A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.
O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.
Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.
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O sistema de concessões no Peru é administrado pelo Organismo Supervisor de la Inversión en Infraestructura de Transporte de Uso Público (OSITRAN), que fiscaliza os investimentos em infraestrutura de transporte, enquanto o sistema elétrico é administrado pelo Organismo Supervisor de la Inversión en Energia y Minería (OSINERGMIN). Essas duas agências reguladoras supervisionam as joint ventures organizadas pela Agencia de Promoción de la Inversión Privada – Peru (ProInversión), uma agência governamental que concebe projetos, atrai capital de investimento e administra os leilões que lançam as parcerias público-privadas (PPP). }
Existem vários projetos de PPP de alto nível na Amazônia peruana, principalmente as duas rodovias interoceânicas da IIRSA que são operadas por empresas de construção que supostamente cofinanciaram sua construção em parceria com o Estado peruano, o BID e a CAF. O termo “supostamente” é usado porque as empresas de construção não investiram de fato uma parcela significativa do capital antecipadamente, mas assumiram responsabilidade (parcial e limitada) pelo pagamento da dívida levantada nos mercados de capital público.
O projeto do setor norte (IIRSA Norte) mostra o potencial de alavancagem de capital público e privado para um projeto de desenvolvimento. Foi cofinanciado pelo Estado peruano e pelo BID, que, juntos, pagaram pelos estudos de viabilidade, pela análise ambiental e pelo projeto de engenharia necessários para licitar o projeto por meio de um sistema de concessões. A construção foi financiada por títulos de infraestrutura negociados em mercados públicos que serão reembolsados (em parte) pelas receitas dos pedágios cobrados pela concessionária. O conceito foi aclamado como um produto financeiro inovador porque expande o conjunto de recursos financeiros ao obrigar legalmente as receitas das rodovias ao pagamento de dívidas.
No entanto, esses títulos ainda são uma forma de dívida soberana e, se o modelo de negócios falhar, o Estado continuará responsável pelo pagamento da dívida. O projeto IIRSA Norte foi concluído no prazo e de forma relativamente satisfatória, mas custou mais que o dobro da estimativa original de custo (US$ 575 milhões contra US$ 250). O orçamento original era irrealisticamente baixo e há vários motivos para questionar a qualidade da análise ambiental; no entanto, a rodovia é um importante ativo de transporte que liga áreas economicamente ativas na parte norte do país. Em junho de 2020, a rodovia estava gerando receitas significativas e o OSITRAN a listou como ativo gerador de renda.
Em contraste com isso, o empreendimento da região sul (IIRSA Sul) é emblemático quanto aos riscos associados a uma rodovia que atravessa uma área selvagem, concebida por meio de um estudo de viabilidade inadequado com uma análise ambiental medíocre, deficiências que foram agravadas e ampliadas pela corrupção política e autocontratação. Essa rodovia está no centro do escândalo da Lava Jato no Peru, e sua principal empreiteira, a Odebrecht, se declarou culpada de várias formas de má conduta.
As perdas incorridas pelo projeto são muito maiores do que os subornos pagos aos funcionários ou o excesso de faturamento de empresas gananciosas, porque o custo final da construção (US$ 2,5 bilhões) foi amplamente subestimado (US$ 879 milhões). Ao contrário do projeto do setor norte, a rodovia não gerou nenhuma receita, o que forçou o Estado a assumir total responsabilidade pelo pagamento da dívida.
O conflito envolvendo a IIRSA Sul manchou a reputação do sistema de concessionárias no Peru. Apesar disso, ele é usado para operar dezesseis rodovias, 22 aeroportos (quatro na Amazônia), três sistemas ferroviários e dez portos (quatro na Amazônia) e a hidrovia amazônica. Os investimentos totais canalizados por meio do sistema de concessão OSITRAN somam mais de US$ 9 bilhões, aproximadamente o dobro do que foi emprestado ao Peru pelo BID para infraestrutura no mesmo período.
O Peru também possui um banco nacional de desenvolvimento que financia projetos do setor privado, a Corporación Financiera de Desarrollo SA (COFIDE), que tem várias estratégias para levantar capital, inclusive oferecendo dívida soberana em mercados de títulos internacionais. Alguns desses projetos fazem parte do portfólio da IIRSA, incluindo a IIRSA Sul -Tramo 1 e 5 (os componentes não-Odebrecht) e outros, como o Gasoduto Sul Peruano, que não fazem parte do portfólio de integração de infraestrutura regional. O COFIDE atua no setor de energia elétrica e coordena seus investimentos com o OSINERGMIN e o ProInversión. Na bacia hidrográfica amazônica, os investimentos em energia hidrelétrica estão avaliados em aproximadamente US$ 300 milhões. Esse valor, no entanto, é apenas uma fração dos investimentos projetados pelo OSINERGMIN, que em 2020 previa a construção de dezesseis usinas hidrelétricas com uma capacidade total de 2,7 GW a um custo estimado de US$ 5,7 bilhões.
No Brasil, as concessões de rodovias e ferrovias são administradas pela Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), o setor de energia elétrica pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e as hidrovias pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). As três agências são fundamentais para os procedimentos administrativos vinculados às políticas do atual governo de privatização de componentes estratégicos da economia nacional.
A expansão da rede ferroviária no Brasil, descrita anteriormente, é dominada por grandes corporações (Rumo/Cosan e VLI/Vale). O desenvolvimento das ferrovias é baseado em modelos de negócios sólidos que têm acesso a várias fontes de capital de investimento, incluindo o banco de desenvolvimento brasileiro (veja abaixo). Dependendo do resultado de sua análise ambiental, duas outras concessões ferroviárias devem entrar em breve na fase de construção: Ferrograu (EF-171) e Ferrovia de Integração Centro-Oeste (EF-345). Uma terceira concessão (Ferrovia Paraense) está sendo desenvolvida e as autoridades estaduais do Pará assinaram um acordo com uma empresa de construção chinesa para construir a primeira fase do projeto.
Como o projeto não atravessa fronteiras estaduais, pode escapar da supervisão dos órgãos reguladores federais; consequentemente, o projeto pode avançar rapidamente em comparação com a mais problemática Ferrograu. O sistema de concessão para rodovias é menos lucrativo e, consequentemente, assemelha-se ao sistema descrito para o Peru, onde a concessionária administra o ativo de transporte por uma taxa que é parcialmente financiada por pedágios cobrados pela própria concessionária.
Na Amazônia Legal, as concessões de rodovias operadas pela iniciativa privada são novas e incomuns. Em 2020, havia apenas uma: Rota do Oeste (BR-163), o corredor estrategicamente importante entre as paisagens agrícolas do centro de Mato Grosso e o centro logístico de Rondonópolis. A concessão de trinta anos e 600 quilômetros foi concedida em 2014 à Odebrecht Rodovias, que é contratualmente obrigada a expandir sua capacidade de duas para quatro pistas em aproximadamente metade de sua extensão. Essas e outras melhorias estão projetadas para custar R$ 5,5 bilhões, uma quantia razoável para cobrar dos cerca de 70.000 caminhões que operam no corredor de transporte que move commodities agrícolas para o sul e produtos manufaturados para o norte.
Quatro concessões de rodovias adicionais na Amazônia Legal estavam sendo preparadas para leilão público em 2020 e, assim como a Rota do Oeste, todas são componentes importantes do sistema de transporte a granel feito por caminhões que atende ao complexo de soja e milho do sul da Amazônia (Tabela 2.3). Todas as quatro estradas serão melhoradas para acomodar o tráfego pesado, mas somente a BR-364 em Rondônia está programada para ser ampliada de duas para quatro pistas. Significativamente, a ANTT estipulou que os preparativos para os termos de referência da BR-163/230 (MT/PA) devem incluir medidas que facilitem a eventual construção da Ferrograu. Todos os cinco projetos estão sendo apoiados pelo PPI, um programa de alto nível criado em 2016 para acelerar o investimento do setor privado em infraestrutura estratégica.
Uma prova das prioridades da atual administração foi a inclusão no portfólio do PPI de apoio financeiro para as revisões ambientais de projetos atrasados por protestos sociais. A inclusão da BR-319 sugere que os esforços para concluir a rodovia entre Manaus e Porto Velho serão bem-sucedidos; menos notáveis, mas de maior importância econômica, são quatro rodovias no Mato Grosso que melhorarão a capacidade dos agricultores de transportar suas colheitas para plataformas logísticas nos sistemas de transporte ferroviário em desenvolvimento. Provavelmente, sua inclusão no portfólio do PPI reflete a crença de que se pagarão por si mesmas e financiarão sua construção por meio do sistema de concessionárias.
As PPP são comuns no setor elétrico do Brasil e foram amplamente utilizadas durante os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Normalmente, o Estado é representado por uma subsidiária da Eletrobras como acionista minoritário em uma joint venture com uma ou mais empresas privadas. As empresas podem ser agrupadas em quatro categorias: (1) empresas de construção que são contratadas para o projeto; (2) fundos de pensão ou de investimentos domiciliados no Brasil; (3) empresas metalúrgicas e de mineração que buscam garantir energia para suas usinas de processamento; e (4) empresas de holding de energia que adquirem ativos de geração ou transmissão de eletricidade como parte de seu modelo de negócios.
As holdings de energia, que atraem capital de investimento de diversas fontes, geralmente são caracterizadas por estruturas corporativas complexas. Por exemplo, a Neoenergia S/A detém 10% da Norte Energia (Belo Monte) e 51% das instalações da Tele Pires e Dardanelos em Mato Grosso. A Neoenergia é controlada pela Iberdrola SA (51%), uma parceria espanhola com um grande fundo de pensão afiliado ao Banco do Brasil (30%); no entanto, aproximadamente 19% do patrimônio líquido da Neoenergia é free float (flutuação livre), detido por fundos de investimento dos Estados Unidos e da Europa.
A maioria dessas empresas de energia também opera concessões de geração e transmissão sem a participação da Eletrobras. Em 2020, havia dezenove usinas hidrelétricas operadas por empresas privadas na Amazônia (Legal) brasileira, desde a megabarragem de 1,1 GW em Estreito (US$ 2,4 bilhões) até a usina de 20 MW (US$ 40 milhões) operada pela mina de Pitinga, perto de Manaus. No total, as empresas privadas operam cerca de 3,6 GW de capacidade instalada o que demandou aproximadamente US$ 5 bilhões em capital de investimento, em comparação com os 23 GW de capacidade operada por empreendimentos de PPP que demandaram entre US$ 30 e US$ 40 bilhões. As usinas elétricas herdadas, de propriedade e operação públicas, como Tucuruí, Balbina e Samuel, têm um total de cerca de 11 GW.
Entre 2000 e 2020, a fonte mais importante de financiamento de infraestrutura no Brasil foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um fundo quase autônomo que concede empréstimos e faz doações a entidades públicas e privadas. O BNDES tem um amplo portfólio que apoia infraestrutura, agricultura, tecnologia, finanças e produção, bem como iniciativas para reduzir a desigualdade e proteger o meio ambiente. Os desembolsos totais para projetos na Amazônia Legal entre 2002 e 2020 totalizaram R$ 171 bilhões (~US$ 78 bilhões); desse montante, aproximadamente 65% foram destinados à infraestrutura.
Embora o BNDES seja autônomo, suas autoridades respondem às prioridades políticas estabelecidas pelas autoridades eleitas. Os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff adotaram políticas que enfatizavam a energia hidrelétrica e as indústrias extrativas, prioridades refletidas nos desembolsos feitos para financiar um gasoduto entre Coari e Manaus (2007) e as barragens de Estreito (2008), no Rio Madeira (2009) e Belo Monte (2011, 2012). O investimento na construção de estradas e na rede elétrica esteve presente durante toda a década, incluindo várias rodovias regionais no Mato Grosso (2012) e no Pará (2005, 2006); o investimento em ferrovias tornou-se uma prioridade somente após 2014.
O BNDES também funciona como um banco de apoio à exportação e importação, fornecendo crédito para facilitar a venda de produtos manufaturados; além disso, possui uma divisão especializada que apoia a exportação de serviços de engenharia. Entre 2009 e 2014, o banco emprestou US$ 2,9 bilhões a entidades que contrataram empresas de construção brasileiras para construir usinas hidrelétricas no Equador, Venezuela e Peru.
O aspecto mais notável da história recente do BNDES é o declínio em suas atividades de empréstimo depois de 2014, após o colapso dos preços das commodities que desencadeou uma crise econômica: o PIB nacional caiu 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. A recessão econômica foi exacerbada pela incapacidade do BNDES de atuar como uma fonte anticíclica de estímulo fiscal, devido, em parte, à falta de receita de empréstimos inadimplentes envolvidos no escândalo da Lava Jato.
Mais importante, porém, foi o ambiente macroeconômico que fez com que os investidores estrangeiros abandonassem os mercados de capitais do país, o que limitou a capacidade do BNDES de levantar capital novo. Mais recentemente, o governo Bolsonaro impôs restrições orçamentárias e obrigou o banco a devolver centenas de bilhões de reais ao governo federal. Ironicamente, as políticas de privatização do governo podem ajudar o BNDES a renovar seu capital de investimento por meio da liquidação de suas ações nas principais empresas do Brasil.
Na Colômbia, o sistema de concessionárias é gerenciado pela Agência Nacional de Infraestrutura, que supervisionou aproximadamente US$ 12 bilhões em investimentos em rodovias no país desde 2010. A maior parte dessa atividade ocorreu em regiões não amazônicas e apenas duas concessões foram concedidas na Amazônia colombiana. A Malla Vial del Meta, que é operada por um consórcio de empresas de construção colombianas, é um importante ativo de transporte que fornece acesso às paisagens de plantação de palma de óleo de Meta. Partes dessa rede rodoviária constituem o componente norte da Carretera Marginal de la Selva e funcionam como uma porta de entrada para as fronteiras de coca que cercam o Parque Nacional La Macarena.
A outra concessão consiste no corredor Santana – Mocoa – Neiva (R-45), que liga Bogotá aos campos de petróleo de Putumayo. Essa rodovia foi originalmente adjudicada a um consórcio colombiano, mas foi recentemente adquirida pela China Construction America, uma subsidiária da maior empresa de construção do mundo: China State Construction Engineering Corporation Ltd (CSCEC). O contrato obriga a concessionária a investir US$ 21 milhões em seu primeiro ano de operações (2021) e, eventualmente, atingir uma meta total de aproximadamente US$ 440 milhões.
Como muitas empresas chinesas, a CSCEC é uma empresa de capital aberto; no entanto, ela está intimamente associada ao governo da República Popular da China. Coincidentemente, uma das empresas estatais de petróleo da China, a Sinochem, adquiriu meia dúzia de concessões de petróleo na região do Putumayo. Considera-se que ambas as empresas funcionam como um ramo do complexo militar-industrial da China e coordenam ações para promover os interesses estratégicos do Estado chinês.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).