Blairo Maggi fez fortuna com grandes plantações de soja mato-grossense, na Amazônia Legal. Atualmente, a empresa de sua família, o Grupo Amaggi, domina o agronegócio nacional — com lucros provenientes de commodities agrícolas, e das estradas, ferrovias e hidrovias industriais que as transportam.
Maggi destacou-se na política brasileira, tornando-se governador do Mato Grosso, senador, e recentemente, ministro da Agricultura do governo Temer. É também líder da bancada ruralista — o lobby do agronegócio — que domina o governo brasileiro.
Outrora conhecido como “O Rei da Soja”, Maggi frequentemente impulsionou as políticas anti-ambientais do agronegócio, inclusive às que levaram ao desmatamento em larga-escala na Amazônia, acabaram com a demarcação de terras indígenas, e propiciaram projetos de infraestrutura potencialmente nocivos à biodiversidade. Embora pareça incoerente, atualmente ele tem lutado pelo fim da exploração de madeira ilegal e pela redução do desmatamento.
Na segunda-feira, 17 de julho, Maggi irá reunir-se com representantes do governo Trump a fim de pleitear o término do embargo norte-americano à carne brasileira, resultante do escândalo que envolveu uma superintendência regional supervisionada por seu Ministério. Recentemente, apesar de uma acusação de corrupção contra Maggi por investigadores da operação Lava-Jato; ele continua responsável pela elaboração de políticas que impactarão a Amazônia.
A trajetória de vida do controverso empresário e político, Blairo Borges Maggi, conduziu-o de pequeno fazendeiro familiar a comandante de um império internacional do agronegócio. Galgou a posição de governador do estado de Mato Grosso, foi a senador, e posteriormente ao seu atual cargo de ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), posto ocupado em 2016 no governo Temer, após a queda de Dilma Rousseff.
Maggi é um sujeito complexo, difícil de classificar. Foi batizado pela mídia como “O Rei da Soja” e demonizado por ambientalistas que o agraciaram com o prêmio “Motosserra de Ouro” por liderar os índices de desmatamento na Amazônia no início dos anos 2000. Recentemente, foi aclamado por alguns conservacionista por auxiliar na redução do desmatamento ilegal.
Atualmente, o ministro se vê como um defensor do agronegócio brasileiro — uma indústria de commodities que, apesar da economia oscilante do país, continua a expandir. Maggi gaba-se do papel que ele e o país desempenharam na redução da fome mundial e afirma que os produtores de soja brasileira são “uma peça fundamental da cadeia alimentar.” Contudo, a história de Maggi é assombrada por acusações de corrupção, e por sua associação com a bancada ruralista, vinculada à grilagem e ao desmatamento na Amazônia.
Seu novo cargo no governo Temer — na liderança do agronegócio brasileiro, que há muito tem cobiçado a Amazônia — lhe dá extraordinária influência sobre o futuro da floresta tropical. Como tal, ele é quem ambientalistas precisam conhecer e melhor entender.
Enquanto Temer se via diante de uma possível votação relacionada a sérias denúncias contra si na Câmara dos Deputados, Maggi planejava sua ida aos Estados Unidos para pleitear o fim do embargo americano à exportação de carne brasileira junto ao Secretário da Agricultura do Governo Trump, Sonny Perdue. O embargo foi provocado pelo escândalo da carne brasileira que envolvia um serviço de inspeção federal corrupto supervisionado pelo ministério de Maggi.
Origens no agronegócio
Nascido em 1956, Maggi ainda era criança quando seu pai, André, começou a cultivar soja em uma pequena propriedade de São Miguel do Iguaçu, estado do Paraná, ao sul do país. A fazenda progrediu, e em 1977 a família — composta pela esposa de André, Lúcia; seu filho, Blairo; e mais quatro filhas — abriu a Sementes Maggi.
Os preços do grão no mercado internacional continuaram a aumentar trazendo consigo as perspectivas da família Maggi, que à época cobiçava as vastas planícies do centro-oeste brasileiro. Em 1979, André Maggi comprou 2.400 hectares (5.930 acres) no Estado do Mato Grosso.
Hoje, o Grupo Amaggi (com “A” de André) é um dos maiores exportadores de soja e um dos maiores produtores de grãos do Brasil. O diverso Grupo Amaggi muito se dedica aos grandes projetos de infraestrutura, subsidiados pelo governo, necessários à sustentação da indústria da soja, incluindo terminais de soja, rodovias, ferrovias e hidrovias industriais — projetos sobre os quais Blairo Maggi têm grande influência como ministro da Agricultura.
Mas, no fundo, ele é apenas um fazendeiro: “O que realmente me faz feliz é ver os grãos crescendo no campo,” disse ele ao jornal The Guardian em 2008.
Em 2016, a receita líquida de vendas da Amaggi Commodities totalizou 3 bilhões de dólares, um aumento de 27.6% se comparado a 2015, de acordo com a revista Exame. O lucro líquido ajustado foi de 126.8 milhões de dólares no ano passado, contra 29.8 milhões de dólares em 2015.
O sucesso econômico do grupo, com certeza, se deve ao espírito empreendedor de seu fundador (falecido em 2001) e ao seu esforçado filho, que ajudou a construir a empresa. O patrimônio Amaggi foi significativamente aprimorado com a ditadura militar no Brasil (1964-1985), cujos programas favoreciam pesadamente a, então emergente, classe do agronegócio — os ruralistas — que continuaram a receber benefícios na democracia. De acordo com muitos especialistas, a bancada ruralista é a força política mais poderosa no Congresso e no governo Temer atualmente.
Vencendo mesmo em desvantagem
“A trajetória empresarial da Maggi tem início durante a expansão agrícola do governo militar no cerrado e na Amazônia”, explica a geógrafa Sandra Costa, estudante de doutorado na Universidade de São Paulo, cuja a tese de mestrado em 2012 é intitulada A questão agrária no Brasil e a bancada ruralista no Congresso Nacional.
Uma avalanche de recursos federais provenientes de iniciativas da ditadura como a POLOCENTRO — Programa de Desenvolvimento dos Cerrados — financiou a infraestrutura do agronegócio (rodovias, armazenamento de grãos e eletrificação), e subsidiou o crédito rural, a pesquisa para o plantio em larga-escala, e o suporte técnico para produtores iniciantes no agronegócio.
Mas muito mais estava por vir: “O governo doou terras governamentais — à época, ocupadas por camponeses e povos indígenas — para empresas interessadas na produção de commodities a serem comercializadas em bolsas de valores,” afirmou Costa. “As terras foram arrendadas à pequenos e médios produtores ou vendidas a preço baixo.”
Quando os contratos originais expiraram, muitos produtores, especialmente na Amazônia e no cerrado, elaboraram escrituras fraudulentas, em muitos casos aumentaram o tamanho de suas propriedades, afirma a geógrafa.
“Neste ponto da colonização agrícola (1975-1984), pequenos agricultores e (…) povos indígenas [e tradicionais] foram ignorados em políticas governamentais [favoráveis ao agronegócio]. Vistos como obstáculos ao progresso, a população rural empobrecida foi destituída de suas terras, forçada a mudar-se para as cidades ou a aceitar empregos perigosos na região rural — muitas vezes submetidos a condições análogas à escravidão. Essa dura realidade contrasta fortemente com a imagem projetada pela dita “moderna agricultura brasileira”, afirma Costa.
“Nossa situação agrária resulta de um processo histórico advindo de um estado patrimonial, que não faz distinção das fronteiras entre o público e o privado e que sempre contou com a participação de grandes proprietários de terras; estes que, por sua vez, exercem controle sobre o Executivo, o Legislativo e, até mesmo, o Judiciário,” disse Costa.
Rei da Soja e governador
No início dos anos 90, a família Maggi entrou na política. André, o patriarca, fundou Sapezal, um município do Mato Grosso, e tornou-se seu primeiro prefeito. Blairo iniciou suas atividades políticas como senador suplente.
“A criação (…) de Sapezal está ancorada na proposta de colonização do grupo Amaggi,” observa o website do município, declaração esta que demonstra o estreitos laços entre o agronegócio e as comunidades que ele ajudou a criar no cerrado e na Amazônia. Após alguns anos, André Maggi deixou a posição; não antes, porém, de iniciar um corredor de exportação no Rio Madeira.
Em 2002, Blairo Maggi foi eleito governador do Mato Grosso, com 50.6% dos votos. As exportações de soja estavam em ascensão na ocasião, e Maggi priorizou investimentos em infra-estrutura durante seu mandato, pavimentando mais de 600 quilômetros de rodovia e viabilizando o contato entre o crescente negócio da soja no interior com a costa Atlântica e mercados globais.
Maggi, por exemplo, foi responsável pela construção da controversa MT-235 que transpassa a reserva indígena Utiariti, uma iniciativa que possibilitou o transporte de soja com caminhões para o Rio Madeira. Esse empreendimento foi muito útil a Maggi — que, até 2008, era dono de mais de 200.000 hectares (494.000 acres) em plantações de soja — e a outros fazendeiros também.
A construção de estradas rendeu elogios ao governo local: Maggi “sempre investiu na região (…). Construía estradas para seus próprios produtos, só que permitia que todos usassem. Então, quem iria reclamar?” disse Dal Maso, ex-prefeito de Sinop.
O governador Maggi, no entanto, não agradou à ambientalistas. Em 2003, seu primeiro ano de governo, a taxa de desmatamento no Mato Grosso mais que dobrou. A INPE, agência responsável pelo rastreamento do desmatamento na Amazônia, reportou perda de 10.088 milhas quadradas de cobertura florestal na região para o período entre agosto de 2003 e 2004, dos quais 48% ocorreram em Mato Grosso.
Uma das mais pesadas críticas à Maggi no período pode ser encontrada no jornal The Independent, em um artigo intitulado O estupro da floresta tropical (…) e o responsável por isso: “Ele é Blairo Maggi, o fazendeiro milionário e político intransigente a liderar o crescimento da produção de soja no Brasil,” afirmou o jornal. “No Brasil, ele é conhecido como ‘O Rei da Soja’, já ambientalistas brasileiros lhe deram outro nome — O Rei do Desmatamento.”
As declarações indiferentes de Maggi sobre o meio-ambiente não ajudam a melhorar sua imagem: “Entendo que um aumento de 40% no desmatamento não significa nada, e não me sinto nem um pouco culpado pelo que estamos fazendo aqui,” afirmou ele ao The New York Times, “Estamos falando de uma área maior do que a Europa que mal foi tocada, então não há nada com que se preocupar.”
Maggi foi agraciado com o prêmio Motosserra de Ouro em 2005 pelo Greenpeace, ONG ambientalista, por sua contribuição para a destruição da floresta amazônica.
Reeleição
A imagem negativa do governador não impediu sua reeleição em 2006, com 65.3% dos votos, o que demonstra que sua rejeição entre os conservacionistas não se estendeu aos eleitores do Mato Grosso que o viram como alguém capaz de trazer prosperidade para o isolado estado.
Gradativamente, no entanto, Maggi começou a dialogar com seus críticos. Participou de conferências climáticas e recepcionou a 14ª Reunião Katoomba, um evento em Cuiabá, voltado à preservação florestal, do qual participaram cientistas e ambientalistas.
Também cortejou ambientalistas, buscando à diminuição da exploração de madeireira ilegal e desmatamento no setor agrícola. Ele exerceu sua pressão política para implementar o mecanismo de compensação de emissão de carbono, evitando o desmatamento de florestas por parte dos fazendeiros, enquanto que arrecadava receita fiscal para o Mato Grosso. Embora as taxas de desmatamento tenham permanecido altas.
Em seu segundo mandato (2007-2010), Maggi apoiou a construção de hidrelétricas na bacia amazônica, inclusive a Barragem Dardanelos de 256 megawatts, no rio Aripuanã, e de outras pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
A controversa barragem de Dardanelos custou cerca de 229 milhões de dólares, e 65% de seu financiamento partiu do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto passou por diversos processos judiciais iniciados por ambientalistas. O Ministério Público do Estado (MPE) iniciou uma ação contra a Secretaria do Estado do Meio Ambiente (Sema) — criada EM 2005 pelo, então governador Maggi — afirmando que o relatório de impacto ambiental (Rima) do projeto apresentava “seríssimos problemas jurídicos.” Consta no processo que o Rima deixou de incluir certos danos que poderiam ser infligidos pela construção das linhas de transmissão necessárias à distribuição de energia. Em 2010, a represa foi ocupada por manifestantes indígenas exigindo compensação pela destruição de cemitérios.
A construção de duas pequenas hidrelétricas em Mato Grosso, propriedades da Amaggi Energia, foi concluída em 2007. Nesse mesmo ano, o Sema autorizou a mudança de rota para a linha de transmissão de Dardanelos, o que representou um custo adicional para o governo de 153 milhões de dólares e uma economia de custos para Amaggi na conexão das PCHs ao sistema de transmissão elétrica. Atualmente, o Grupo Amaggi tem cinco PCHs com uma produção de 70 watts no total, que dão suporte à produção de soja. Um desses projetos oferecia perigo à subsistência dos Enawené-Nawé — um povo indígena que, com muita dificuldade, luta para manter suas tradições — e foi embargado por um procurador federal em 2008. No entanto, Maggi levou o caso ao Supremo Tribunal, que anulou a ordem de suspensão.
A soja global
Com o crescimento da fortuna de Blairo Maggi, veio o crescimento do Grupo Amaggi, que subiu ao nível de gigante internacional. Em 2008, a companhia inaugurou a Amaggi Europa baseada em Rotterdam, Holanda, com a subsequente aquisição de uma empresa de esmagamento de soja em Fredrikstad, Noruega, e locação de 5.000 hectares (12.355 acres) na Argentina — o terceiro maior produtor de soja do mundo. A maior cliente da Amaggi, China, ainda não tem uma filial, mas o grupo já manifestou a intenção de “estar nos EUA e Ásia até 2020.”
O acelerado crescimento do conglomerado ocorreu em paralelo ao aumento da fortuna pessoal de Blairo Maggi. Entre 2006 e 2010 sua fortuna aumentou de 10 milhões de dólares para 46 milhões de dólares, foi o que declarou à corte eleitoral quando foi candidato ao Senado federal.
Em entrevista à Veja março passado, Maggi minimizou suas posses: “Posso ter o título de bilionário, mas meu proventos são limitados. [Na] empresa da minha família, disponho apenas dos dividendos. Não é um negócio de que posso dispor para comprar um iate, [ou] fazer tudo o que quero.”
De acordo com a lista dos 50 maiores bilionários brasileiros da Forbes Brasil, Maggi em 2015 tinha um patrimônio líquido de 1.22 bilhões de dólares, enquanto que outros membros da família também foram ranqueados: sua mãe, Lúcia, por exemplo, também possuía 1.22 bilhões de dólares.
Maggi, o bilionário, continua a se ver como um guardião do agronegócio. E afirmou recentemente: “quero mais ferrovias e rodovias novas ou pavimentadas,” fazendo referência à seu objetivo de reparar e expandir a vasta rede de transporte brasileira.
Um de seus sonhos é a hidrovia industrial que transportaria a soja e os grãos da Amaggi, bem como commodities de outras companhias, do Mato Grosso através dos rios Juruna e Teles Pires, chegando ao rio Tapajós e ao Amazonas, e por fim ao Atlântico e portos na Europa e Ásia. Cientistas expressaram preocupação com os potenciais riscos ao meio ambiente trazidos por estes projetos, e o consideram “uma crise por acontecer.”
Maggi continua a defender veementemente os aprimoramentos à BR-163, que liga o Mato Grosso ao Rio Tapajós e é considerada, por fazendeiros, vital ao comércio estrangeiro de soja, carne, milho e outras commodities. No entanto, o pesquisador do Imazon, Paulo Barreto, afirmou à Mongabay que “na última década o número de grileiros cresceu nos arredores de BR-163”. Nem mesmo a criação de novas unidades federais de conservação ao longo da estrada impediu o crime. “Atualmente, os grileiros ricos e já estabelecidos opõem-se à proteção de terras, [e buscam apossar-se de terras federais,] um verdadeiro desserviço aos instrumentos de políticas públicas.”
Dois meses após sua saída do Ministério do Meio Ambiente, durante o Governo Lula, Marina Silva declarou que o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, e o governador de Rondônia, Ivo Cassol a pressionaram a aliviar algumas das medidas implementadas pelo governo para reduzir o desmatamento na Amazônia.
Rumo ao estrelato político
Em 2010, Maggi ganhou ainda mais visibilidade com sua investidura como senador pelo Mato Grosso, e rapidamente revelou-se um hábil parlamentar.
Em 2013, embora enfrentasse oposição de parlamentares de esquerda defensores do meio ambiente, Maggi foi eleito por seus pares como presidente da Comissão do Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA).
Juntamente com 27 outros senadores, Maggi apresentou proposta de emenda constitucional para suspensão de demarcação de terras indígenas, demarcação esta iniciada na Constituição de 1988. Isso surpreendeu grupos indígenas brasileiros, que, de boa-fé, vinham buscando seus direitos através do lento processo legal há décadas; a manobra, no entanto, foi vista como uma grande vitória para os ruralistas, muitos dos quais nutrem a expectativa de apossar-se de terras reivindicadas por indígenas. A medida ainda não passou, mas continua sob consideração do Congresso.
Mais uma contribuição de Blairo Maggi para o Senado foi sua defesa da PEC 65/2012, uma emenda constitucional que simplificaria (ou, diriam os críticos, “demoliria”) o processo de licenciamento ambiental de projetos de grandes infraestruturas, como barragens e rodovias. A PEC 65/2012 determina que, da apresentação do relatório inicial de impacto ambiental (AIA), futuros desenvolvimentos em um projeto não poderão ser suspensos ou cancelados.
Como relator da Comissão de Constituição e Justiça, Maggi afirmou em abril de 2016: A PEC 65 “visa garantir a segurança jurídica na execução de obras públicas. Ela não agride o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.” Ambientalistas opõem-se a emenda, que ainda aguarda votação.
Enquanto isso, a Amaggi continuava a expandir. O conglomerado abriu uma divisão na Suíça em 2013 (que vende milho e farelo de soja para a Itália, Argélia e Marrocos) e outra em Ciudad del Este, Paraguai, em 2014, que supre os mercados da Europa e Ásia.
Mas nem tudo correu bem para Blairo Maggi. No final de 2013, ele e outros funcionários foram ligados à operação Ararath da Polícia Federal, uma apuração do recebimento de valores indevidos por políticos. Maggi, no entanto, não foi chamado a comparecer pessoalmente no Supremo Tribunal Federal (STF). “Na condição de governador, Blairo Maggi tomou empréstimos com o BicBanco, ocultando sua real situação financeira e atuando com intenções espúrias na política do Mato Grosso,” afirmou o ministro Dias Toffoli, ao autorizar a continuação da investigação.
Documentos recuperados na residência de antigos assessores do governador de Mato Grosso “revelaram que […] Maggi obteve 1.2 milhões em propina.” O dinheiro foi usado para pagar Alencar Soares Filho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), para que antecipasse sua aposentadoria, deixando a vaga para Sérgio Ricardo de Almeida, também do TCE, e provavelmente um aliado de Maggi.
Em maio de 2016, Rodrigo Janot, procurador geral, solicitou ao ministro do STF, Dias Toffoli, o fechamento do inquérito da Operação Ararath sobre Maggi. Toffoli concordou, afirmando que a investigação falhou em “ encontrar prova eficaz e conclusiva de atuação ou participação direta de Maggi em” atos de corrupção. Dois dias depois, Maggi assumiu como ministro da Agricultura do recém-empossado presidente, Michel Temer.
Problemas com a carne
Desde de que assumiu há mais de um ano, o novo chefe do MAPA não escondeu sua pauta de desregulamentação federal. Em fevereiro de 2017, Maggi afirmou em entrevista concedida à Telesur: “ a burocracia é uma das coisas que mais afeta os resultados dos produtores, leis aprovadas há anos que fazem pouco sentido atualmente e custam caro para se aderir… Deixe o mercado livre para que ele possa mover-se mais rápido!”
Logo no início, ele anunciou seu plano Agro +, que inclui 69 medidas “de aumento de eficiência e redução da burocracia no agronegócio brasileiro.” Seu ministério reduziu o rigor das regras de certificação sanitária e acabou com as re-inspeções de carregamentos e portos conduzidas pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF), e eliminou a exigência do selo de qualidade da agência em produtos de origem animal.
No lançamento do Plano Agro +, Maggi declarou: “O estado não pode mais arcar com os custos de contração de centenas de técnicos para cargos burocráticos. Temos que confiar mais nas empresas [agropecuárias]… que investem milhões de dólares em suas cadeias produtivas. O estado conduzirá somente inspeções ocasionais. Quem penalizará as empresas infratoras será […], acima de tudo, o mercado.”
O julgamento do mercado chegou rápido. Em março de 2017, a Polícia Federal revelou um esquema de corrupção galopante entre a indústria da carne e o serviço de inspeção federal, esquema esse voltado a viabilização “da produção de alimentos adulterados através da emissão de certificados sanitários sem efetiva inspeção.”
Funcionários do Ministério de Maggi cometeram crimes nos estados do Paraná, Goiás e Minas Gerais a fim de “dar guarida a grupos de negócios em detrimento do interesse público,” é o que afirmam investigadores da Operação Carne Fraca (uma referência a frase: o espírito é forte, mas a carne é fraca).
Por pelo menos os últimos três anos, e muito antes da chegada de Maggi, inspetores agrícolas brasileiros já permitiam a venda e exportação de produtos fora da validade ou adulterados. Em troca, agentes da MAPA recebiam propina ou até mesmo recebiam seus salários diretamente das empresas de processamento de carne, esse era o procedimento adotado pela Seara, de propriedade da JBS, uma das maiores empacotadoras de carne — cujo co-proprietário recentemente implicou o próprio Presidente Temer em corrupção.
O esquema de inspeção de carne foi tão ousado que alguns cargos de inspetor do MAPA supostamente foram preenchidos por representantes das empresas de processamento de carne. Funcionários de uma gigante do processamento de carnes, BRF, chegaram a ocupar posições de inspetores dentro do Ministério da Agricultura e emitiram certificados sanitários usando senhas de funcionários do MAPA, afirmou a polícia. Em troca, as companhias de processamento de carne financiaram generosamente as campanhas de partidos políticos de grande expressão.
No ano passado, o Ministério de Maggi apontou cerca de 200 leis e normas que seriam antiquadas e ineficientes. Essas estão para ser eliminadas ou simplificadas a fim de reduzir os custos dos produtores do agronegócio.
A defesa de Maggi
Com a tempestade causada pelo escândalo das carnes no centro do Ministério, Maggi resolveu intervir. Alegou haver “erros técnicos” no trabalho da Polícia Federal, suspendeu as exportações das unidades sob investigação, demitiu inspetores e superintendentes. Deixou de fora seu próprio papel na flexibilização das normas de inspeção, arguindo que os problemas originaram-se da falta de agentes para a supervisão das fábricas de processamento, e disse ainda que o MAPA não tinha recursos para contratar novos agentes.
A China, que é um dos maiores importadores de carne brasileira (1.75 bilhões em 2016 de acordo com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), baniu a importação de todos os produtos derivados de carne e demandou do governo uma resposta, esta foi prontamente concedida pelo ministro Maggi que conduziu uma delegação chinesa em uma visita à fábrica da BRF em Rio Verde, Goiás. O povo brasileiro, 80% dos consumidores da produção de carne nacional, não recebeu o mesmo nível de esclarecimento.
“A falta de esclarecimentos por parte do governo demonstra que maior importância é conferida à pauta de exportação do que à saúde e segurança alimentar. A todo momento — inclusive em suas postagens diárias no Facebook — Blairo Maggi demonstra se importar apenas com a pauta econômica. A percepção do problema com as carnes no exterior é o que interessa. Ele não inaugurou essa linha de pensamento, mas ela assumiu uma feição radical [sob sua liderança]. Blairo Maggi é a força catalisadora por trás da promoção do agronegócio “a todo custo”, afirma Alceu Castilho, editor do “ De Olho nos Ruralistas”, um website voltado a fiscalização do agronegócio brasileiro.
Benefício fiscal para o agronegócio
A isenção de contribuições previdenciárias federais nas exportações do agronegócio é outro subproduto da mentalidade do “agronegócio a todo custo”.
Por lei, as empresas de exportação do agronegócio são as únicas no Brasil a receber tal isenção, isenção esta que permanece mesmo em meio a uma crise com poder suficiente para colocar o sistema de segurança social do país sob risco de um colapso. No ano de 2016, o referido sistema acumulou um déficit de 70 bilhões de dólares.
Maggi e os ruralistas mantêm-se irredutivelmente contra a tributação: “Ao agronegócio devem-se a maior parte da economia brasileira e o equilíbrio da economia do país, e sendo assim, penalizar àqueles que estão sendo eficientes seria loucura,” afirmou o ministro em defesa de sua indústria.
O fim dessa isenção especial concedida à exportação é um dos objetivos do plano de reforma da segurança social que está atualmente em discussão no Congresso. De acordo com as estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), se aprovada, a medida geraria uma receita extra de 2 bilhões de dólares por ano.
E o desmatamento…
O clamor dos ruralistas por “agronegócio a todo custo” afeta também o meio ambiente, afirmam críticos. Em março, Maggi afirmou: “O Brasil precisa ser reconhecido como uma nação que promove uma agricultura sustentável e que preserva o meio ambiente. Mas, nenhum outro país tem leis que protegem os leitos de rios e reservas legais como temos aqui,” uma afirmação que indica um contínuo comprometimento do ministro com a desregulamentação e enfraquecimento da preservação de terras.
Ao ser questionado sobre as 3.088 milhas quadradas de desmatamento na Amazônia ocorridos entre agosto de 2015 e julho de 2016, o que representa um aumento de 29 por cento em relação ao ano anterior, o ministro respondeu: “Esses dados não têm relação com a soja ou com a agricultura. É mais provável que as áreas desmatadas tenham sido transformadas em pasto de gado. Empresas de processamento de carne não compram mais carne de quem pratica o desmatamento ilegal. Não afasto a possibilidade do envolvimento de assentamentos rurais nessa questão, também.”
Há evidências contra os argumentos de Maggi, visto que boa parte do desmatamento é atribuída ao agronegócio, especialmente à indústria de gado que frequentemente “lava” rebanhos bovinos ao criá-los em terras ilegalmente desmatadas, para então movê-los para pastos legais pouco antes do abate.
Marcio Santilli, um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA), minimiza essa imagem de um agronegócio imaculado que políticos ruralistas como Maggi tentam passar para a comunidade brasileira e global: “É um discurso dissimulador e um forte escudo. Maggi, assim como o setor ruralista, não reconhece que existe uma relação orgânica entre a produção agrícola e o desmatamento.
Desde o ano passado, o Ministério Público do Pará tem investigado a participação da Amaggi Exportação e Importação em uma empreitada de negócios que destruiu 115 milhas quadradas de floresta amazônica, e supostamente envolveu apropriação ilegal de terras e trabalho escravo.
Entre 2012 e 2015, a Amaggi, a processadora de carne JBS e o grupo Bom Futuro (cujos parceiros são primos de Maggi), supostamente transferiram 5.3 milhões de dólares para o fazendeiro AJ Vilela, líder de uma violenta gangue que desmata ilegalmente terras amazônicas. Alega-se que o dinheiro foi usado na compra de grãos e animais vindos de áreas ilegamente desmatadas. AJ Vilela foi acusado na Operação Rios Voadores.
Essa é apenas uma das acusações de corrupção e um dos problemas legais que o ministro Maggi enfrenta atualmente. Janeiro último, o juiz Luis Aparecido Bertolucci da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular de Cuiabá, ordenou o congelamento de 1.2 milhões de dólares do patrimônio de Blairo Maggi e a remoção do conselheiro Sérgio Ricardo de Almeida do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) pela suposta compra de sua vaga no TCE. O juiz determinou que o término da investigação criminal sobre Maggi na Operação Ararath não impede uma ação civil por improbidade administrativa. Em março, o ministro do MAPA entrou com uma petição alegando suspeição do juiz Bertolucci.
Em Abril, foi divulgado que ele e outros oito ministros do governo Temer seriam investigados por corrupção pelo STF em uma etapa da investigação da Lava-Jato. De acordo com o testemunho de um dos executivos da Odebrecht, Maggi supostamente recebeu 3.6 milhões de dólares em contribuições ilegais durante sua campanha para governador em 2006.
Revelações envolvendo Maggi provavelmente continuarão a aparecer com o progresso das investigações, enquanto isso o governo Temer trepida (com novas ameaças de corrupção contra o Presidente sendo anunciadas). Neste ínterim, o Ministério da Agricultura, liderado por Maggi, continua a soltar novas medidas, frequentemente concedendo aos ruralistas vitórias enquanto põe o meio-ambiente e a diversidade do Brasil em risco.
A Mongabay pediu uma entrevista ao ministro Maggi por diversas vezes entre abril e maio de 2017, mas o escritório de comunicações do MAPA não respondeu.