A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.
O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.
Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.
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A modificação dos rios no Brasil tem sido determinada pelo desenvolvimento de energia, mas o investimento em barragens tem o potencial de criar uma opção economicamente atraente para o transporte das exportações agrícolas do Brasil para mercados estrangeiros. Na safra 2019/2020, Mato Grosso produziu 35 milhões de toneladas de soja, um aumento de cerca de quarenta por cento em relação a 2015/2016. Em 2017, nove por cento foi consumida em Mato Grosso, seis por cento foi enviada para outros estados brasileiros e o restante foi exportada diretamente para mercados estrangeiros, principalmente China (66%) e Europa (12%).
A soja é transportada para os terminais de exportação por uma combinação de caminhões, trens e barcaças. Os produtores do Mato Grosso dependem excessivamente do transporte por caminhão porque operam em áreas de fronteira sem acesso a sistemas ferroviários modernos. Até recentemente, a maioria exportava sua produção por portos em São Paulo e no Paraná devido a restrições logísticas que limitavam o trânsito para os portos no rio Amazonas. A necessidade de sistemas de transporte a granel aumentou na última década, não apenas devido ao aumento da produção de soja, mas também devido ao crescimento paralelo das exportações de milho, que é cada vez mais cultivado em rotação com a soja.
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O transporte por caminhão é intrinsecamente ineficiente, e o custo de transportar grãos por caminhão por 2.000 quilômetros até o Porto de Santos, em São Paulo, oscilou entre US$ 80 e 120 por tonelada na última década. Os agricultores de Mato Grosso competem nos mercados globais com produtores de outros países com custos de transporte significativamente mais baixos. Na Argentina, a distância normalmente é inferior a 400 quilômetros, e suas ferrovias antigas oferecem aos produtores uma opção de transporte eficiente; por exemplo, o custo entre Córdoba e o porto de Rosário é de apenas US$ 30 por tonelada. A distância entre as paisagens produtoras e os terminais de exportação nos Estados Unidos é maior, mas os EUA têm sistemas de transporte a granel altamente eficientes, incluindo uma extensa rede ferroviária e a hidrovia do Mississippi, onde o custo de transporte de Iowa a Nova Orleans (2.300 quilômetros) é de apenas US$ 20 por tonelada.
Oportunidades para reduzir os custos de transporte são o ponto de intervenção mais óbvio para melhorar a competitividade das exportações de soja do Brasil. A redução dos custos de transporte aumentará a lucratividade dos agricultores de Mato Grosso porque os comerciantes de commodities pagam aos produtores o preço internacional de sua colheita menos o custo de transporte e logística. Os altos custos de transporte são essencialmente um aluguel que beneficia os caminhoneiros e impede que os agricultores invistam em sua capacidade produtiva, o que explica por que o agronegócio fez dos investimentos em sistemas de transporte a granel uma prioridade nacional.
À medida que o cultivo de soja explodiu no sul da Amazônia, os comerciantes globais de commodities e as empresas de logística começaram a investir em sistemas de transporte pelo rio Amazonas. Em 2013, aproximadamente trinta por cento da soja cultivada na região central do Mato Grosso era exportada por portos amazônicos e, em 2017, essa proporção havia aumentado para setenta por cento. A mudança nos padrões de transporte não se deveu a uma redução nos grãos transportados pelos portos do sul – essa quantidade permaneceu relativamente constante – mas sim ao aumento da produção na Amazônia.
As opções da Amazônia estão organizadas em três corredores logísticos com diferentes combinações multimodais de caminhão, barcaça e ferrovia. Simultaneamente, a competitividade de custo da opção sul foi melhorada pela extensão de uma linha ferroviária no sul do Mato Grosso, que reduziu o componente de transporte por caminhão em 1.400 quilômetros. Os produtores da região central do Mato Grosso têm agora quatro opções para comercializar sua produção:
- Oeste: Os agricultores transportam seus grãos por caminhão pela BR-364 até o Porto Velho, onde são carregados em barcaças para transbordo até Itacoatiara (Amazonas), um porto localizado a 75 quilômetros a leste de Manaus, do outro lado do canal da foz do Rio Madeira.
- Central: Os agricultores transportam seus grãos para o norte pela BR-163 até Santarém ou Miritituba (Pará), no Rio Tapajós, para serem carregados em barcaças para transbordo para portos oceânicos no Rio Amazonas.
- Leste: Os agricultores podem usar o transporte por caminhão (BR-158/155) para Marabá (Pará) ou a linha ferroviária recentemente concluída, Ferrovia Norte – Sul (EF-151), ambas conectadas à linha ferroviária pré-existente, Estrado Ferro Carajás (EF-315), entre Marabá e São Luís do Maranhão.
- Sul: Os agricultores de toda a região têm a opção de transportar seus grãos por caminhão até um grande complexo logístico em Rondonópolis (Mato Grosso), onde podem transferir seus grãos para a Ferrovia Norte (EF-364) para transbordo para os terminais de grãos em Santos (São Paulo).
A expansão dos portos amazônicos melhorou a lucratividade dos agricultores de Mato Grosso, mas esses benefícios continuam limitados por uma combinação de fatores, incluindo a falta de silos e instalações portuárias, estradas mal conservadas e, no caso de Porto Velho, mais 1.000 quilômetros de transporte por barcaças. A tão esperada conclusão da BR-163 em 2019 aliviou algumas dessas restrições e motivou os comerciantes de commodities e as empresas de logística a investir em silos e instalações de carregamento de barcaças em Miritituba, frotas de barcaças de alta capacidade e a expansão dos terminais de grãos em Barcarena e Santana.
Entre 2013 e 2017, as exportações pelos três corredores do norte representaram uma economia anual de cerca de US$ 100 milhões em comparação com a opção anterior de transportar a produção por caminhão para Santos ou Paranaguá (Paraná). A transição do caminhão para a ferrovia nos 1.400 quilômetros entre Rondonópolis e Santos, no entanto, representou uma economia ainda maior, de aproximadamente US$ 200 milhões. A migração para a ferrovia destaca o potencial de economia que se acumulará à medida que os sistemas logísticos continuarem a migrar do transporte por caminhão para sistemas ferroviários e de barcaças. A economia estimada com os investimentos futuros em sistemas de transporte a granel, talvez da ordem de US$ 1 bilhão por ano, reduzirá o custo logístico dos produtores da região central de Mato Grosso para níveis competitivos em relação a seus concorrentes globais. Não é de se surpreender que os agricultores sejam fortes defensores da construção de ferrovias e da modificação dos rios para que possam funcionar como hidrovias comerciais.
O Instituto de Análises Econômicas (IPEA) do Brasil avaliou os custos e benefícios comparativos das hidrovias em relação às ferrovias. Com base em uma unidade padrão de 1.000 quilômetros, uma vida útil projetada de 25 anos e um transporte médio de 10 milhões de toneladas de mercadorias por ano, o transporte fluvial foi estimado como sendo cerca de 35% mais barato em comparação com as ferrovias. No entanto, essa estimativa excluiu o investimento de capital em barragens, que são componentes essenciais em todas as hidrovias brasileiras; por esse motivo, a construção de ativos hidrelétricos constitui um subsídio maciço. O IPEA não incluiu nem o custo dos danos ambientais que esse tipo de infraestrutura infligiria ao ecossistema amazônico, incluindo modificações na hidrologia de seus sistemas fluviais, nem o aumento do desmatamento que poderia ser estimulado pela expansão da agricultura.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).