Pesquisadores identificaram que, dos cerca de 4,5 milhões de hectares de floresta nativa restaurados na Mata Atlântica entre 1985 e 2019, 1,5 milhão de hectares voltou a ser cortado depois de quatro a oito anos.
A Mata Atlântica é o bioma mais devastado do Brasil: os cerca de 32 milhões de hectares de vegetação nativa que restam representam 28% da cobertura original.
Como a maior parte dos remanescentes florestais fragmentados do bioma está localizada em terras privadas, um dos desafios apontados pela pesquisa é o fortalecimento de políticas públicas que estimulem os proprietários rurais a manterem as florestas nativas, como o pagamento por serviços ambientais.
Que os esforços de recuperação da Mata Atlântica esbarram no desafio de manter de pé as áreas restauradas nas propriedades privadas, os cientistas já sabiam. Faltava investigar quanto tempo sobreviviam as florestas regeneradas naturalmente (sem interferência humana) no bioma. Novas respostas foram divulgadas em artigo publicado por pesquisadores da Universidade de Columbia (Estados Unidos), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do ABC (UFABC).
A análise indicou que, de cerca de 4,5 milhões de hectares de floresta nativa restaurados na Mata Atlântica entre 1985 e 2019, dois terços (3,1 milhões de hectares) persistiram. Por outro lado, um terço da vegetação regenerada (cerca de 1,5 milhão de hectares) voltou a ser cortado pelos proprietários depois de quatro a oito anos. O processo chamado de “regeneração efêmera” preocupa os cientistas, sobretudo em cenários de agravamento da crise climática e de desmonte das políticas públicas ambientais no Brasil.
Com uma tese de doutorado recém-defendida na Universidade de Columbia sobre o tema, o biólogo Pedro Ribeiro Piffer, primeiro autor do artigo, explicou à Mongabay que alguns estudos anteriores, como uma publicação de 2020, já indicavam avanços na restauração da Mata Atlântica. Analisando imagens de satélite do MapBiomas, ele conta que a equipe conseguiu elaborar um diagnóstico sobre o nível de persistência de regeneração no bioma, acrescentando peças que faltavam a esse quebra-cabeças.
“A gente conseguiu mapear essa regeneração em nível de pixels, quadradinhos de 30 por 30 metros, e ver por quanto tempo cada pixel de floresta sobrevivia ou não no bioma como um todo”, observa o pesquisador. “Esse é o primeiro conjunto de dados para no futuro começar a analisar essas dinâmicas numa escala mais local.”
O estudo identificou que, em áreas de agricultura mais intensiva, há menos probabilidade de regeneração. Mas, quando isso acontece, as chances de sobrevivência da vegetação por mais tempo são maiores.
“Quando você tem na fazenda uma plantação de soja ou cana, a floresta se regenera numa área ao longo de um rio, riacho, ou margeando essas plantações. Essas áreas mais marginais são abandonadas e, por isso, acabam sobrevivendo”, afirma Piffer. Além disso, parte desses trechos mencionados também se caracterizam como Áreas de Preservação Permanente (APPs), se enquadrando, portanto, nas exigências do Código Florestal e não podendo ser desmatadas nas propriedades rurais. Ele destaca que a permanência também foi mais duradoura em áreas com níveis mais elevados de Produto Interno Bruto (PIB) e rendimento agrícola.
Dinâmica diferente acontece em áreas de pastagem ou de agricultura itinerante, onde o uso da terra muda ao longo do tempo, ao contrário de culturas permanentes, como soja e cana. Segundo o pesquisador, embora essas áreas sejam mais amplas e tenham um potencial maior de regeneração, “provavelmente, os trechos restaurados são novamente cortados para não impedir o uso do solo” — isso poderia trazer limitações à produtividade agropecuária que se deseja expandir, por exemplo.
Pela Lei da Mata Atlântica, de 2006, áreas do bioma restauradas há dez anos ou mais não podem mais ser cortadas. Embora faltem respostas mais precisas, os pesquisadores supõem que esse aspecto pode explicar o porquê de a regeneração durar menos de uma década. “Não afirmamos que os proprietários estão fazendo isso porque não investigamos as propriedades. Mas essa é uma das explicações mais plausíveis para os nossos resultados”, pondera Piffer.
Por que a vegetação restaurada volta a ser cortada
Respostas para esse dilema estão sendo buscadas pela pesquisa de doutorado que a bióloga Anazélia Tedesco está desenvolvendo pela Universidade de Queensland, na Austrália, com previsão de conclusão até março de 2023. Ela conta que “tem entrevistado donos de terra para entender quais incentivos (econômicos ou não) poderiam mudar o comportamento de reconversão da regeneração natural para conservação dessas áreas.”
A pesquisadora integra dois Grupos de Trabalho (Socioeconômico e Diversidade) do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, movimento formado por mais de 300 instituições que, em 13 anos, já recuperou cerca de 1 milhão de hectares de vegetação nativa. Até 2050, a meta é restaurar 15 milhões de hectares do bioma.
Sobre as contribuições do artigo recém-publicado, do qual não participou como coautora, a pesquisadora afirma que “a inovação central do trabalho é investigar quais fatores biofísicos e demográficos estão correlacionados à conservação e reconversão de áreas recém-regeneradas nas últimas três décadas”.
Segundo observa, isso é importante porque outros artigos, como um publicado em 2021, “já haviam mostrado que florestas regeneradas são frequentemente reconvertidas para outros usos da terra, mas até então não estava claro em quais condições a regeneração natural tinha mais ou menos probabilidade de se perpetuar ao longo do tempo.”
Ainda segundo Tedesco, “o estudo confirma que não existe solução mágica para o alcance das metas ambiciosas que o Brasil assumiu”. Parte desses compromissos se inserem no Acordo de Paris, com o qual o país se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas nativas até 2030, ano que marca também o fechamento da Década da Restauração de Ecossistemas. Ela menciona como iniciativa com esse propósito o Programa Reflorestar, no Espírito Santo.
Imagem do banner: Foto: Andre Cherri/WRI Brasil