Além da habitual corrupção nacional, nos últimos anos os empresários chineses, que estão ocupando cada vez mais a Panamazônia, fizeram incursões nessa prática ilegal.
Em países como a Bolívia, descobriu-se que eles subornaram autoridades para obter licenças benevolentes, incluindo a venda de ações da estatal YPFB. No Peru e no Equador, foi relatada a manipulação do sistema de contratação para beneficiar a empresa chinesa.
Embora todos esses casos possam parecer iguais, o que os diferencia é o quanto eles foram capazes de controlar essa corrupção e quais mecanismos de governança estão em vigor. E se o sistema judiciário permite (ou não) a impunidade dos responsáveis pelo crime.
Na última década, a Pan-Amazônia viu um aumento substancial no número de empresas chinesas, seja como investidores diretos ou como empreiteiras que constroem infraestrutura para governos financiados por empréstimos da China. A falta de transparência que caracteriza sua terra natal promove um ambiente que permite que as empresas chinesas escapem do escrutínio. Muitos analistas presumem que esses contratos foram contaminados por subornos e propinas, uma suposição baseada nas reputações chinesa e latino-americana de corrupção. Contudo, pouquíssimos escândalos foram expostos pela imprensa, e a maior parte das supostas irregularidades se baseia em conjecturas sobre o que constitui um bom negócio e um preço justo. No entanto, há várias exceções.
Em 2016, um conjunto incomum de circunstâncias revelou uma rede de suborno na Bolívia que ligava uma grande empresa de construção chinesa a funcionários do governo boliviano. A China CAMC Engineering (CAMC), uma subsidiária da China National Machinery Industry Corporation (SINOMACH), havia assinado contratos com o governo boliviano no valor aproximado de US$ 576 milhões, incluindo:
- A venda de três plataformas de perfuração de petróleo em 2009 para a empresa estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) por US$ 60 milhões.
- O projeto e a construção de uma usina de açúcar em San Buenaventura, La Paz, para uma empresa estatal de commodities (Empresa Azucarera San Buenaventura) por US$ 167 milhões em 2012.
- A construção da ferrovia Bulo Bulo-Montero para conectar a rede ferroviária com uma fábrica de ureia no Chapare, um projeto que foi abandonado em 2015 depois que a empresa recebeu um adiantamento de US$ 20 milhões em uma oferta total de US$ 104 milhões.
- A barragem e o reservatório de Misicuni, em Cochabamba, por US$ 70 milhões em 2015; os custos excedentes acabaram adicionando outros US$ 48 milhões ao projeto, que foi concluído em 2017.
- Uma fábrica de fertilizantes de potássio em Potosí, por US$ 179 milhões, construída entre 2015 e 2018.

A compra para YPFB foi financiada por um empréstimo do ExIm Bank of China, enquanto as outras dependiam de fundos do Banco Central da Bolívia. Em outras palavras, a CAMC estava competindo com empresas bolivianas e brasileiras, e não podia depender da influência política de um banco chinês que condicionasse o empréstimo à aquisição de bens e serviços chineses.
O escândalo que envolveu esses contratos não se relacionava com uma auditoria ou uma investigação anticorrupção; a atenção do público se concentrou em uma ex-namorada do então Presidente Evo Morales, que foi contratada pela CAMC como executiva sênior em sua subsidiária boliviana. A mulher, Gabriella Zapata, não possuía qualificações evidentes; no entanto, ela tinha em sua posse uma certidão de nascimento que mostrava que Evo Morales era o pai de seu filho, a qual usou para ganhar influência com seus superiores na CAMC e com funcionários do governo.
Sua influência desapareceu quando foi revelado que a criança não existia e que ela havia enganado o presidente com uma certidão de nascimento fraudulenta. O valor exato do dinheiro que foi desviado para propinas nunca foi apurado, mas uma comissão de 5% teria gerado cerca de US$ 30 milhões. Inicialmente, a Sra. Zapata ameaçou implicar altos funcionários do governo, mas acabou confessando a fraude documental e assumiu a responsabilidade pelo caso. Em janeiro de 2024, ela estava cumprindo uma sentença de dez anos em uma penitenciária boliviana.
Também houve alegações de suborno pela CAMC no Peru, onde o Ministerio de Energía y Minas assinou um contrato em janeiro de 2023 para construir uma rede elétrica no estado do Amazonas por US$ 31 milhões. Evidências de irregularidades foram descobertas no Equador, onde a empresa recebeu uma série de contratos entre 2012 e 2018 para construir vários escritórios de serviço de segurança governamentais, cinco hospitais de última geração e um projeto de urbanização por um total de US$ 850 milhões. Uma investigação de lavagem de dinheiro nos Estados Unidos revelou que a CAMC havia pagado US$ 1,3 milhão ao irmão do controlador (Pablo Celi de la Torre), que supostamente manipulou o sistema de contratação pública para favorecer a empresa.

Um escândalo ainda mais importante envolve a Sinohydro, a empresa chinesa que construiu a usina hidrelétrica de Coca Codo-Sinclair entre 2005 e 2016, e Lenín Moreno, que foi vice-presidente (2007-2013) e presidente (2017-2021). Os subornos foram supostamente feitos à família de Moreno por meio de intermediários no Panamá enquanto o país negociava a liquidação de mais de US$ 1,9 bilhão em custos excedentes associados à polêmica barragem localizada no Rio Coca, na Amazônia equatoriana. Em 5 de março de 2023, o procurador-geral acusou formalmente Moreno, sua esposa, duas filhas, um filho e quatorze co-conspiradores de fraudar o Estado em um total de US$ 76 milhões.
Assim como o caso Lava Jato revelou a onipresença do sistema de propina incrustado no cartel da construção civil brasileira, esses exemplos mostram a escala potencial das práticas corruptas associadas às empresas chinesas. Na Bolívia, sua atividade criminosa foi exposta por acaso, e a penalidade subsequente não teve nada a ver com o crime de desvio de dinheiro. No Equador, os crimes foram descobertos por hackers de Internet, mas as acusações criminais foram apresentadas por uma procuradora-geral, Diana Salazar, primeiro em sua função de promotora e depois como procuradora-geral do país.
A corrupção é um traço cultural comum a todas as sociedades humanas; no entanto, algumas nações conseguiram controlá-la melhor do que outras. Elas foram bem-sucedidas porque adotaram mecanismos de governança que fortalecem suas instituições, garantem transparência nas operações do Estado e contam com sistemas judiciais que responsabilizam os indivíduos por ações ilícitas.
Imagem destacada: Canyon no Parque Nacional de Sumaco. Imagem de Rhett A. Butler.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).
Leia as outras partes extraídas do capítulo 6 aqui:
Capítulo 6. Cultura e demografia definem o presente
- A cultura e os grupos humanos que definem o presente da Pan-Amazônia Setembro 18, 2024
- A demografia da Pan-Amazônia Outubro 4,2024
- A comunidade indígena da floresta amazônica luta por seu pleno reconhecimento Outubro 8, 2024
- O surgimento de cidades ao redor da Amazônia Outubro 17, 2024