A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.
O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.
Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.
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A maior causa individual de desmatamento na Pan-Amazônia é a derrubada da floresta para estabelecer pastagens cultivadas para a produção de gado de corte. Segundo algumas estimativas, até 80% das paisagens previamente desmatadas estão cobertas por gramíneas forrageiras não nativas. Na maioria dos casos, as gramíneas foram semeadas diretamente no solo recém-desmatado em fazendas de gado recém-estabelecidas, mas os pequenos proprietários também usam as pastagens como um pousio rotativo em um sistema de produção baseado em culturas alimentares.
O uso de tecnologia entre os produtores de gado varia de extremamente rudimentar a altamente sofisticado; não é de surpreender que a tecnologia melhore a produtividade e o retorno econômico, mas requer “know-how” e capital financeiro. O Brasil tem o sistema de produção de carne bovina mais sofisticado, que inclui três fases sobrepostas que correspondem aos estágios de vida de um touro ou vaca típicos:
A. As operações de vaca-bezerro abrangem a gestação (9,5 meses), o nascimento e o crescimento inicial até que os bezerros sejam desmamados de suas mães (8 a 12 meses);
B. As operações de crescimento começam quando os bezerros de um ano são vendidos ou transferidos para pastos separados até atingirem o tamanho normal em termos de estatura, mas não de peso (~12 meses); esses animais são conhecidos como gado magro.
C. As operações de gado gordo descrevem o estágio de terminação, que varia de acordo com a ração e a raça (6 a 12 meses) até atingirem o peso ideal de abate (375 a 425 kg).
Os pecuaristas podem se especializar em uma única fase, mas, com mais frequência, combinam duas ou mais fases de produção em um modelo de negócios adequado à sua localização geográfica e predileção por tecnologia. Por exemplo, os fazendeiros de áreas remotas com infraestrutura precária dedicam-se quase que uniformemente a operações de criação de vacas combinadas com operações de crescimento (A+B).
Para eles, a única opção realista é levar o gado a pé até o mercado, pois as estradas precárias tornam o transporte de animais vivos por caminhão antieconômico e arriscado. Os animais perdem peso se ficarem confinados em um caminhão por vários dias e podem morrer se o caminhão ficar preso em uma estrada mal conservada. Os bezerros são frágeis demais para longas viagens, enquanto o gado gordo perde peso se for forçado a caminhar.
A movimentação de rebanhos ainda é comum nas fronteiras florestais, e muitos proprietários de terras mantêm pastos explicitamente para serem alugados a tropeiros, que transportam seus rebanhos para o mercado em um ritmo relaxado para evitar submeter os animais a estresse excessivo. Os tropeiros transportam o rebanho para uma cidade, ou uma pequena cidade, geralmente localizada em uma rodovia principal ou em uma rodovia secundária melhorada, onde o gado é vendido a um comerciante de gado ou a outro produtor por meio de um leilão.
Os produtores que desejam evitar o risco de parir bezerros compram novilhos de um ano e os mantêm no pasto até atingirem o peso de abate (B+C). Alguns fazendeiros integram todos eles na mesma propriedade (A+B+C), o que lhes permite evitar intermediários e maximizar o retorno por animal. Outros se especializam na produção de bezerros de histórico genético conhecido (A), que são vendidos com um diferencial por qualidades ligadas à produtividade, rendimento de carne ou tolerância a doenças. Embora a prática ainda seja rara na Amazônia, os operadores de confinamento se especializam em engordar o gado usando rações balanceadas (C), uma prática mais comum em fronteiras consolidadas que contam com uma oferta cada vez maior de grãos para alimentação.
A economia da criação de gado é calculada por animal. O preço de venda de um bezerro varia de US$ 180 a US$ 250 por animal e de US$ 1.000 a US$ 1.200 por um touro reprodutor adulto; a maioria dos bois é abatida com cerca de 400 quilos, com um valor entre US$ 600 e 800. Um pequeno proprietário em Ariquemes (Rondônia) com cinquenta hectares de pasto, especializado na produção de bezerros, teria uma renda bruta entre US$ 8.000 e 12.000 por ano. Um fazendeiro de classe média com 3.000 hectares em Alta Floresta (Mato Grosso), com um modelo semelhante de produção de vacas e bezerros, teria uma renda bruta entre US$ 375.000 e 425.000 por ano. Em uma fazenda integrada (A+B+C), onde o gado é mantido por 36 meses, a receita deve ser cerca de dez a vinte por cento maior.
O patrimônio líquido de um produtor dependeria dos valores da terra e de melhorias na propriedade, mas, a US$ 2.000 por hectare, a pequena fazenda valeria cerca de US$ 200.000, enquanto a fazenda maior renderia aproximadamente US$ 3 milhões. Embora esses números pareçam plausíveis, a viabilidade da produção de pequenos agricultores depende da mão de obra familiar e, se esses produtores tivessem que pagar o valor de mercado por sua mão de obra, mal conseguiriam atingir o ponto de equilíbrio.
Da mesma forma, muitas operações de pecuária de média e grande escala se beneficiam do legado de décadas passadas, quando a terra foi obtida com um grande desconto, e teriam dificuldades para estabelecer uma fazenda se tivessem que comprar a terra pelo valor de mercado atual. A diferença no valor da terra entre a fronteira florestal e as fronteiras agrícolas é o principal impulsionador dos mercados imobiliários rurais e, sem dúvida, o maior impulsionador individual do desmatamento.
O rebanho bovino na Amazônia Legal cresceu de 14 milhões de cabeças em 1980 para mais de 85 milhões em 2019; ao longo do caminho, seu crescimento causou o desmatamento de mais de 70 milhões de hectares. Entre 1980 e 2000, aproximadamente um hectare de floresta foi sacrificado para a possibilidade de manter um animal vivo; no entanto, o gado tropical alimentado com capim precisa de três anos para atingir o peso de abate. Consequentemente, são necessários cerca de dois hectares de pasto para produzir 100 quilos de animais vivos por ano, o que, na verdade, representa apenas cinquenta quilos de carne bovina com osso.
Esses números são fenomenalmente inexpressivos em termos de produtividade quando considerados em relação a um quilograma de proteína por hectare. A título de comparação, a soja produz cerca de quatro toneladas de grãos por hectare, que, após o refino, produzem aproximadamente uma tonelada de óleo vegetal e três toneladas de farinha de soja, sendo que esta última tem cerca de 50% de proteína. Em outras palavras, a soja produz cerca de cinquenta vezes a quantidade de proteína por hectare que a carne bovina alimentada com capim criada na Amazônia.
A aquicultura é ainda mais produtiva quando calculada em uma base por hectare, produzindo de duas a três vezes mais do que a soja. Por mais decepcionantes que sejam os números de produtividade da carne bovina, houve uma melhora notável nas taxas gerais de lotação após 2000. O aumento da produtividade foi resultado de vários fatores, um dos quais foi um excedente de pasto disponível causado pela especulação de terras, o que permitiu que os fazendeiros expandissem rapidamente o tamanho do rebanho em resposta à demanda crescente. Houve uma redução de curto prazo no rebanho após a crise econômica de 2008, mas a relação entre o tamanho total do rebanho e a área de pastagem tem melhorado continuamente na última década. O aumento das taxas de lotação é apenas um aspecto da produtividade aprimorada do setor de carne bovina brasileiro.
Em nível nacional, entre 2000 e 2019, o rebanho bovino aumentou em cerca de 26%, enquanto a extensão espacial total de suas pastagens diminuiu em 12%, um ganho de eficiência de mais de 44%. O uso de tecnologia e práticas de manejo é mais notável no Sul e no Sudeste do Brasil, onde as taxas de lotação ultrapassam três cabeças por hectare. Houve melhorias semelhantes por parte dos produtores amazônicos, que aumentaram as taxas de lotação em 62%; no entanto, eles partiram de uma linha de base muito mais baixa e ainda estão atrasados em cerca de 50% em relação aos seus colegas do sul do Brasil.
Surpreendentemente, as maiores taxas de lotação na Amazônia Legal foram obtidas por pequenos produtores de gado em Rondônia e no Acre, que também obtiveram ganhos impressionantes na eficiência geral.
O aumento da produtividade dos pecuaristas é um dos principais componentes das iniciativas destinadas a melhorar a imagem do setor de carne bovina brasileiro e, supostamente, reduzir o desmatamento. O objetivo é canalizar o crescimento futuro para melhorias tecnológicas que permitam aos produtores expandir a produção sem aumentar a extensão espacial da área de pastagem. Existem basicamente seis tecnologias que podem ser implementadas para aumentar a eficiência dos sistemas de produção de carne bovina:
- Gestão de pastagens: as taxas de lotação podem ser melhoradas por meio de pastoreio rotativo, agrossilvicultura e rotação de pastagens com culturas. Taxas de lotação de até quatro cabeças por hectare foram alcançadas por estações experimentais ou pesquisa.
- Saúde e sucesso reprodutivo: Às vezes, as vacas não conseguem engravidar, sofrem um aborto espontâneo ou perdem seus bezerros devido a doenças ou predação. O sucesso reprodutivo em fazendas comerciais modernas varia de 60% a 80%, mas pode chegar a níveis de 95% em condições ideais.
- Gestão da nutrição: Os bovinos são ruminantes e têm a capacidade de metabolizar a celulose, mas precisam de vitaminas para prosperar; a combinação da análise do solo com suplementos vitamínicos melhorará o ganho de peso diário, uma métrica importante usada para monitorar a produtividade.
- Ração suplementar: O gado aumentará seu ganho de peso diário quando sua ração de celulose for complementada com amido (milho) e proteína (soja). Fornecer rações para o gado em pastagens aumentará o ganho de peso diário, mas ganhos maiores são obtidos quando o gado é terminado em confinamento.
- Genética: Os criadores de gado têm vários caminhos para aumentar a produtividade, melhorando a resistência a doenças e impulsionando a eficiência fisiológica, bem como aumentando o rendimento de carne por animal, que é medido pela relação entre o peso da carcaça e o peso vivo, atualmente em torno de 50-55%.
- Redução do tempo até o abate: Essa é uma função do crescimento, que é medido pelo ganho de peso diário, o qual depende da genética e da nutrição; encurtar a vida dos animais aumenta a proporção do rebanho total abatido a cada ano.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).