Em 20 de fevereiro, o governo federal lançou as Metas Nacionais de Biodiversidade, que planejam deter a extinção de espécies, estimular a restauração florestal e reduzir o desmatamento nos ecossistemas brasileiros até 2030.
Não há, porém, estimativa dos investimentos que serão necessários para implantá-las; ambientalistas opinam que o cenário político global é desafiador para se obter financiamento internacional.
As metas foram lançadas às vésperas do fechamento da 16ª Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica – COP16, em Roma, onde foi acordado um esforço global para alavancar 200 bilhões de dólares anuais até 2030 com o objetivo de frear a perda de biodiversidade; ainda não sabe como isso será concretizado.
Publicadas no último dia 20 de fevereiro, as Metas Nacionais de Biodiversidade planejam deter a extinção de espécies, estimular a restauração florestal e reduzir o desmatamento nos ecossistemas brasileiros até 2030. O governo federal, porém, ainda não tem uma estimativa dos investimentos que serão necessários para implantá-las.
As metas foram lançadas às vésperas do fechamento oficial da 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica – COP16, realizado em Roma entre 25 e 28 de fevereiro depois de a primeira rodada ter sido suspensa em novembro de 2024 em Cali, na Colômbia, por falta de quórum.
Bráulio Dias, diretor do Departamento de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), confirmou à Mongabay a falta de um planejamento financeiro para a implantação das Metas Nacionais de Biodiversidade, mas destacou que “muitas metas nacionais já contam com o apoio de muitas políticas e programas nacionais em andamento”.
No entanto, Dias ponderou que “certamente serão necessários investimentos adicionais”, o que vê como pouco factível diante do cenário político global conturbado: “Infelizmente, as perspectivas de contarmos com financiamento internacional esta década são mínimas, em decorrência das ações do governo de Donald Trump [nos Estados Unidos] e da guerra na Ucrânia”.
Apesar dessas questões internacionais desfavoráveis à agenda da biodiversidade, o diretor do MMA explica que o Brasil vem dando andamento ao processo de construção do caminho para o cumprimento dos compromissos assumidos em 2022, no âmbito do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês).
As novas metas farão parte da nova versão da Estratégia e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (Epanb), que o país entregará ao Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). A Epanb está para a Convenção da Biodiversidade assim como as NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na sigla em inglês) estão para a Convenção do Clima. Tem papel central na concretização de compromissos que cada país assume em alinhamento às 23 metas do GBF, de acordo também com prioridades nacionais.
“Estamos fazendo a discussão final do Plano de Ações Estratégicas do governo federal e discutindo com a Casa Civil da Presidência da República o instrumento jurídico para formalizar a aprovação da Epanb”, adianta Dias.
A expectativa era de que a nova Epanb brasileira tivesse sido entregue à CDB em 2024, antes da COP16. A última versão brasileira é de 2017. Mas o desmonte de políticas públicas ambientais na gestão de Jair Bolsonaro atrasou o andamento do processo, incluindo a desarticulação da própria Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), recomposta e retomada no ano passado. Além disso, houve um processo de consulta pública à sociedade que recebeu 427 contribuições e demandou mais tempo de análise e debates. Para o evento de Cali, o governo brasileiro enviou um relatório contendo cerca de 250 ações desenvolvidas desde 2023, em alinhamento ao GBF.
Dias explica que também está em discussão com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) uma estratégia de monitoramento da implementação das Metas Nacionais de Biodiversidade, “começando com a coleta de informação para elaborar o Sétimo Relatório Nacional, a ser submetido à CDB no primeiro semestre de 2026”. A versão anterior é de 2020, entregue pelo governo de Jair Bolsonaro à CDB somente em inglês. O documento em português foi publicado pela atual gestão federal em 2023.

Ambientalista celebra metas e aponta desafios
Para Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, o Brasil avançou ao aprovar suas Metas Nacionais de Biodiversidade na Conabio, demonstrando, assim, “um compromisso técnico e político com a implementação do GBF”.
No entanto, ele pondera que, “para que essas metas tenham força normativa e garantam segurança jurídica para sua execução, é fundamental que sejam formalmente adotadas por meio de um decreto presidencial”. Na visão do ambientalista, esse passo é essencial para consolidá-las “como um compromisso de Estado e assegurar que a biodiversidade seja efetivamente integrada às políticas públicas e aos instrumentos de planejamento nacional”.
Entre outros principais desafios a enfrentar até 2030, Santos analisa que o Brasil precisará “não apenas dos recursos internacionais prometidos, mas também de mecanismos nacionais para financiar a agenda da biodiversidade, incluindo a revisão de subsídios prejudiciais à natureza”.
Ele também avalia que manter a redução do desmatamento e expandir iniciativas de restauração florestal são fundamentais para que o país cumpra compromissos de biodiversidade e clima. E alerta para a necessidade de engajamento do setor produtivo, considerando que “a integração das metas nos diferentes setores da economia será decisiva para que a transição ocorra de forma estruturada e com benefícios para o desenvolvimento sustentável”.
O ambientalista conclui que as ações de monitoramento e transparência sobre o cumprimento dos compromissos assumidos também são fundamentais. “O Brasil precisará fortalecer seus mecanismos de acompanhamento e prestação de contas para garantir que o progresso rumo às metas seja real e mensurável”, opina.

COP 16.2, entre o otimismo e a reflexão crítica
Diante dos aplausos de uma plenária entusiasmada, finalmente a chamada COP16.2 foi concluída em 28 de fevereiro, na sede da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma, um dia além do prazo previsto. Além do comprometimento dos países com relação aos esforços para alavancar recursos públicos e privados de financiamento às ações de conservação nos próximos cinco anos – considerado um dos pontos altos do encontro –, foi também lançado oficialmente o Fundo Cali, que estava pendente desde a Conferência da Colômbia. Essa iniciativa terá importância central no acesso e divisão de benefícios (ABS na sigla em inglês) gerados pelo uso de recursos genéticos da biodiversidade, sobretudo para populações indígenas e outras comunidades tradicionais – uma demanda reprimida há 30 anos, desde a entrada em vigor da CDB.
Também como parte dos resultados da COP16.2, os países signatários representados na Conferência deliberaram sobre mecanismos de planejamento e monitoramento dos esforços globais para o alcance das 23 metas do GBF. A primeira rodada de avaliação do status de implementação ocorrerá em 2026, quando os governos deverão entregar os seus relatórios nacionais à CDB, antes da COP17, que será realizada na Armênia. Por outro lado, ficou adiada para 2028, durante a COP18, a negociação de criação de um outro fundo de financiamento ou a revisão do atual Fundo Global de Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), tendo em vista as grandes críticas que esse mecanismo gestor de financiamento vem sofrendo, sobretudo por parte de países africanos e outras nações em desenvolvimento, que reclamam da falta de representatividade e outras dificuldades de acesso na divisão dos recursos.
Como avanços trazidos pela COP 16.2, Michel Santos, do WWF-Brasil, menciona que “a decisão de estabelecer um roteiro até 2030 para um novo mecanismo financeiro é um passo necessário, ainda que os desafios permaneçam”. Ele destaca como aspecto positivo também “a criação de um espaço formal de diálogo entre ministros do Meio Ambiente e das Finanças, o que pode destravar recursos e acelerar a implementação do GBF”.
No entanto, o ambientalista alerta que o principal desafio continua sendo garantir que os compromissos financeiros saiam do papel. “Ainda não há clareza sobre como os países desenvolvidos irão cumprir a promessa de 20 bilhões de dólares anuais até 2025 e 30 bilhões de dólares até 2030 para os países em desenvolvimento”. Santos considera que “a revisão global do GBF, em 2026, será um momento crucial para avaliar se o caminho adotado está funcionando ou se ajustes serão necessários”.
Ele também avalia como positiva a participação da delegação brasileira em Roma. “O Brasil teve um papel preponderante na construção de consensos, reforçando a necessidade de que países megadiversos tenham os meios adequados para implementar suas metas de biodiversidade. Mais do que esperar compromissos, só foi possível avançar com diálogo e vontade política”. Santos ainda demonstra otimismo na realização da COP30 do Clima em Belém, em novembro, quando acredita que “temos a oportunidade de conectar as agendas de biodiversidade e clima de forma mais estratégica e garantir que esse debate tenha peso também na Convenção do Clima”.
Para Karen de Oliveira, diretora de Políticas Públicas e Relações Governamentais da organização ambientalista The Nature Conservancy (TNC), “é importante destacar o protagonismo do Brasil junto aos Brics [bloco dos países do Sul Global], na condição de presidência rotativa do bloco, na apresentação de uma alternativa consistente que resultou em um rápido acordo entre os países, refletido nos resultados finais da COP16, em Roma”.
“Em um momento geopolítico complicado, esta é uma demonstração animadora de progresso e cooperação internacional para a natureza”, afirma Linda Krueger, diretora de Política de Biodiversidade e Infraestrutura da TNC, sobre os pontos altos do fechamento da conferência, incluindo o consenso sobre a necessidade de comprometimento global com a garantia de financiamento às ações de conservação.
Em comunicado à imprensa, Susana Muhamad, presidente da COP16, afirmou: “Apreciamos a disponibilidade de todos os países e do Secretariado da Convenção pela sua dedicação em continuar a reforçar a agenda global da biodiversidade. Só trabalhando em conjunto é que podemos tornar a Paz com a Natureza uma realidade”, relembrando o slogan da COP16.
Astrid Schomaker, secretária Executiva da Convenção sobre Diversidade Biológica, enfatizou: “Os resultados desta reunião mostram que o multilateralismo funciona e é o veículo para construir as parcerias necessárias para proteger a biodiversidade e nos fazer avançar para a Paz com a Natureza”.
Imagem do banner: Igarapé na Amazônia. Foto: Rhett Butler/Mongabay