A economia ambiental vê o meio ambiente como uma forma de capital natural: a terra, a água e a biodiversidade são vistas como ativos que facilitam o fluxo de bens e serviços dos ecossistemas para a sociedade humana. Uma das inovações mais importantes dessa disciplina foi o conceito de Pagamento por Serviços dos Ecossistemas (PSE), com base na observação de que, sob certas circunstâncias, as sociedades estão dispostas a pagar pelo fornecimento de bens e serviços que se originam da natureza. A Pan-Amazônia é a floresta tropical mais diversificada biologicamente da Terra, suas florestas e solos contêm o maior estoque de carbono terrestre e é o lar do maior recurso de água doce do mundo. No entanto, tem sido difícil descobrir e implementar esquemas de PSE capazes de monetizar o valor deste enorme capital natural.
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Com relação à biodiversidade, seu valor permanece hipotético até ser descoberto; consequentemente, o potencial de mercado da grande maioria das espécies da Amazônia é desconhecido. A base da indústria farmacêutica moderna são produtos químicos derivados de plantas, fungos e animais, mas o processo de descoberta é longo, difícil e carregado de riscos. Obstáculos semelhantes impedem o investimento do agronegócio: a pesquisa para descobrir o potencial econômico da agrobiodiversidade é em grande parte realizada por instituições públicas. Um esquema de PSE para biodiversidade não é uma opção, porque os potenciais beneficiários de uma espécie desconhecida não foram ainda identificados.
O valor da água é mais fácil de estimar porque a consumimos diariamente; no entanto, o desenvolvimento de esquemas de PSE é difícil porque a Amazônia tem um excesso de água. É improvável pedir aos consumidores que paguem pela conservação em nome da água, exceto em um número limitado de situações caracterizadas pela escassez local. Por exemplo, os distritos urbanos de água nos Andes frequentemente incorporam o custo da conservação da natureza nas contas mensais de água; da mesma forma, as comunidades rurais dependentes da irrigação em vales andinos secos desenvolveram esquemas de PSE para compensar vizinhos em habitats de floresta nublada que atuam como torres de água. Em todos os casos, a conexão entre fornecimento e consumo é circunscrita a uma bacia hidrográfica local. Em escalas maiores, a água é vista como um recurso gratuito.
Duas descobertas científicas recentes oferecem uma oportunidade para um novo esquema de PSE, em escala continental, com base na água: (1) A convecção profunda, que mantém a chuva sobre a Amazônia, é ameaçada pelo desmatamento e fragmentação da floresta; e (2) o SMAS transporta água da Amazônia para as paisagens agrícolas dos subtrópicos. A economia agrícola combinada da Bacia Paraná-Paraguai girou aproximadamente US$ 200 bilhões em 2018.
Perdas de produtividade devido ao estresse da seca são comuns e se traduzem em bilhões de dólares de perda de receita. Infelizmente, um esquema de PSE é improvável porque exigiria a transferência de dinheiro para o Brasil de uma nação menos rica (Paraguai) e de um concorrente geopolítico conhecido pela má governança (Argentina).
Felizmente, o Brasil tem a capacidade e a infraestrutura institucional para implementar um programa de PSE com base em chuvas domésticas. O governo federal já apoia os estados amazônicos por meio de transferências de receitas embutidas no processo orçamentário anual; os gastos públicos são o maior componente da economia no Acre, Amapá, Rondônia e Roraima.
O sistema poderia ser expandido para um sistema PSE de fato, aumentando o financiamento de programas conhecidos por apoiar a reciclagem de água em paisagens de fronteira, incluindo a conservação de florestas, reflorestamento, agrossilvicultura e agricultura de baixo carbono. O valor potencial do carbono florestal motivou todas as nações do planeta a criar um esquema de PSE global lastreado em compensações de carbono.
Em 2009, os signatários da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) concordaram em implementar um sistema chamado Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). Na época, assumiu-se que as economias avançadas, e possivelmente a China, concordariam com reduções obrigatórias nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) e com a adoção de um mercado de carbono no modelo cap and trade, a fim de gerar demanda por compensações de carbono florestal.
Infelizmente, os Estados Unidos não adotaram uma estratégia coerente de mudança climática, e o mercado de conformidade no modelo cap and trade (limite e comércio) ainda não se concretizou. No período intermediário, os países da Pan-Amazônia investiram em diversas iniciativas de REDD+, motivados pela possibilidade de que os Estados Unidos viessem a adotar políticas de apoio. Foram encorajados por agências multilaterais de desenvolvimento e grupos da sociedade civil que forneceram recursos financeiros para criar a infraestrutura institucional necessária e para testar modalidades de investimento das receitas de um eventual sistema REDD+. Esse sistema preliminar vem operando desde seu início, gerando compensações de carbono que foram monetizadas dentro de um mercado voluntário de carbono ou através de acordos ad hoc negociados por agências multilaterais ou binacionais de desenvolvimento.
O governo brasileiro integrou suas políticas de REDD+ em sua estratégia nacional de mudança climática e optou por monetizar a redução de emissões através do Fundo Amazônia. De acordo com as regras estabelecidas pelo processo REDD+, o declínio do desmatamento entre 2005 e 2017 reduziu as emissões de CO2 da Amazônia brasileira em ~1,5 gigatoneladas. O governo brasileiro argumenta que essas reduções devem valer ~$US 22 bilhões com base num preço projetado de cerca de ~US$ 15 por tonelada de CO2.
As doações para o Fundo Amazônia totalizaram US$ 1,3 bilhões, o que se traduz num preço de compensação de carbono de US$ 0,86 por tonelada de CO2. O Brasil tem adotado políticas para reduzir o desmatamento por múltiplas razões, inclusive para proteger seus mercados de exportação e responder a um eleitorado interno preocupado com a Amazônia, mas quando vistas como investimento em REDD+, essas políticas não têm sido particularmente lucrativas.
O compromisso do Brasil com o sistema REDD+ está atualmente sob revisão pelo governo eleito em 2018, que fez campanha em uma plataforma de promoção do desenvolvimento convencional na Amazônia brasileira. Os dois maiores contribuintes para o Fundo Amazônia, os governos da Noruega e da Alemanha, suspenderam suas contribuições no final de 2019 para protestar contra a mudança nas políticas do então recém-eleito governo de Jair Bolsonaro. Esse conflito revelou diferentes interpretações do acordo REDD+: o Brasil argumenta que deve ser compensado pelo desempenho passado, enquanto que os países doadores acreditam que sua contribuição contínua é baseada em futuras reduções de emissões, ou no mínimo, um compromisso de manter políticas de combate ao desmatamento ilegal.
Os países andinos, a Guiana e o Suriname participam de iniciativas de REDD+ organizadas pelas Nações Unidas e pelo Banco Mundial, bem como em vários programas binacionais patrocinados por países doadores individuais. Numerosas iniciativas de REDD+ foram organizadas e financiadas por organizações da sociedade civil que ainda não monetizaram suas compensações de carbono; aparentemente, eles são titulares de certificados em expectativa de um futuro mercado de “cap and trade”. Até 2020, não havia uma estimativa publicada de seu valor de mercado, embora eles informem uma superfície total de 44 milhões de hectares.
Talvez a iniciativa REDD+ mais interessante seja a Força-Tarefa dos Governadores sobre Clima e Florestas (GCF-FT), uma coalizão de jurisdições subnacionais trabalhando para criar uma estrutura através da qual as reduções de emissões possam ser monetizadas independentemente das políticas nacionais. A abordagem territorial simplifica os desafios e mitiga muitos dos riscos associados ao monitoramento do desmatamento, enquanto fornece uma estrutura politicamente expedita para a distribuição das receitas geradas pelas reduções de emissões. Além disso, os defensores da iniciativa propõem agregar valor ao REDD+, incorporando mecanismos para contar as remoções de carbono que possam ocorrer devido a mudanças no manejo do solo ou outras oportunidades criadas por estratégias de desenvolvimento de baixas emissões (LEDS – Low Emission Development Strategies). As jurisdições participantes incluem os oito governos estaduais da Amazônia brasileira, Peru, Equador e Colômbia.
O sistema REDD+ não foi capaz de fornecer os recursos necessários para conter o desmatamento, e muito menos para transformar a economia regional. Essa falha é atribuída à incapacidade das economias mais avançadas de colocar um preço significativo nas emissões de carbono; entretanto, mesmo que as receitas de REDD+ fossem aumentadas, elas poderiam não ser suficientes para superar os múltiplos fatores complexos que impulsionam o desmatamento. Ainda menos provável é a perspectiva de destinar dinheiro para o reflorestamento de dezenas de milhões de hectares de pastagens degradadas que os modeladores climáticos afirmam ser necessário para estabilizar o regime de precipitação do continente sul-americano.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).