Estudos recentes lançam luz sobre um campo relativamente novo para a ciência: a forma com que os pontos de inflexão climática podem levar ao colapso dos ecossistemas e em quanto tempo isso pode ocorrer.
O primeiro estudo modelou uma base de dados ambientais e descobriu que grandes ecossistemas, embora pareçam mais estáveis, podem entrar em colapso mais rapidamente do que os menores porque seus habitats e espécies, interconectados, impactam uns aos outros.
Alguns cientistas elogiaram o estudo por ser inovador. Mas outros o criticaram por avaliar poucos ecossistemas e fazer generalizações sobre o colapso de sistemas maiores, como a Floresta Amazônica, bioma que não foi incluído na base de dados da pesquisa.
Um segundo estudo descobriu que mesmo pequenas mudanças num ecossistema podem se propagar, criando alterações cada vez maiores e levando a um eventual colapso. Cientistas concordam que é necessário pesquisar mais para refinar as previsões.
Os maiores ecossistemas do mundo podem sofrer alterações drásticas mais rápido do que se pensava, de acordo com um estudo recente publicado na revista Nature Communications. O trabalho lança uma nova luz sobre o comportamento dos pontos de inflexão do clima global.
Exemplos analisados revelam um padrão: ecossistemas maiores entram em colapso mais rápido do que os menores. Os pontos de inflexão climática podem acontecer em questão de anos ou décadas – e não na escala de tempo ecológica de centenas ou milhares de anos.
Mesmo ressaltando grandes níveis de incerteza, os autores, observando a atual tendência, preveem que, depois que o ponto de inflexão for ultrapassado, a Floresta Amazônica poderá desaparecer em menos de 50 anos. Já o fim dos recifes de coral do Caribe se dará em 15 anos.
“A Amazônia pode morrer antes de mim”, ponderou Simon Willcock, coautor do estudo e palestrante sênior na Universidade de Bangor (Reino Unido), ao ver os resultados. “Nunca parei e pensei que a floresta poderia desaparecer enquanto eu estivesse vivo. É muito triste.”
Há mais de 10 anos, um grupo de cientistas publicou um artigo pioneiro sobre a ameaça dos pontos de inflexão do clima. Na época, esse era considerado um cenário improvável. Mas, com as evidências crescendo, outros pesquisadores alertaram depois para o degelo das calotas polares e a morte de florestas tropicais em caso de mudanças definitivas no clima. Hoje, alguns desses pontos críticos estão provavelmente muito próximos, com impactos devastadores – entre eles aquecimento global, fenômenos climáticos extremos e escassez de alimentos.
Carlos Nobre e Thomas Lovejoy, respeitados especialistas em Amazônia, escreveram um artigo recente alertando que “o ponto de inflexão da Amazônia chegou”, baseado em observações de uma atmosfera cada vez mais seca. “Estamos à beira do abismo”, relatou Nobre. O modelo feito por Simon Willcock e seus colegas traça um retrato claro do que significa um ponto de inflexão dessa escala.
Efeitos dominó (chamados de “cascata” pelos cientistas) ocorrem num ritmo mais acelerado em ecossistemas em que os habitats e as espécies estão interconectados – um quadro comum nos maiores biomas da Terra. Embora essa inter-relação ajude os grandes sistemas a ter resiliência, ela também amplifica o colapso.
Funciona como numa fogueira, explica Willcock: um tronco de lenha fornece uma hora de fogo, mas dois troncos juntos fornecem uma hora e meia porque as propriedades mudam conforme o tamanho. “Relações e ligações extras através de animais e plantas afetam a forma como o choque pode passar pelo sistema.”
Os grandes recifes de coral, as florestas tropicais e os polos congelados são, para muitas pessoas, expressões permanentes da geografia do planeta. Mas, com a destruição ambiental generalizada pela ação humana, estamos nos aproximando dos pontos de inflexão do clima e das suas terríveis consequências.
“A aparente estabilidade de longo prazo dos maiores e menos perturbados ecossistemas é um parâmetro equivocado para prever a velocidade potencial de seu colapso”, alerta o artigo. “A humanidade precisa se preparar agora para as mudanças nos ecossistemas. Elas são mais rápidas do que imaginamos anteriormente com nossa visão linear tradicional do mundo.”
A humanidade foi embalada por uma falsa sensação de segurança em relação à permanência dos biomas, talvez porque o clima global tenha se mantido constante nos últimos 10 mil anos – gerando uma estabilidade no clima e nos ecossistemas que não existe mais.
Para o climatologista Carlos Nobre, as descobertas estão alinhadas com suas previsões para a Floresta Amazônica: “Se atingirmos o ponto de inflexão, a floresta será transformada numa savana degradada dentro de 30 a 50 anos”, diz ele. “O artigo faz uma análise mais rigorosa dos riscos e coloca a Amazônia na mesma escala temporal de outros ecossistemas.”
O novo estudo é um mergulho pioneiro com o objetivo de observar a relação entre o tempo e o espaço dos pontos de inflexão, dizem os pesquisadores. De pequenos lagos a processos de desertificação, um total de 42 estudos de caso foram analisados dentro de uma base de dados extensa: 13 ecossistemas de água doce, 25 marinhos e 4 terrestres.
Contudo, alguns cientistas argumentam que os dados não sustentam conclusões em relação ao colapso repentino de florestas tropicais. De acordo com Erika Berenguer, pesquisadora da conservação na Universidade de Oxford, a previsão que o estudo faz para a Amazônia é uma “especulação corajosa” e não está apoiada em evidências sólidas.
“Estamos vivendo um momento de movimentos anticiência e teorias da conspiração. Precisamos ser cuidadosos ao apresentar especulações em nossos artigos”, diz ela. “No conjunto de dados”, aponta Berenguer, “há apenas quatro ecossistemas terrestres e nenhum deles é similar a uma floresta tropical. Observações sobre os recifes de coral não podem ser extrapoladas para a Amazônia. Pode ser o caso para alguns ecossistemas, mas não sabemos se é o caso para todos”.
Para Sassan Saatchi, pesquisador sênior e especialista em ecossistemas do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, esse é um campo de pesquisa ainda emergente. “Estamos nos primeiros estágios disso; é a ciência do século 21”, diz. “Alguns desses modelos não têm observações suficientes. É uma área que provavelmente vai crescer mais.”
Os autores do artigo dizem que seus resultados não têm o objetivo de fazer previsões precisas. “Dados levemente errados são mais úteis do que dado nenhum”, sugere Willcock. “Nossas descobertas apontam para um padrão global geral.”
“O que estamos fazendo é colocar esse problema no mapa”, acrescenta Gregory Cooper, geógrafo da Universidade de Southampton e coautor do texto. “Se a Amazônia seguir os padrões que os outros pontos de inflexão seguiram, essa é a escala temporal que iremos ter.”
Num cenário em que tudo permaneça igual, Saatchi estima que vai levar 100 anos (com uma margem de erro de 20 anos, mais ou menos) para que todo o sistema tropical se degrade pela atividade humana. Fatores climáticos podem diminuir pela metade esse tempo, alinhados com as estimativas do estudo. “Todos os trópicos são em grande parte subdesenvolvidos, com uma grande tendência de construir infraestrutura”, diz ele. Nações tropicais subdesenvolvidas “aspiram a isso, e a comunidade global quer vê-las se desenvolver, mas esse processo também causa a destruição da floresta”.
Outro estudo recente alerta que mesmo mudanças ambientais mais sutis podem levar a um ponto de inflexão no futuro – uma espécie de efeito borboleta. “Não se engane com as pequenas mudanças, pois elas mostram que há um processo de evolução em curso que pode levar a um colapso mais tarde”, explica André de Roos, ecólogo da Universidade de Amsterdã, na Holanda.
Para De Roos, o padrão é observável em diversos cenários, inclusive na crise financeira de 2008. “Ela começou nos anos 1970 e 80, com o relaxamento das regulações bancárias, que fez os bancos assumirem riscos maiores”, diz ele. “O ponto de inflexão aconteceu em 2008, mas foi uma mudança lenta na atitude dos bancos em relação aos riscos que culminou no colapso.”
Os pesquisadores do estudo olharam para modelos em que as mudanças ambientais não causam nenhum efeito imediato, mas desencadeiam um processo evolucionário que se alastra e se intensifica, chegando eventualmente a um ponto de inflexão muitas gerações mais tarde.
“Primeiro fiquei surpreso com o fato de que a evolução pudesse nos levar a um ponto de inflexão”, diz Catalina Chaparro-Pedraza, principal autora do artigo e ecóloga da Universidade de Amsterdã. “Precisamos entender como cada ecossistema reagirá mais especificamente, em vez de generalizar, para que possamos entender melhor o processo [do ponto de inflexão e do colapso]”, explica. “Podemos olhar para essas mudanças e indicadores preliminares. Uma mudança agora pode fazer com que todo o sistema colapse 20 anos mais tarde.”
Um exemplo oferecido por Saatchi: a colonização e a expansão da borracha no Brasil há décadas podem estar contribuindo para uma Amazônia mais suscetível hoje. “Um ponto de inflexão não significa que todo o sistema desaparecerá, mas que ele perderá sua função normal, como o armazenamento de carbono.” Mais carbono na atmosfera leva a mais secas e mudanças nos regimes de chuva. Todos esses elementos podem agir juntos para intensificar o processo dos pontos de inflexão no mundo todo. “Estamos preocupados com o quanto a humanidade é vulnerável ou resiliente”, ele acrescenta. No entanto, está claro que prever o colapso com precisão exigirá ainda muito mais tempo de pesquisa.
Citações:
Cooper, G.S., Willcock, S. & Dearing, J.A. Regime shifts occur disproportionately faster in larger ecosystems. Nat Commun 11, 1175 (2020).
Chaparro-Pedraza, P.C., de Roos, A.M. Ecological changes with minor effect initiate evolution to delayed regime shifts. Nat Ecol Evol 4, 412–418 (2020).
Imagem do banner: riacho na Amazônia colombiana. Foto: Rhett Butler.