A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.
O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.
Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.
Clique no link “Tempestade Perfeita na Amazônia” no topo desta página para ver os todos os capítulos do livro.
A energia hidrelétrica da Bolívia é baseada em instalações de médio porte localizadas em uma região geográfica ideal para sistemas de D&T. A mais antiga delas fica no Vale do Zongo, que começa a 4.700 metros acima do nível do mar com um pequeno reservatório (cerca de 20 hectares) que alimenta com água uma das onze usinas, com uma capacidade total instalada de 188 MW. Vários sistemas de D&T semelhantes foram construídos em uma região conhecida pelos geógrafos como o Cotovelo dos Andes, onde a precipitação anual excede 6.000 milímetros em uma queda altitudinal de 4.000 metros e uma distância horizontal de menos de quarenta quilômetros.
Nessa área, a Empresa Nacional de Electricidad da Bolívia (ENDE), empresa estatal de eletricidade, realizou recentemente uma série de investimentos que dobrarão a capacidade hidrelétrica do país nos próximos anos, expandindo a capacidade em Corani (275 MW) e Miguillas (250 MW), além de acrescentar uma nova unidade na cascata de Ivirizu (290 MW).
A Bolívia privatizou seu setor de energia elétrica na década de 1990, mas Evo Morales renacionalizou o setor em 2006 como parte de uma política para usar investimentos públicos em energia e infraestrutura para impulsionar o crescimento econômico e, mais importante, gerar receitas para o tesouro nacional. Na primeira década de sua reencarnação, a ENDE concentrou-se na construção da rede nacional e dependia do gás natural subsidiado para gerar energia.
Com o tempo, no entanto, a ENDE começou a concentrar seus investimentos em energia hidrelétrica com o objetivo explícito de criar um excedente de eletricidade para exportação aos países vizinhos. A maioria desses investimentos foi financiada pelo tesouro nacional e alavancada por empréstimos de instituições multilaterais. No entanto, a ENDE contratou empresas chinesas e espera atrair instituições brasileiras para financiar os projetos de grande escala em sua fronteira norte.
Adicionalmente às instalações de D&T em construção nas terras altas do Cotovelo dos Andes, a ENDE planeja construir uma instalação de D&R de 600 MW no Rio Grande, onde ele emerge dos Andes. Originalmente concebida na década de 1970, a barragem causará sérios impactos ambientais, incluindo o deslocamento de 500 famílias guaranis que habitam o vale, que será inundado por um reservatório de 40.000 hectares. Como todas as barragens desse tipo localizadas no sopé dos Andes, seu reservatório capturará grandes quantidades de sedimentos e bloqueará a migração de importantes espécies de peixes comerciais.
Rositas será uma represa de dupla finalidade e desviará água para irrigação, o que estimulará a expansão da agricultura industrial em 500.000 hectares de floresta seca. Ironicamente, o desvio de água para irrigação reduzirá a reposição dos aquíferos que sustentam a planície aluvial de Santa Cruz e limitará o potencial de irrigação na paisagem agrícola mais importante do país. O projeto Rositas conta com o apoio de todos os principais partidos políticos e, o que é mais importante, com o apoio entusiasmado da comunidade empresarial de Santa Cruz.
Os possíveis investimentos futuros em energia hidrelétrica no Rio Grande incluem mais cinco barragens a montante que acrescentariam mais 2,5 GW ao sistema. O EIA do projeto foi executado internamente pela ENDE com o apoio do BID, enquanto o contrato de construção foi concedido a um consórcio liderado pela Sinohydro com financiamento do ExIm Bank da China. Um grupo pequeno, mas determinado, de ativistas sociais e ambientais organizou uma campanha para interromper seu desenvolvimento por meio de um procedimento civil de ação coletiva raramente utilizado que, teoricamente, pode interromper iniciativas que não estejam em conformidade com as normas de saúde, segurança, ambientais ou sociais.
As cinco unidades de D&R a montante prolongarão a vida econômica de Rositas porque capturarão uma enorme quantidade de sedimentos, mas, se não forem construídas, a vida útil de Rositas estará entre as mais curtas da Amazônia – 135 anos. Entre outros investimentos que fazem parte da estratégia boliviana de exportação de energia elétrica estão o desenvolvimento de duas represas de R-o-R no Rio Madeira e dois projetos de D&R de grande escala no Rio Beni.
O conceito original para o Rio Beni, proposto pela primeira vez em 1952, previa uma barragem de 200 metros no Angosto de El Bala, que teria criado um enorme reservatório cobrindo quase 400.000 hectares. Diferentes versões do projeto foram rejeitadas por não serem econômicas em 1958, 1976 e 1998; enquanto isso, o projeto tornou-se ainda mais controverso devido à criação de duas áreas protegidas de alto nível: Parque Nacional y Tierra Indígena Pilón Lajas (1992) e Parque Nacional Madidi (1995).
A versão mais recente baseia-se em um estudo de viabilidade contratado pelo governo em 2015, que prevê um projeto de D&R em dois estágios com uma barragem de 168 metros e um reservatório de 68.000 hectares no Angosto del Chepete, um desfiladeiro localizado a cerca de 50 quilômetros a montante de uma instalação de R-o-R no Angosto do El Bala. Essa versão reduzida limitaria a área total inundada a 78.000 hectares no total e a 10.000 hectares dentro das duas áreas protegidas; estima-se que 4.000 pessoas precisariam ser realocadas. A oposição entre as comunidades indígenas, o setor de turismo e os defensores do meio ambiente é forte, mas a economia precária da instalação é o maior obstáculo ao seu desenvolvimento.
Recentemente, em 2018, o governo boliviano esperava investir cerca de US$ 25 bilhões até 2025 para quintuplicar a capacidade instalada de cerca de 1,2 GW para mais de 10 GW, aproximadamente cinco vezes mais do que a demanda doméstica estimada em 2025. As exportações de eletricidade exigiriam investimentos significativos em sistemas de transmissão regional, como os propostos pelo BID em 2017: Bolívia – Brasil (500 kV), Peru – Bolívia (250 kV) e Bolívia – Chile (250 kV). A partir de 2020, no entanto, a Bolívia continua isolada dos mercados potenciais, apesar de ser signatária do Sistema Andino de Interconexão Elétrica (SINEA), uma iniciativa similar à IIRSA mas que visa integrar as redes regionais de energia.
A capacidade de realizar esses investimentos de capital intensivo é limitada pela deterioração da situação financeira da Bolívia, e é improvável que a assistência financeira e técnica da China ou do Brasil permita que o país implemente seus ambiciosos esquemas a curto e médio prazo.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).