A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.
O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.
Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.
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O Peru tem usufruído de níveis históricos de crescimento econômico há mais de duas décadas, principalmente devido à expansão do setor de minerais, que é um grande consumidor de energia elétrica. O Peru também avançou no fornecimento de energia elétrica a preços acessíveis para seus cidadãos, inclusive para pequenas cidades e áreas rurais, por meio de uma rede nacional que agora integra a maioria das regiões costeiras e de planalto, bem como as principais zonas de colonização nas planícies tropicais. Iquitos continua sendo a única grande área urbana não conectada à rede nacional, e há planos para fazer essa conexão em curto prazo.
Leia aqui o texto em inglês e espanhol
A consolidação do setor elétrico peruano foi acompanhada por um crescimento robusto na sua geração, que aumentou em cerca de 150% desde 2005. Em torno de 35% da eletricidade do país é proveniente de energia hidrelétrica, que é obtida em partes quase iguais das bacias hidrográficas do Pacífico e da Amazônia. Os projetos na encosta ocidental da Cordilheira Ocidental geralmente recebem subsídios devido ao seu potencial de irrigação, mas nos Andes esses recursos são inerentemente limitados em razão da escassez de chuva. Consequentemente, a maior parte da expansão futura ocorrerá na encosta leste dos Andes.
No início da década de 1990, o monopólio de eletricidade de propriedade estatal e verticalmente integrado foi dividido em várias unidades dedicadas à geração, transmissão e distribuição. O papel do Estado se limitou ao desenvolvimento de políticas, à aplicação de regulamentações e à outorga de concessões. Em 2017, 54 diferentes entidades corporativas estavam fornecendo energia para a rede peruana; a maior delas fornece cerca de vinte por cento da energia elétrica do país. O desenvolvimento do setor de eletricidade do Peru ocorreu após a descoberta do campo de gás de Camisea, que favoreceu o investimento em geração térmica por ser menos intensiva em capital em comparação com a energia hidrelétrica. No entanto, para o futuro, o Estado pretende diminuir sua dependência da energia térmica e promover o investimento em energia renovável. O plano oficial inclui a energia hidrelétrica de pequena escala, mas não considera a energia hidrelétrica de média e grande escala como uma energia “renovável”.
A exclusão do setor hidrelétrico tradicional do Peru é irônica, pois ele pode ser objetivamente caracterizado como “sustentável”. A maioria das usinas existentes são sistemas de D&T que exploram quedas topográficas localizadas no alto de bacias hidrográficas, o que reduz seu impacto ambiental e social. Mesmo os projetos com reservatórios relativamente grandes têm uma presença espacial muito menor em comparação com as instalações de D&R localizadas em altitudes mais baixas. Como na Bolívia, eles consistem em duas ou três unidades de médio porte organizadas em forma de cascata, com água reciclada de uma usina para outra – por exemplo, Mantaro I e II (1.000 MW), Santa Teresa I e II (500 MW) e San Gabán II e III (313 MW).
A oposição à energia hidrelétrica convencional é consequência de tentativas fracassadas de desenvolver instalações de D&R em grande escala no sopé dos Andes, onde grandes rios passam por um desfiladeiro estreito. Em 2008, os governos de Alan García (Peru) e Lula da Silva (Brasil) assinaram um memorando de entendimento que buscava integrar os mercados de eletricidade dos dois países por meio do desenvolvimento de recursos hidrelétricos peruanos usando tecnologia e capital brasileiros.
O acordo foi assinado durante o aumento dos investimentos em represas nos rios Tocantins, Xingu e Madeira e envolveu as mesmas entidades corporativas que estavam projetando, financiando e construindo as represas hidrelétricas no Brasil. A iniciativa se concentrou em localidades no sul do Peru, onde o Corredor Interoceânico ofereceu um direito de passagem para que as linhas de transmissão pudessem se conectar à linha HVDC que atende às represas do Rio Madeira.
O primeiro megaprojeto a ser realizado foi um complexo de D&R no desfiladeiro onde o Rio Inambari deixa os Andes. O projeto foi imediatamente envolvido em controvérsias, pois os oponentes coordenaram ações em fóruns locais, nacionais e internacionais. Eles demonstraram com sucesso que o projeto tinha falhas graves e a agência ambiental nacional (OSINERGMIN) se recusou a aprovar o EIA em 2011. O impacto desse resultado repercutiu na comunidade empresarial, e nenhum dos outros projetos de grande escala propostos foi seriamente considerado para ser desenvolvido. O Congresso peruano arquivou o acordo em 2014 e todas as concessões expiraram posteriormente. Ainda que projetos de grande escala tenham se mostrado inviáveis, vários investimentos de média e grande escala foram concluídos com sucesso.
Antes de 2005, as bacias hidrográficas da Amazônia abrigavam onze usinas de energia com cerca de 1,7 GW de capacidade. Esse número foi aumentado em seis unidades e 1,3 GW até 2018 e a projeção é que cresça em mais nove usinas e 2,7 GW até 2023. As maiores operadoras do setor são empresas nacionais, muitas das quais formaram joint ventures com investidores da Noruega, Itália, Espanha, França, Israel, Chile e Estados Unidos.
A maior parte do empreendimento ocorreu na bacia hidrográfica de Marañon, que tem o maior potencial entre os três principais afluentes amazônicos. A usina de grande escala em Chaglla, no Rio Huallaga (456 MW), que foi inaugurada pela Odebrecht do Brasil em 2016, foi vendida para a China Three Gorges Corporation em 2017, após o escândalo de corrupção da Lava Jato.
Embora os impactos do desenvolvimento de energia hidrelétrica tenham sido limitados até o momento, isso pode mudar se o setor começar a explorar os recursos hidrológicos do Rio Marañon. Após o fracasso do projeto no Rio Inambari, o presidente Alan García emitiu uma ordem executiva declarando que o desenvolvimento da infraestrutura hidrelétrica e de irrigação no Rio Marañon é de interesse nacional, uma designação que acelera o desenvolvimento ao facilitar as análises ambientais e o acesso a verbas públicas. A configuração dessa bacia hidrográfica a torna particularmente atraente para instalações convencionais de D&R; infelizmente, sua geoquímica e biodiversidade a tornam particularmente suscetível a impactos ambientais.
Assim como no sul do Peru, os projetos mais problemáticos estão localizados em um desfiladeiro onde o Marañon atravessa o sopé dos Andes. Essa seção do rio, com 200 quilômetros de extensão, é o local de três projetos de grande escala. É altamente improvável que qualquer um dos três projetos da D&R seja aprovado em uma análise ambiental, pois eles inundariam terras pertencentes às comunidades Awajún, que são conhecidas por sua oposição a projetos que infringem seus direitos territoriais. O mais provável é o desenvolvimento dos 25 projetos de D&R na seção de 500 quilômetros do rio situada acima da capital regional de Jaén, nas terras altas da região central do Peru.
Essa seção é atraente para os engenheiros civis porque o rio coleta o escoamento das montanhas situadas a leste e a oeste, enquanto o vale em forma de V oferece várias oportunidades para reservatórios profundos com capacidade de armazenamento significativa. Em 2014, a Odebrecht iniciou estudos de viabilidade em quatro possíveis locais de barragens. No entanto, nenhum deles havia avançado além do estágio de EIA quando o escândalo de corrupção da Lava Jato efetivamente encerrou a capacidade da empresa de executar projetos no Peru.
Apenas uma única barragem hidrelétrica está sendo promovida para as seções não andinas da Amazônia peruana: o projeto Mazán R-o-R estaria localizado em um estreito istmo que separa os rios Napo e Amazonas, 25 quilômetros ao sul de Iquitos e 40 quilômetros ao norte da foz do Rio Napo. Ela incluiria uma barragem de onze metros sobre o Napo e desviaria uma fração da corrente desse rio por meio de um canal que atravessaria o istmo de três quilômetros até o canal principal do rio Amazonas. A energia atenderia à demanda de energia de Iquitos e, potencialmente, abasteceria uma linha de transmissão proposta entre Yurimaguas e Iquitos.
Existem vários motivos para duvidar da viabilidade técnica e financeira desse projeto, mas o governador de Loreto continua insistindo que ele permanece viável e importante para o desenvolvimento da região.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).