Novo estudo prevê aumento de 20% na infecção por vírus como dengue, zika e chikungunya nos próximos 30 anos devido às mudanças climáticas.
Temperatura mais altas já estão fazendo as doenças transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti proliferarem em regiões mais frias, como o sul do Brasil e o sul da Europa.
O desmatamento também favorece a propagação dessas moléstias, já que florestas ricas em biodiversidade, com mais predadores, tendem a inibir a presença do mosquito transmissor.
Em 2022, o Brasil bateu um recorde histórico: pela primeira vez, foram registradas mais de mil mortes por dengue.
O Brasil bateu o recorde de mortes por dengue em 2022, ao ultrapassar pela primeira vez na história recente a barreira dos quatro dígitos, com 1.016 óbitos. A triste marca deve ser superada em 2023.
De acordo com o Centro de Operações de Emergências de Arboviroses, já são 635 casos fatais registrados até 11 de junho, um aumento de 22% em relação ao mesmo período do ano passado. A última atualização do órgão, criado neste ano pelo Ministério da Saúde, aponta 1,3 milhões de ocorrências prováveis de pessoas infectadas até o momento. Em 2022, foram 1.450.270 casos.
Se a presença da dengue, cujo principal vetor é a fêmea do Aedes aegypti, se mostra assustadora no presente, um estudo da Universidade de Michigan (EUA) indica um panorama no futuro ainda pior. O potencial de transmissão das arboviroses — doenças que incluem, além da dengue, zika e chikungunya — pode aumentar 20% nos próximos 30 anos devido às mudanças climáticas.
O alarmante cenário projetado surgiu de uma investigação da incidência destas patologias em quatro capitais do Brasil: Manaus, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
“Os órgãos de controle brasileiros devem estar preparados não apenas para o aumento da incidência das doenças como dengue e zika, mas também para temporadas de transmissão mais longas e uma expansão da área geográfica de ocorrência”, afirma o epidemiologista Andrew Brouwer, coautor do estudo e pesquisador da Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan.
Aumento de surtos em regiões frias
Para medir o potencial epidêmico do zika e, por comparação, da dengue, o primeiro passo dos cientistas foi estimar o número de novos casos que os mosquitos causariam em uma população suscetível após picar uma única pessoa infectada, conceito conhecido por número básico de reprodução, ou R0. Em seguida, usaram dados históricos e projeções de temperatura dos anos 2045 a 2049 para prever o risco da doença.
Segundo Brouwer, um exemplo do que o aumento do número básico de reprodução pode significar na prática aparece no caso de Manaus, onde o R0 médio atual do zika é de 2,3 — ou seja, uma pessoa pode infectar 2,3 pessoas, e a expectativa até 2050 é de que cresça para cerca de 2,5. “Esta diferença no R0 parece pequena, mas pode elevar rapidamente as cadeias de transmissão e conduzir a surtos maiores e mais rápidos”, conclui.
Os resultados do estudo indicam aumento do potencial epidêmico do zika acima dos níveis atuais em todos os cenários climáticos analisados, incluindo Manaus, onde havia expectativa de redução na ameaça por conta do calor excessivo. A transmissão ideal do zika e da dengue ocorre quando as temperaturas médias diárias estão em torno de 30 °C, mas ainda são possíveis surtos até cerca de 35 °C.
A pesquisa mostra ainda temporadas de risco aumentadas em dois a três meses no Rio de Janeiro e em dois meses em Recife até 2050, para além dos atuais quatro meses onde há picos de transmissão (de dezembro a março). Devido as temperaturas mais baixas, São Paulo está no limite do potencial de transmissão, mas pode se tornar mais vulnerável a surtos de novembro a abril.
“Esperávamos uma redução consistente no risco de doenças arbovirais nas projeções para as regiões mais quentes do país, mas na maioria dos cenários vimos aumento acima dos níveis atuais. Nas regiões mais frias, provavelmente haverá surtos esporádicos, que se tornarão mais comuns e sustentados à medida que as temperaturas subirem”, disse Brouwer.
A expansão do mapa geográfico das arboviroses para regiões mais frias já acontece — impulsionada também, além do calor, pela mobilidade que o vírus adquiriu ao circular com facilidade por estrada e de avião pelas cidades grandes e médias do Brasil.
Um exemplo disso são os estados que apresentaram o maior número de óbitos em 2022: São Paulo (282 mortes), Goiás (162), Paraná (109), Santa Catarina (88) e Rio Grande do Sul (66). Joinville, em Santa Catarina, ficou em quarto lugar entre as cidades brasileiras com os maiores registros de dengue, totalizando 21,3 mil casos identificados.
Mais florestas, menos doenças
Um dos maiores especialistas em Vigilância em Saúde do país, Christovam Barcellos, pesquisador titular do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz (Lis/Icict), revela como o cenário de transmissão da dengue está mudando.
“Todas as pesquisas tradicionais sobre dengue falavam de calor e chuva, mas este padrão está mudando”, explica Barcellos. “Não é só a chuva que explica a dengue. A seca também produz a doença. As pessoas começam a armazenar água e trazem o inimigo para dentro de casa. No sul do Brasil, por exemplo, tivemos vários anos do La Niña [fenômeno sazonal de esfriamento das águas do Oceano Pacífico] e isso provocou uma seca muito forte, sem chuva e bastante calor, um fato inédito. Nestes lugares, explodiu a dengue.”
Barcellos é também um dos coordenadores no Brasil do projeto internacional Harmonize, financiado pelo fundo Wellcome Trust, que vai pesquisar como as mudanças climáticas podem alterar os padrões de incidência de doenças transmitidas por mosquitos. Segundo ele, “as doenças tropicais estão entrando para as zonas temperadas. Tive uma reunião com pesquisadores franceses que estão preocupadíssimos com a presença do Aedes aegypti no sul da Europa e querem aprender conosco para enfrentar uma eventual epidemia.”
A perda de biodiversidade pelo desmatamento também é um fator apontado pelos cientistas como fundamental para explicar o aumento das infecções por vírus como o da dengue e do zika.
Um estudo conduzido por pesquisadores de quatro universidades de Minas Gerais destaca como as matas, ao contrário do que diz o senso comum que as associavam com doenças tropicais, são uma das principais ferramentas de combate contra o Aedes aegypti.
“O Aedes aegypti não consegue sequer se instalar em uma área florestal. Só se estabelece em um ambiente com menos competidores e nenhum predador. Ele lida mal com a biodiversidade brasileira, e quando a diminuímos é criado o nicho perfeito para o mosquito se instalar e se reproduzir”, explica Sérvio Pontes Ribeiro, titular do Laboratório de Ecologia do Adoecimento e Florestas (Leaf) da Ufop, um dos responsáveis pela pesquisa.
Segundo o pesquisador, uma importante solução para combater a proliferação desse mosquito nas cidades é reflorestar dentro e no entorno dos municípios. “Os corredores arbóreos atraem passarinhos e outras espécies de mosquitos que não são transmissores de doenças e podem competir com eles. As matas bem cuidadas e preservadas fragmentam a população de Aedes aegypti e têm um efeito de dissolução.”
Imagem do banner: Mosquito Aedes aegypti, transmissor de vírus como dengue, zika e chikungunya. Foto: Muhammad Mahdi Karim, GFDL 1.2, via Wikimedia Commons