No Dia Internacional da Biodiversidade, o líder do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos chama a atenção para a importância ambiental da savana tropical mais biodiversa do planeta.
No Cerrado, importante reservatório de nascentes e habitat de 5% da biodiversidade mundial, o índice de desmatamento chega a ser 2,5 vezes maior que o da Amazônia.
Este artigo não necessariamente reflete a opinião da Mongabay.
Os incêndios que assolaram a Amazônia no ano passado botaram o Brasil nas manchetes do mundo todo, e com razão. A icônica floresta tropical armazena milhões de toneladas de dióxido de carbono – sua queima significa um clima menos estável em toda a Terra. Mas os incêndios também devastaram, na mesma proporção, outro bioma da América do Sul, mas a cobertura jornalística desta catástrofe foi escassa.
No centro do Brasil (com pequenas porções na Bolívia e Paraguai) estão 200 milhões de hectares da savana tropical mais biodiversa do planeta, com 5% das espécies do mundo: o Cerrado, região que, assim como a Amazônia, também detém uma quantidade de carbono fundamental para o equilíbrio climático do planeta.
O desconhecimento sobre sua importância talvez se deva pelo que não é visível em sua paisagem: cerca de 70% da biomassa do Cerrado é subterrânea, e isso quer dizer que os reservatórios de carbono que abriga no solo contribuem imensamente para balizar a concentração de CO² na atmosfera. Como passam por uma longa estação seca a cada ano, as árvores do Cerrado se adaptaram, crescendo para baixo, em vez de para cima, em busca de água.
Por conta disso, a maioria dos brasileiros considera o Cerrado uma “floresta feia” — as árvores do bioma não são altas, como na imponente Amazônia.
Hoje é o Dia Internacional da Biodiversidade, e é fundamental considerarmos a contribuição deste bioma: rios e chuvas dentro do Cerrado estão conectados a quase todo o Brasil – levando água para a agricultura, geração de energia hidrelétrica e consumo humano.
Além das 12.070 espécies de plantas e 1.050 espécies de animais vertebrados, atualmente cerca de 46 milhões de pessoas vivem dos recursos naturais da região: povos indígenas, comunidades tradicionais, produtores familiares, populações urbanas, além de importantes setores, como o agronegócio e a mineração. O Cerrado brasileiro concentra atualmente grande parte da produção de commodities agrícolas de importância mundial.
O segundo maior reservatório subterrâneo de água do mundo – o Aquífero Guarani – assim como a maior planície alagada do planeta – o Pantanal – se compõem das nascentes do Cerrado; e seu ecossistema está seriamente ameaçado se continuarmos com o desmatamento alarmante promovido pela agricultura em larga escala, que até hoje já fez desaparecer 50% do bioma. Isso antes dos incêndios que varreram grande parte da região em 2019.
Pesquisas apontam que o desmatamento no Cerrado é 2,5 vezes superior ao da Amazônia, e mesmo assim, não gera tanta comoção social. Em regiões como Matopiba, sigla relacionada à fronteira agrícola em expansão nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o cenário é bastante grave — até 2010 , 60% da cobertura original tinha sido convertida em pastagens e monoculturas, e muito do que resta já sofreu algum tipo de intervenção antrópica.
A comemoração do Dia Internacional da Biodiversidade deve nos lembrar que compartilhamos a nossa existência com vários outros seres; com o lobo-guará, o tamanduá-bandeira e frutos como o pequi, coquinho-azedo e baru, no caso do Cerrado. Uma maneira de interpretar biodiversidade é considerar que ela é reflexo da interação de todos os elementos que possibilitam a vida como a conhecemos. Assim, precisamos ser responsáveis por nossa influência direta sobre a manutenção da biodiversidade, seu uso e consequências sobre a vida humana, animal e vegetal; em qualquer bioma ou ecossistema.
A covid-19 é o exemplo mais recente da interferência humana em processos naturais e suas consequências. A Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) divulgou recentemente um comunicado reforçando a necessidade de conciliar o retorno à atividade econômica como a proteção aos ecossistemas e manutenção da biodiversidade. Caso a destruição continue, teremos um aumento significativo na probabilidade de novas pandemias.
Existem 1,7 milhão de vírus ainda sem identificação. Manter as florestas em pé nos previne de entrar em contato com fontes de novas doenças. A lição que a pandemia nos deixa é a de reconhecer a necessidade vital de garantirmos o desenvolvimento sustentável a fim de mantermos os nossos ecossistemas conservados se quisermos continuar existindo. Esta situação nos faz nosso olhar mais uma vez para o desconhecido Cerrado, que mais do que nunca, se evidenciado e protegido, contribuirá com elementos essenciais, como água e recursos naturais, para superarmos essa e qualquer outra crise futura.
No momento, iniciativas como as que estão sendo protagonizadas pelo Fundo de Parceria Para Ecossistemas Críticos e pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil estão ajudando a encontrar o caminho para esse novo modelo rumo ao desenvolvimento sustentável. O fundo tem 52 instituições parceiras, unidas na conservação da biodiversidade do Cerrado e dos serviços que ele provisiona aos brasileiros. As ações envolvem 6.335 pessoas e protegem 11.533.753 hectares do bioma. Além de contribuir com o beneficiamento de 108.125,76 kg de matéria-prima extraídas do Cerrado, o que promove um incremento de renda para as comunidades de R$ 119.264,00 na comercialização de sementes nativas e R$ 245.443,78 em frutos do Cerrado.
Os ótimos resultados que alcançamos até aqui, seguramente nos trazem um motivo para comemoração neste Dia Internacional da Biodiversidade, pois demonstra que é possível colhermos muitos frutos desta conciliação do uso da biodiversidade com a sua proteção, que levam benefícios diretos às populações que compartilham o Cerrado.
Michael Becker é líder da equipe de implementação regional do CEPF (sigla em inglês para Critical Ecosystem Partnership Fund, ou Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos) e vem atuando desde 2000 para assegurar a contribuição da sociedade civil na conservação de ecossistemas ricos e altamente ameaçados. No Brasil desde 2016, o CEPF atua com o apoio do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), instituição brasileira do terceiro setor dedicada a formar e capacitar pessoas. Esta é a lista das organizações que fazem parte da rede: http://cepfcerrado.iieb.org.br/lista-projetos/
Imagem do banner: Gregoire Dubois.