 400 deles já voltaram à vida selvagem.
Imagem do banner: Mutum-de-bico-vermelho (Crax blumenbachii). Foto: Leonardo Merçon.