Os morcegos desempenham um papel fundamental como polinizadores, dispersores de sementes e controle de pragas agrícolas nas regiões tropicais. Mas eles estão expostos a uma ampla variedade de ameaças, sendo a poluição uma delas.
Dois artigos recentes mostram como a transformação e a degradação da paisagem natural para dar lugar a pastagens, monoculturas e mineração na Mata Atlântica podem aumentar o acúmulo biológico de metais pesados tóxicos nas populações de morcegos, possivelmente impactando sua saúde.
Com o tempo, o acúmulo de toxinas pode aumentar a probabilidade da extinção local de morcegos e levar à perda de serviços ecossistêmicos essenciais. A contaminação dessas paisagens por toxinas também representa uma preocupação para a saúde humana, dizem os pesquisadores.
As descobertas provavelmente se aplicam também a morcegos que vivem em outros habitats tropicais degradados ao redor do mundo, afirmam os pesquisadores.
Os morcegos desempenham um papel fundamental na saúde dos ecossistemas florestais enquanto polinizadores, dispersores de sementes e controle de insetos considerados pragas agrícolas. Mas de acordo com uma nova pesquisa, os morcegos e os serviços ecossistêmicos que oferecem estão ameaçados na Mata Atlântica, bioma altamente fragmentado, onde grande parte das áreas naturais foram degradadas pela atividade agrícola e a mineração, aumentando a exposição da vida selvagem a metais pesados tóxicos.
Cientistas da Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia, retiraram amostras de pelos de morcegos de áreas variadas no estado – incluindo pastagens, monoculturas de eucalipto e café e agrofloresta de cacau – e testaram o material para a presença de três metais: chumbo, manganês e cobre.
“Descobrimos que os morcegos que vivem em áreas cuja paisagem é dominada pela agricultura intensiva ou por pastagens têm níveis mais altos de metais tóxicos no organismo, especialmente chumbo e manganês”, revela Julián Barillaro, líder do estudo e pesquisador de Ecologia da conservação na Universidade de Santa Cruz. Segundo ele, isso provavelmente se deve ao uso de agrotóxicos e combustíveis que contêm chumbo. A redução do habitat natural também pode ser uma das causas do aumento dessa exposição.
Outros fatores, como as diferentes espécies e o sexo dos morcegos, não afetaram a bioacumulação, levando os autores a crer que os animais entraram em contato direto com os metais pesados ao descansarem em arbustos ou árvores contaminadas e depois se limparem. Para avaliar os níveis de exposição nas diferentes monoculturas serão necessários mais estudos, diz Barrilaro, uma vez que algumas espécies de morcegos se movimentam bastante pelo território e podem ir de plantação em plantação.
Em comparação, os pesquisadores descobriram que os morcegos das áreas de agrofloresta de caucau, com maior cobertura de floresta natural, apresentaram menor nível de contaminação, embora alguns tivessem níveis elevados de cobre, provavelmente devido ao uso de fungicidas.
Essa descoberta é importante, pois sugere que a agricultura orgânica do cacau, que substitui os agrotóxicos por métodos de manejo menos danosos ao ambiente, pode ser benéfica tanto para os fazendeiros quanto para a biodiversidade, diz Barillaro. “Demonstramos que uma paisagem com mais agrofloresta é mais amigável aos morcegos do que uma paisagem de monocultura”, afirma.
“Essas descobertas são muito importantes para a conservação dos morcegos, bem como de outras espécies, pois comprovam que as monoculturas com uso intensivo de contaminantes podem afetar os animais por contato direto, não só por meio das frutas, mas também pela água”, diz Ana Luiza Destro, pesquisadora de pós-doutorado do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal de Viçosa, que não esteve envolvida no estudo.
Cacao agroforest in the Atlantic Forest. These agricultural systems saw lower levels of lead and manganese contamination but higher copper in some bats. The study underlines the finding that, of the agricultural landscapes studied, organic certified cacao farming can be the most beneficial to the health of bats and possibly other wildlife, says Julián Barillaro. Image courtesy of Martin Cervantes.
Poluição diversa
Em outro estudo publicado no início deste ano, Destro e colegas descobriram que morcegos frugívoros expostos a poluentes tóxicos gerados pela mineração de bauxita e minério de ferro na Mata Atlântica sofriam impactos diretos na saúde. Os morcegos dessas áreas altamente impactadas acumulavam metais como alumínio, ferro e bário no organismo, e apresentaram evidências de danos ou inflamação no fígado, rins, cérebro e músculos, o que os pesquisadores atribuíram a esses contaminantes. Os morcegos de áreas de extração de minério de ferro apresentaram níveis ainda maiores de contaminação.
“Além da contaminação pelo aumento de metais no ambiente, o impacto sobre os animais também está intimamente ligado à perda de habitat e de fontes de alimento. Estas últimas, por sua vez, afetam a saúde dos animais, o que pode ampliar os efeitos nocivos dos contaminantes”, diz Destro. As monoculturas agrícolas também limitam o habitat e a disponibilidade de alimentos, possivelmente produzindo um efeito similar.
Barillaro diz que os danos fisiológicos encontrados nos estudos das áreas de mineração corroboram as preocupações levantadas em seu artigo: “juntos, esses estudos enfatizam que as ameaças significativas que os morcegos sofrem em decorrência das atividades humanas, e a necessidade urgente de políticas para combater não só a poluição direta, mas também a degradação de habitat, além de promover o manejo sustentável das paisagens.”
Embora seja desafiador ligar essas descobertas aos impactos mais amplos sobre o ecossistema e a saúde humana, ambos os pesquisadores dizem que é muito provável que o ambiente esteja poluído com toxinas, e isto é um risco potencial para outras espécies e para os seres humanos.
“Se o ambiente está contaminado, se os animais estão contaminados, isso inevitavelmente atingirá os seres humanos”, diz Destro. “Seja pela cadeia alimentar, pela ingestão de água contaminada ou mesmo pela inalação do ar.”
“Este estudo mostra que há muitos metais pesados [nas áreas degradadas] capazes de afetar a saúde humana, principalmente das pessoas que trabalham diretamente nas plantações”, concorda Barillaro. A exposição a esses metais pode ser ainda maior se os trabalhadores não dispuserem de equipamento de proteção individual. O chumbo é especialmente preocupante tanto para os morcegos quanto para os humanos, pois é mais nocivo e está ligado a uma série de condições graves de saúde.
Consequências mais amplas
As descobertas de ambos os estudos apontam para os riscos às populações de morcegos e aos serviços ecossistêmicos que eles oferecem aos seres humanos. Os morcegos não só desempenham um papel fundamental na regeneração das florestas por meio da polinização de plantas ou dispersão de sementes como também são essenciais no controle de pragas. Pesquisas sugerem que os morcegos, juntamente com as aves, são muito importantes para as plantações de cacau.
Diante de outras pressões como a perda de habitat e o acesso a alimentos, a poluição pode aumentar o risco de extinções locais. E isso pode gerar outras consequências: uma pesquisa feita nos EUA e publicada no começo do ano estabeleceu uma ligação entre o declínio geral das populações de morcego e o aumento do uso de inseticidas agrícolas com o crescimento da mortalidade infantil humana nas áreas afetadas.
Na Mata Atlântica, o papel dos morcegos pode ser especialmente importante, uma vez que o bioma, sitiado por áreas degradadas, enfrenta o desmatamento severo há décadas, colocando em risco espécies de árvores e da fauna. Sem populações de morcegos saudáveis, a resiliência dos fragmentos remanescentes de floresta pode ser impactada, afetando sua regeneração, dizem os pesquisadores. “Se a saúde desses animais estiver ameaçada, as florestas e sua capacidade de se regenerar também estarão cada vez mais em risco”, explica Destro.
Proteger as florestas remanescentes, adotar práticas de agricultura sustentável, como a agrofloresta de cacau, priorizar a regeneração da floresta tropical e minimizar o uso de agrotóxicos são todos passos essenciais para ajudar as espécies de morcegos, diz Barillaro. Abordagens mais sustentáveis de mineração e medidas para reduzir a poluição por rejeitos também são necessárias.
Embora ambos os estudos tenham se concentrado em áreas altamente fragmentadas da Mata Atlântica, é provável que o padrão de bioacumulação de toxinas encontrado seja semelhante em outras regiões tropicais degradadas pela agricultura e pela mineração no mundo, acrescenta Barillaro. “Isto provavelmente está acontecendo com os morcegos e outras espécies de vida selvagem em outros locais onde há transformação do uso do solo, degradação e monocultura, porque nessas áreas [os animais] estão potencialmente mais expostos a contaminantes.”
Poluentes acumulados em abelhas nativas revelam a importância de áreas verdes nas cidades
Imagem do banner: Morcego-nariz-de-lança coberto de pólen. Foto cedida por Guilherme Garbin.