O cultivo de palma para extração de óleo aumentou no estado de Roraima na última década, impulsionado pela ambição de produzir biocombustíveis.
Embora as companhias de óleo de palma que operam na área aleguem que não desmatam, críticos dizem que elas estão contribuindo para um aumento na demanda de áreas desmatadas na região, fazendo com que a pecuária, a soja e especuladores de terra se embrenhem mais na floresta.
À medida que a demanda por terra aumenta, incursões próximas a terras indígenas vizinhas às plantações de palma também crescem.
Ativistas pelos direitos indígenas dizem que, além da perda florestal, estão preocupados com os agrotóxicos usados nas plantações e com os rejeitos das usinas de processamento, que frequentemente vão parar no solo e nas fontes de água.
Em um trecho distante da Amazônia brasileira, a densa floresta tropical está lentamente dando lugar a fileiras de dendezeiros que se estendem por quilômetros. Adjacentes às plantações, uma estreita faixa de floresta – parte já arrasada – separa as áreas cultivadas da Terra Indígena Waimiri-Atroari.
Lá, no estado de Roraima, o cultivo de palma para extração de óleo de dendê aumentou na última década, alimentado por um ambicioso impulso para a produção de biocombustíveis. Em 2020, as plantações cobriam cerca de 10.127 hectares, abrangendo os municípios de Rorainópolis, São João da Baliza, Caroebe e São Luís, de acordo com ambientalistas que estudam o avanço das plantações de palma na região.
Mas esse impulso para a produção de óleo de palma vem com um custo, alertam observadores. Embora o setor alegue que não desmata, críticos dizem que ele está contribuindo para um aumento na demanda por terras desmatadas na região. Isso está fazendo com que a pecuária, a soja e especuladores de terra se embrenhem mais na floresta, diz Lucas Ferrante, biólogo e pesquisador do Instituto Nacional para Pesquisas na Amazônia (Inpa).
“Os pecuaristas vão ganhar uma pilha enorme de dinheiro por [vender] essas terras e vão migrar para áreas que ainda não foram desmatadas”, diz Ferrante, que estuda os impactos da produção de óleo de palma na Amazônia. “E eles vão começar a desmatar tudo de novo.”
Durante anos, a localização remota de Roraima ajudou principalmente a evitar o desmatamento crescente que afetava outros estados amazônicos como o Pará e o Mato Grosso. Quase 80% da floresta de Roraima ainda está intacta, apesar do avanço rápido da agricultura e da pecuária nos últimos anos.
Mas a pressão sobre as florestas de Roraima está crescendo. De 2008 a 2020, o estado perdeu 850 mil hectares de cobertura arbórea, totalizando 4,7% de suas florestas, de acordo com dados de satélites da Universidade de Maryland (UMD) visualizados pela Global Forest Watch. A taxa de desmatamento deu um salto de 216% em 2019, atingindo um novo pico com 61.700 hectares de floresta perdidos.
Nos quatro municípios onde a produção de óleo de palma está crescendo, o desmatamento também parece estar aumentando. Desde o começo do ano, a UMD registrou 46.881 alertas de perda de cobertura vegetal na região –65% deles registrados na semana de 15 de março (deve-se notar que esses alertas podem refletir tanto a perda do dossel nas plantações de árvores bem como o desmatamento de florestas naturais). O desmatamento também está invadindo terras indígenas próximas, como Waimiri-Atroari, Pirititi e Waiwai, ameaçando as comunidades que lá vivem.
“Essas novas plantações como as de palma estão gerando um novo ciclo de desmatamento na região”, diz Ferrante. “É por isso que não podemos dissociar a produção de biocombustíveis na Amazônia do desmatamento.”
Luta pela terra
A corrida do Brasil pelo plantio de palma começou há mais de uma década, alimentada por um esquema federal voltado para a expansão da produção sustentável de óleo de palma na Amazônia e no nordeste do país. A ideia era que as companhias transformariam áreas degradadas que antes serviam de pastagens em plantações de palma, fornecendo a pequenos agricultores uma renda sustentável sem a necessidade de invadir florestas intactas.
“Foi divulgado como algo realmente positivo”, diz Paulo Barni, professor de engenharia florestal na Universidade Estadual de Roraima em Rorainópolis. “O discurso dessas companhias era todo sobre capturar carbono e reverter a degradação ambiental. A iniciativa era vista como parte dessa nova economia verde.”
A maior parte da produção de óleo de palma do mundo acontece no Sudeste Asiático, onde ganhou notoriedade por seu papel no desmatamento e na degradação ambiental. Agora, à medida que grandes produtores como Malásia e Indonésia impõem regulações mais rígidas sobre o setor de óleo de palma, as companhias estão aumentando a produção na África e na América Latina, numa tentativa de atender o insaciável apetite do mundo pelo óleo, que é encontrado em todo tipo de produtos, desde pasta de dente até margarina e batom.
Até agora, o grosso da produção de óleo de palma do Brasil concentrava-se no Pará, o coração da pecuária do país. Mas Roraima, onde a terra é mais barata e abundante, está rapidamente se tornando uma perspectiva atraente para produtores que buscam se expandir. Pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) estimam que o estado tenha cerca de 700 mil hectares de terra já degradados ou desmatados que podem ser usados para plantar palma.
O apelo do óleo de palma pode aumentar ainda mais em Roraima à medida que o estado avança com um plano para usar biocombustível derivado do óleo de palma para abastecer sua rede elétrica. Legisladores dizem que a mudança reduzirá as emissões de carbono e tornará o fornecimento de energia mais confiável em Roraima, estado que não está ligado à rede nacional e sofre com a frequente falta de energia.
A Palmaplan e a Brasil BioFuels – duas das maiores produtoras de óleo de palma do país – estão ativas em Roraima e traçaram planos para aumentar drasticamente sua produção no estado nos próximos anos, acrescentando milhares de hectares às suas plantações. A Palmaplan já comprou cerca de 30 mil hectares de terra na região de Rorainópolis.
A Brasil BioFuels não respondeu aos pedidos da reportagem para comentar o assunto. Numa declaração enviada por e-mail à Monagabay, a Palmaplan disse que não cultiva palma em áreas com desmatamento de floresta primária e argumentou que suas plantações na verdade servem como “barreira contra o avanço do desmatamento.”
“O plantio de palma contribui para a recuperação da vegetação local, uma vez que é realizada em áreas previamente degradadas – na prática, o cultivo desempenha um papel importante na proteção do solo e na preservação da vegetação nativa ao redor”, diz a companhia.
Mas conservacionistas dizem que o óleo de palma leva indiretamente ao desmatamento, criando uma disputa por terra. Na região sul de Roraima, onde há uma expansão do plantio de palma, o crescente apetite por terras está levando pecuaristas e especuladores a se embrenharem mais na floresta, observa Barni.
“Esta é uma área onde a demanda por terras é muito maior”, diz Barni. “E, consequentemente, a oferta dessas terras supostamente abandonadas é muito maior.”
A Palmaplan diz que está comprometida como o crescimento sustentável e espera que todos na “comunidade local – incluindo produtores, assentamentos, reservas indígenas, entre outros – mantenham o devido respeito ao meio ambiente e à legislação ambiental vigente”.
As companhias de óleo de palma afirmam que plantam apenas em áreas que foram desmatadas antes de 2008. Mas, embora a maioria das plantações em Roraima ocupem terras que antes serviam de pastagens, dados mostram que quase 4% das áreas usadas pelas empresas para produzir óleo de palma foram desmatadas entre 2008 e 2019, de acordo com uma análise feita pela pesquisadora Glauria Gomes de Morais, da Universidade Estadual de Roraima.
E a pressão sobre as zonas tampão em volta das plantações – que deveriam servir como barreira protetora para as terras indígenas adjacentes – também está crescendo. Cerca de 5.359 hectares foram desmatados desde 2008 na região tampão em torno das plantações da Palmaplan. Em torno das plantações da BioFuels, 10.572 hectares foram desmatados no mesmo período, mostra a pesquisa de Morais.
“Não podemos afirmar que as plantações de dendê estão levando a esse desmatamento”, diz Morais. “Mas está claro que uma área significativa em torno delas foi desmatada recentemente.”
Ameaça às terras indígenas
À medida que a demanda por terra aumenta, incursões em terras indígenas vizinhas às plantações também crescem, e imagens de satélite mostram trechos desmatados dentro das TIs Trombetas/Mapuera, Waiwai e Waimiri-Atroari.
A TI Pirititi também está sob ataque, diz Alisson Marugal, promotora pública federal de Roraima. A área – que abriga povos indígenas isolados – ainda não foi totalmente demarcada e seu status de proteção deve expirar este ano. Numa corrida frenética para reivindicar a terra, madeireiros, especuladores e grileiros têm invadido a área desde 2019.
Muitos estão registrando áreas do território pelo Sistema de Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que, segundo Marugal, é uma “forma clássica de grilagem”. Uma investigação pelo órgão encontrou mais de 500 desses registros dentro da reserva Pirititi, que fica no município de Rorainópolis.
Cerca de 47,8% do território já foi reivindicado por invasores usando registros ilegítimos do CAR, de acordo com o Instituto Socioambiental, ONG que defende a diversidade ambiental e os direitos dos povos indígenas.
Embora não esteja claro se o óleo de palma influencia o avanço nas terras indígenas, Marugal diz que a maior disputa por terras parece estar alimentando a atividade de especulação em áreas protegidas como a reserva Pirititi.
“Esse avanço de madeireiras e do desmatamento na TI realmente nos preocupa”, diz Marugal. “Especialmente porque esta terra indígena ainda não foi demarcada, então seu status de proteção é muito frágil.”
A Palmaplan rejeitou as alegações de que suas atividades podem estar contribuindo para o aumento da demanda por terras ou com a invasão de territórios indígenas, afirmando que suas plantações em Rorainópolis ficam localizadas a cerca de 50 km do território protegido mais próximo.
Os invasores de territórios indígenas foram encorajados pela retórica do presidente Jair Bolsonaro, que recebeu apoio esmagador em Roraima quando foi eleito em 2018. Bolsonaro já protestou contra as proteções ambientais e prometeu permitir a entrada de mineradores, madeireiros e pecuaristas nas áreas indígenas.
“O discurso sobre abrir legalmente essas áreas ao agronegócio está encorajando aqueles que as estão invadindo”, diz Philip Fearnside, biólogo e cientista do Inpa.
Para as comunidades indígenas, a mudança dos padrões climáticos representa outro conjunto de desafios. Edinho Batista, coordenador do Conselho Indigenista de Roraima, diz que os ciclos de chuva estão mudando drasticamente – uma mudança que ele atribui à rápida expansão da agricultura em larga escala na região.
“Estamos sentindo os impactos, eles são realmente significativos”, diz Batista, que faz parte do grupo étnico Macuxi. “Sempre dependemos dos padrões de chuva para plantar e cultivar nosso alimento – e hoje, não podemos mais depender desses padrões. Há mudanças claras no clima.”
Ativistas dos direitos indígenas dizem que também estão preocupados com os agrotóxicos que as plantações de dendê utilizam e com o escoamento dos resíduos das usinas de processamento, que frequentemente vão parar no solo e nas fontes de água. Batista observa que, à medida que a agricultura de grande escala avança na região, as comunidades indígenas estão vendo sua saúde se deteriorar.
“Eles estão usando produtos químicos e estes se espalham pela água, pelo ar e pelo solo em nossos territórios”, diz ele. “Eles contaminam os animais, e nós acabamos comendo o peixe que foi envenenado. As pessoas acabam ficando doentes – elas estão ficando com câncer, hipertensão, diabetes.”
A Palmaplan negou usar quaisquer produtos tóxicos no cultivo das palmeiras, dizendo que “sempre cumpre toda a legislação ambiental e de saúde aplicável.”
Imagens de satélite mostram áreas desmatadas se expandindo próximas aos territórios indígenas Waimiri-Atroari e Piriti.
Mas no Pará, o Ministério Público Federal está numa batalha legal com a Biopalma, a maior produtora de óleo de palma do Brasil, por conta da contaminação por agrotóxicos da Reserva Indígena Turé-Mariquita. O povo Temé, que habita o território, diz que sua água foi envenenada por uma mistura tóxica de inseticidas e herbicidas que as usinas de óleo de palma lançam no rio.
Enquanto a pandemia de covid-19 continua afetando o Brasil, existe a preocupação de que pessoas de fora possam levar o vírus para os territórios indígenas. Por causa de seu relativo isolamento, os povos indígenas tendem a ser mais vulneráveis até mesmo a doenças comuns. O risco para essas comunidades – que têm um histórico de serem dizimadas por doenças levadas por pessoas de fora – é ainda maior com um vírus mortal como o da covid-19.
Para Batista, o avanço de especuladores ávidos por terras está ameaçando não apenas a saúde das comunidades indígenas, mas também seus direitos fundamentais. “Continuamos resistindo – mas nosso direito ao território está sendo atacado”, diz Batista. “O desmatamento aqui está aumentando, está fugindo do controle.”
Imagem do banner: Fruto do dendezeiro, usado para produzir óleo de palma. Rhett Butler/Mongabay.
Essa matéria foi promovida pela Places to Watch, uma iniciativa da Global Forest Watch (GFW) voltada a identificar rapidamente perdas florestais no mundo e promover uma investigação mais aprofundada dessas áreas. A Places to Watch baseia-se numa combinação de dados de satélite quase em tempo real, algoritmos automatizados e inteligência de campo para identificar novas áreas mensalmente. Em parceria com a Mongabay, a GFW está apoiando o jornalismo baseado em dados, fornecendo dados e mapas gerados pela Places to Watch. A Mongabay mantém completa independência editorial sobre as reportagens feitas usando esses dados.