Os crimes contra a Amazônia também podem ser perpetrados (com paletó e gravata) a partir de escritórios do governo. Killeen explica nesta seção como um mecanismo sofisticado no Brasil permitiu o desvio de milhões de dólares e o desmatamento da floresta tropical brasileira.
Empresas fantasmas, assistência técnica para roubo, empréstimos fictícios e relatórios fraudulentos sustentavam a legalidade das operações e consultorias desses “empreendimentos” agrícolas ou de plantação nas florestas amazônicas.
A investigação, focada em atividades realizadas entre 1997 e 1999, identificou 151 investimentos fictícios no valor de 547 milhões de reais. Foram ajuizadas 24 ações civis contra 30 empresários, 27 funcionários públicos e 29 pessoas jurídicas, exigindo 323 milhões de reais de indenização por danos ao erário público, embora apenas 28 milhões de reais tenham sido recuperados.
A Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) foi criada para promover o desenvolvimento de empresas privadas nos oito estados da Amazônia Legal. Suas políticas nas primeiras quatro décadas de existência foram controversas porque desencadearam um boom de desmatamento; entretanto, a administração da Sudam também foi associada a acusações de corrupção e influência política. O âmbito e a escala da corrupção chocaram o país em 2000, quando uma briga pessoal entre dois poderosos senadores (Jader Barbalho e Antônio Carlos Magalhães) levou à revelação de uma conspiração mafiosa que havia desviado mais de R$ 4 bilhões (~US$ 500 milhões) do tesouro público. Foi, na época, o escândalo de corrupção mais caro da história do Brasil.
Os infratores criaram um audacioso processo de “linha de montagem” em que empréstimos e créditos fiscais eram desviados para as contas pessoais de proprietários de empresas falsas, funcionários da agência e políticos influentes. Empresas de consultoria operadas por ex-executivos da agência atuavam como intermediárias, oferecendo seus serviços para a elaboração de “projetos” que atendessem às condições técnicas da Sudam. Oferecendo um pacote completo de serviços, os consultores organizavam reuniões com os principais tomadores de decisão para garantir que os projetos fossem aprovados pelo comitê de empréstimos e, ostensivamente, assistência técnica para a implementação dos investimentos propostos.
A atividade criminosa foi agravada por relatórios fictícios de implementação de projetos e por serviços contábeis fraudulentos que garantiram que faturas e contratos falsos fossem aceitos pelos auditores. Cada etapa, documento, plano ou reunião tinha uma taxa ou comissão que assegurava que entre trinta e cinquenta por cento do total do empréstimo fosse para a empresa de consultoria, que então distribuía os fundos de volta aos funcionários da Sudam. O esquema baseava-se quase que inteiramente em empresas fantasmas que foram criadas com o propósito específico de roubar dinheiro: desfalque puro e simples.

Os exemplos mais flagrantes de malversação de fundos foram revelados pelo senador Antônio Carlos Magalhães, que testemunhou no Congresso sobre vinte projetos no município de Altamira, cada um com um valor nominal entre R$ 4,5 milhões e R$ 9 milhões, totalizando R$ 106 milhões. Em sua maioria, tratava-se de empreendimentos agrícolas ou de plantação organizados por pessoas intimamente ligadas ao Senador Jader Barbalho, incluindo sua segunda esposa (Simone Maria Morgado Ferreira), que era coproprietária de uma falsa planta de produção de pernas de rã (Ranário Touro), e seu filho Helder, que foi listado como coproprietário de uma empresa de alimentos (Tropical Indústria de Alimentos) que aparentemente nunca vendeu nenhum tipo de alimento.
A investigação, que se concentrou em atividades entre 1997 e 1999, identificou 151 investimentos falsos avaliados em R$ 547 milhões. Entre os crimes cometidos estavam peculato, falsidade ideológica, uso de documentos falsos e lavagem de dinheiro. Em casos relacionados, Jader Barbalho foi acusado de aceitar R$ 40 milhões para facilitar um empréstimo de R$ 200 milhões a uma empresa agroindustrial especializada em sementes certificadas de arroz, enquanto uma fábrica de peças automotivas avaliada em US$ 654 milhões na cidade de São Luís do Maranhão estava ligada a Roseana Sarney.
Essas revelações abrangem apenas dois anos de operações da Sudam e, presumivelmente, representam apenas uma parcela dos atos de fraude perpetrados por seus funcionários e padrinhos políticos entre 1966 e 2003. O Ministério Público Federal (MPF) apresentou acusações criminais contra 143 indivíduos, dos quais apenas um foi considerado culpado. Simultaneamente, o MPF ajuizou 24 ações civis contra trinta empresários, 27 servidores públicos e 29 pessoas jurídicas, buscando R$ 323 milhões em indenização por danos ao erário público, mas aparentemente recuperou apenas R$ 28 milhões.
O escândalo foi um enorme constrangimento para o Presidente Cardoso, que havia cultivado uma imagem de probidade e responsabilidade fiscal. Isso o motivou a liquidar a Sudam e relançá-la como a Agência de Desarrolho da Amazônia (ADA). Um tribunal de Tocantins ordenou que o aparente mentor do esquema, Jader Barbalho, devolvesse R$ 2,27 milhões à Sudam, mas ele recorreu da decisão e não há registro público de qualquer pagamento. O escândalo forçou sua renúncia do Senado em 2001, mas ele foi eleito para a câmara baixa do Congresso Nacional em 2003, o que efetivamente retirou seu caso do sistema de justiça criminal e o devolveu à jurisdição do Supremo Tribunal Federal. Jader Barbalho retornou ao Senado em 2011, e seu caso foi arquivado por esse tribunal em 2014. O escândalo da Sudam é um exemplo quase perfeito do descaramento da corrupção política e da impunidade de que gozam seus praticantes.

Roubo de petróleo:um mau hábito andino
Existem inúmeros exemplos de supostas fraudes associadas ao setor de petróleo e gás, embora, considerando as receitas geradas pelo mesmo, elas possam ser apenas uma fração dos subornos e propinas nesse setor. A seguir, alguns exemplos de irregularidades que foram relatadas pela imprensa.
Na Bolívia, o arquiteto da estratégia do presidente Evo Morales para nacionalizar o setor de petróleo e gás, Santos Ramírez Valverde, foi acusado em 2009 de extorquir propina de um empresário contratado para construir uma planta de separação gás-líquido de importância estratégica. O contrato, que foi rescindido devido ao escândalo, foi avaliado em US$ 498 milhões, em contraste gritante com o contrato negociado por seu sucessor por US$ 190 milhões. O desvio perpetrado por Ramírez não foi detectado por uma auditoria ou investigação anticorrupção, mas sim pelas consequências do assassinato do empresário, que lhe estava pagando uma propina de US$ 450.000 em dinheiro – presumivelmente uma parcela de uma soma muito maior. Em um segundo escândalo relacionado à mesma refinaria, o gerente de construção foi preso em 2014 por aceitar um suborno de US$ 480.000 quando foi detido por dirigir embriagado e não conseguiu explicar por que portava US$ 90.000 em dinheiro.
No Equador, várias empresas internacionais de comércio de petróleo (Gunvor, Vitol, Trafigura e Global Asphalt) foram acusadas de desviar US$ 70 milhões para intermediários panamenhos em nome de uma dúzia de executivos sênior da Petroecuador. Os subornos foram pagos para garantir contratos de transporte e entrega de petróleo bruto, conforme estipulado pelo programa de pagamento da dívida do Equador com a China. A descoberta do esquema ocorreu graças à publicação dos Panama Papers em 2016, que revelou fluxos de dinheiro questionáveis para políticos equatorianos e suas famílias. Ironicamente, o preço do contrato era de um dólar por barril – exatamente o mesmo valor pago como royalties ao Fondo Amazónico, o veículo financeiro do Equador para financiar o desenvolvimento sustentável em suas províncias amazônicas.

Surpreendentemente, não há escândalos de corrupção em grande escala no setor petrolífero peruano provavelmente porque o país depende de operadores do setor privado para explorar, produzir e comercializar recursos de hidrocarbonetos. No entanto, as empresas estatais estiveram envolvidas em pelo menos dois escândalos moderadamente grandes. Em 2008, a Perupetro foi abalada pelos chamados Petro Audios, que revelaram pagamentos de subornos durante um processo de licitação para o controle de blocos de petróleo e gás em Madre de Dios. Uma pequena empresa norueguesa admitiu ter pago US$ 120.000 a empresas de consultoria controladas por dois ministros importantes do governo, embora os executivos tenham afirmado que os pagamentos eram para serviços jurídicos e não para subornos. O escândalo desestabilizou o governo do presidente Alan García e levou a um processo judicial de nove anos que, como era de se esperar, terminou sem condenação.
Um escândalo distinto, e em andamento, gira em torno dos vazamentos recorrentes de petróleo no Oleoduto Nor Peruano (ONP) e mais de US$ 141 milhões em contratos concedidos pela Petroperú para mitigação e remediação. Os contratos foram acelerados por um decreto de emergência que não exigia um processo de licitação competitivo e logo foram sucedidos por acusações de favoritismo e incompetência. Ainda mais graves são as acusações de que o oleoduto foi sabotado para gerar trabalho de limpeza para os empreiteiros ou subempreiteiros locais. Um exemplo gráfico dos danos causados pela corrupção é o fato de que um suborno pode, na verdade, levar a danos ambientais significativos e duradouros.
Imagem destacada: Desmatamento em Pillcopata, Cusco, Peru. Imagem de Rhett A. Butler.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).
Leia as outras partes extraídas do capítulo 6 aqui:
Capítulo 6. Cultura e demografia definem o presente
- A cultura e os grupos humanos que definem o presente da Pan-Amazônia Setembro 18, 2024
- A demografia da Pan-Amazônia Outubro 4,2024
- A comunidade indígena da floresta amazônica luta por seu pleno reconhecimento Outubro 8, 2024
- O surgimento de cidades ao redor da Amazônia Outubro 17, 2024