A Igreja Católica agendou um Sínodo para outubro, uma reunião na qual bispos e sacerdotes (e uma freira) dos nove países da Amazônia latino-americana discutirão questões ambientais, indígenas e de mudanças climáticas.
Membros do novo governo brasileiro de direita de Jair Bolsonaro estão focados no evento com suspeita, vendo-o como um ataque da igreja progressiva à soberania nacional.
Para mostrar sua oposição ao Sínodo do Amazonas, o governo brasileiro planeja patrocinar um simpósio rival em Roma, apenas um mês antes do encontro do Papa, para apresentar exemplos da “preocupação e cuidado do Brasil com a Amazônia”.
Em questão estão dois pontos de vista opostos: a Igreja Católica, sob a autoridade do Papa Francisco, vê-se e a todas as nações como mordomos da Terra e de povos tradicionais e indígenas menos privilegiados. Bolsonaro, no entanto, e muitos de seus aliados ruralistas e evangélicos, vê a Amazônia como um recurso a ser usado e desenvolvido livremente pelos seres humanos.
Um sínodo especial de três semanas focado na região amazônica, que deve ser realizado no Vaticano, em Roma, Itália, neste outubro tem antagonizado o governo Bolsonaro, que o considera uma interferência na soberania nacional do Brasil.
O Sínodo tem um nome que soa aparentemente inócuo: “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. No entanto, para o Conselheiro de Segurança Nacional do presidente brasileiro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI, “é preocupante e queremos neutralizá-lo”.
O General Heleno teme que o clero progressivo usará o Sínodo para criticar as políticas governamentais da Amazônia que, embora ainda estejam sendo criadas, provavelmente incluirão uma proibição das novas demarcações de reservas indígenas, a abertura de terras indígenas à concessões de mineração, e a construção de inúmeros megaprojetos de infraestrutura, incluindo estradas, ferrovias e barragens – políticas que poderiam impactar grandemente as áreas de conservação e reservas indígenas, e causar um grande aumento no desmatamento, colocando as metas de redução de carbono do Brasil do Acordo de Paris de 2015 em risco.
O Sínodo surgiu do encíclica de 2015 do Papa Francisco Laudato Si, “sobre o cuidado da casa comum” que fez um chamado para ação sobre o aquecimento global e apontou a região amazônica pan-americana como área de preocupação – o documento causou consideráveis controvérsias na América Latina. Bispos e sacerdotes (e uma freira) dos nove países que englobam a floresta amazônica participarão do Sínodo, juntamente com representantes de ONGs que atuam na região. No entanto, o governo de direita de Jair Bolsonaro parece considerar os temas a serem discutidos, incluindo as mudanças climáticas e os povos indígenas, parte de uma agenda de esquerdista.
A Igreja Católica tem uma longa conexão com a Amazônia. Os missionários chegaram à América do Sul com os conquistadores e as ordens religiosas estabeleceram igrejas, escolas e hospitais na região do rio Amazonas e seus afluentes durante 400 anos. Seu objetivo era converter os povos indígenas, mas depois que a Teologia da Libertação se espalhou pela região nas décadas de 60 e 70 , seu foco passou a ser respeitar as culturas indígenas e defender seus direitos de terra.
Em 1975, os bispos que trabalhavam na Amazônia brasileira formaram o CPT – a Comissão Pastoral da Terra – para denunciar a violência que estava sendo usada contra as populações tradicionais e os recém-chegados colonos, ou camponeses, que emigraram do sul do Brasil para a Amazônia, e que, uma vez que haviam feito o trabalho árduo de limpar terras, estavam sendo violentamente despejados por fazendeiros e latifundiários.
A Igreja pagou um caro preço por sua advocacia quando bispos, sacerdotes e freiras foram perseguidos. Vários foram assassinados por causa de seu trabalho. Mesmo após a ditadura militar do Brasil ter terminado em 1985, ativistas religiosos continuaram a ser alvos. Em 2005, a Irmã Dorothy Stang, uma freira americana da congregação de Notre Dame, trabalhando na pequena cidade de Anapu na rodovia Transamazônica, foi assassinada por defender camponeses. Seu sucessor, Padre Amaro, continua a enfrentar assédio, além de acusações feitas contra ele por latifundiários locais e ruralistas – apoiantes rurais do agronegócio de grande porte.
Embora a Igreja Católica de hoje não seja mais a força política poderosa que uma vez foi, parece que o governo Bolsonaro, eleito com imenso apoio das igrejas evangélicas, ainda está muito preocupado com sua influência. Da mesma forma se sentem os generais aposentados e outros altos oficiais militares que possuem cargos importantes no governo, que parecem estar definindo os planos de Bolsonaro para a Amazônia. Muitos deles parecem manter uma mentalidade similar da ditadura de 1964 a 1985, quando qualquer poder estrangeiro que impunha influência sobre a Amazônia era suspeito de conspirar para internacionalizar a região, usando territórios indígenas como ponto de partida.
A estratégia do governo para neutralizar o Sínodo do Amazonas declaradamente inclui a implantação de agentes de inteligência para monitorar reuniões preparatórias e colocar pressão diplomática sobre o governo italiano para interceder com o Vaticano, evitando, ou pelo menos diminuindo, a crítica das políticas amazônicas do Brasil. O governo também está exigindo o direito de participar do Sínodo, um pedido extremamente incomum.
Como um sinal de quão ameaçado o governo se sente sobre o Sínodo, ele decidiu patrocinar um simpósio rival em Roma, apenas um mês antes da reunião do Papa, para apresentar exemplos de “preocupação e cuidado do Brasil com a Amazônia”. Ações apoiadas pelo governo para proteger as áreas ambientais, quilombos (assentamentos fundados por escravos fugitivos) e grupos indígenas serão exibidos.
Uma dessas iniciativas governamentais é um esquema para plantar 2.000 hectares de soja geneticamente modificada (GM) na Reserva Indígena Pareci, no estado de Mato Grosso, um projeto orgulhosamente divulgado para a imprensa em fevereiro. Os ministros do Meio Ambiente e da Agricultura voaram de Brasília para uma sessão de fotos em que realizam uma dança indígena. O aluguel de terras indígenas para o desenvolvimento de agronegócio é proibido pela Constituição Brasileira de 1988, e os produtores foram multados pelo Ministério do Meio Ambiente em si, mas o ruralistas querem mudar a lei.
Questionado por repórteres sobre a oposição do governo ao Sínodo, o General Heleno defendeu a posição, dizendo: “Há ONGs estrangeiras e autoridades internacionais que querem intervir em nosso tratamento da Amazônia brasileira…. Estou preocupado que este Sínodo vai interferir na nossa soberania.” Ele acrescentou: “sabemos o que temos que fazer. Nós sabemos como fazer o desenvolvimento ser sustentável para parar o desmatamento. Somos o país com o menor desmatamento do mundo.” A contenção do desmatamento no Brasil, uma vez um modelo ideal para outras nações, tem sido revertida nos últimos anos, com um aumento no desmatamento.
A comentarista conhecida Miriam Leitão sugeriu no jornal O Globo que o GSI da administração “faria o melhor para aproveitar a experiência acumulada pelo General Heleno e outros membros do governo quando serviram na Amazônia [como militares] para enfrentar os verdadeiros problemas na região: a invasão de florestas e parques nacionais por agarradores de terras, o desmatamento ilegal e predatório, a ameaça aos povos indígenas, a destruição da biodiversidade, a falsificação de documentos de posse de terras e o uso da região como uma rota para o crime organizado”, incluindo traficantes de vida selvagem, drogas, armas e humanos.
Em Roma, a defensividade mostrada pelo governo brasileiro foi uma surpresa. O cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo de Bispos, admitiu que “atenção prioritária” será dada às populações indígenas da região amazônica em seus nove países – Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana francesa. No entanto, ele enfatizou que “as reflexões do Sínodo vão muito além da região amazônica, porque se relacionam com toda a Igreja e o futuro do planeta”.
Em sua encíclica de 2015, o Papa Francisco criticou fortemente o consumismo e o desenvolvimento corporativo irresponsável, bem como a degradação ambiental e o aquecimento global. O pontífice exigiu um novo diálogo sobre o futuro do planeta, e uma nova direção baseada na mordomia da terra e em cuidar dos menos afortunados, ao invés de um contínuo hiperfoco na economia. Ele pareceu, então, ter antecipado reações governamentais negativas, como as vistas agora pelo governo de Bolsonaro no Brasil, quando condenou “atitudes obstrucionistas”, incitando “uma solidariedade nova e universal”.
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Artigo original: https://news-mongabay-com.mongabay.com/2019/02/bolsonaro-government-takes-aim-at-vatican-over-amazon-meeting/