A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.
O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.
Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.
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O projeto hidrelétrico mais polêmico da Pan-Amazônia é o complexo do Rio Xingu, próximo à cidade de Altamira (Pará). A proposta de construção de uma barragem no Rio Xingu data de 1979 e, conforme concebida originalmente, consistia em uma sequência de várias barragens localizadas em diferentes pontos ao longo dos 2.500 quilômetros do rio. A oposição de grupos indígenas, acadêmicos e da sociedade civil atrasou o projeto por décadas e fez com que o governo desenvolvesse, propusesse e modificasse várias versões de uma constelação de barragens, reservatórios e usinas de energia.
Em 1987, o governo propôs uma formação composta por cinco unidades de D&R que teriam inundado mais de 1,7 milhão de hectares de floresta e permitido a instalação de 24 GW de capacidade de geração. Essa proposta estava condenada porque teria inundado centenas de milhares de hectares de floresta dentro de territórios indígenas, que estavam sendo formalmente constituídos após as reformas constitucionais de 1988. A atenção internacional causada pelo Encontro das Nações Indígenas do Xingu em 1989 forçou a Eletronorte a abandonar quatro dos cinco locais propostos.
No entanto, a empresa insistiu em construir a barragem mais baixa do rio, que tinha o maior potencial de energia devido ao volume de água e a uma queda de mais de 100 metros. Coincidentemente, ela estava localizada em um conjunto espetacular de corredeiras, onde o Xingu flui do Escudo Brasileiro para a planície de inundação do Baixo Amazonas, conhecida como as corredeiras de Volta Grande.
O projeto reformulado continuou provocando forte oposição de grupos nacionais e internacionais, bem como observações técnicas do órgão de proteção ambiental (IBAMA), que foram traduzidas em petições legais apresentadas pela divisão ambiental do Ministério Público. A resistência à barragem foi organizada pelos Kayapó, uma nação indígena liderada por um grupo particularmente astuto de líderes tribais. Os planejadores do governo mudaram o nome da usina de Kararaõ, o nome de uma tribo Kayapó, para Belo Monte, o nome da aldeia localizada no final da Volta Grande.
A versão final da usina hidrelétrica de Belo Monte é uma usina D&R incomum de dois estágios: uma barragem superior (Pimental), que desvia a água por meio de um canal para a barragem inferior, e usinas de energia (Belo Monte). As duas barragens inundam conjuntamente 51.600 hectares, dos quais 38.000 estão localizados na planície de inundação acima da barragem de Pimental. Um aspecto importante do projeto final foi a determinação de manter o fluxo de água (reduzido) em Volta Grande, uma medida destinada a mitigar o impacto sobre os meios de subsistência das comunidades indígenas que residem entre as barragens superior e inferior.
A versão final reduzida do projeto foi proposta durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e adotada com entusiasmo em 2002 pelo Presidente Lula da Silva, que, como líder do partido dos trabalhadores, foi atraído pela oportunidade de criar 50.000 empregos diretos e indiretos. A construção começou em 2011 e a primeira das dezoito turbinas foi inaugurada em 2016, durante o governo de Dilma Rousseff. Jair Bolsonaro comemorou a conclusão do projeto em 2019.
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte tornou-se realidade porque teve o apoio de um presidente popular e de seus aliados no Congresso, além do apoio de poderosos interesses econômicos. Foi construída por um consórcio de empresas de construção, todas elas envolvidas no escândalo da Lava Jato. A barragem e a infraestrutura associada são operadas pela Norte Energia, um consórcio de empresas de energia, mineradoras e fundos de pensão. A maior parte da energia gerada pela unidade será consumida no Sudeste do Brasil por meio de duas linhas de transmissão HVDC construídas por um conglomerado de energia da China.
A estimativa original para a construção de toda a instalação foi calculada em R$ 16 bilhões em 2010, mas a conta final está estimada em cerca de R$ 40 bilhões em 2020. É difícil saber o custo total devido à natureza complexa dos contratos e aos excessos de custos que caracterizam os projetos de energia hidrelétrica. A conversão desses números em dólares é problemática porque o real brasileiro (R$) perdeu aproximadamente 70% de seu valor nominal quando comparado ao dólar americano no mesmo período.
Apesar de ter sido projetada para minimizar os impactos a montante, a barragem reduziu drasticamente a extensão, a duração e a época das inundações anuais nas florestas sazonalmente inundadas abaixo da barragem, o que alterou a funcionalidade ecológica do habitat principal que sustenta a pesca comercial do rio. Os biólogos estão particularmente preocupados com a forma como os fluxos de água modificados afetarão o Tabuleiro do Embaúba, uma praia localizada logo abaixo da represa, onde dezenas de milhares de tartarugas gigantes da Amazônia (Podocnemis expansa), ameaçadas de extinção, se reúnem anualmente durante a época de reprodução.
Um exemplo dramático do impacto biológico da barragem ocorreu quando os operadores desviaram a água para a usina hidrelétrica em 2012. O fluxo de água através do Volta Grande foi reduzido em oitenta por cento e provocou a morte de dezesseis milhões de toneladas de peixes por falta de oxigênio quando eles ficaram presos em piscinas isoladas no canal principal. Um fundo de US$ 1 bilhão deveria compensar as comunidades locais por esses impactos, mas disputas legais e ineficiências administrativas impediram seu desembolso, e as comunidades foram forçadas a administrar o que presumivelmente era um impacto previsto sem a assistência que lhes havia sido prometida no plano de ação ambiental.
Infelizmente, os modelos hidráulicos usados no projeto da complexa instalação de dois estágios não levaram em conta o impacto das secas periódicas e, em 2019, a redução dos fluxos de água forçou os operadores a desligar dezessete das suas dezoito turbinas. No final de 2020, o órgão de proteção ambiental (IBAMA) ordenou que a empresa aumentasse o fluxo de água através do Volta Grande, o que a colocou em risco de não cumprir suas obrigações de fornecimento de energia. Se essa situação se repetir ou se tornar um evento crônico, a viabilidade financeira de toda a empresa ficará comprometida. A perda de eletricidade de Belo Monte causaria um déficit de energia na rede nacional que seria particularmente grave nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do país.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).