A estratégia de consenso para salvar a Amazônia baseia-se numa série de 5 políticas de autorreforço:
(1) criar áreas protegidas e reconhecer reservas indígenas;
(2) melhorar a governança para combater atividades ilegais;
(3) aumentar a demanda do mercado por commodities livres de desmatamento;
(4) aumentar o valor econômico da subsistência florestal; e
(5) gerar receitas financeiras a partir de esquemas de PSE para garantir a implementação dos primeiros quatro pilares estratégicos.
Duas dessas políticas (3 e 5) dependem de incentivos macroeconômicos, e duas (1 e 2) de iniciativas de cúpula que emanam dos governos centrais. Apenas uma (4) procura mudar a microeconomia na fronteira da floresta e se concentra em uma parte da economia amazônica que não causa diretamente o desmatamento.
Leia aqui o texto em inglês e espanhol
Todas essas políticas dependem de REDD+ e, consequentemente, do desenvolvimento de um robusto mercado global de carbono. Não se trata de uma expectativa descabida. O sistema REDD+ proporciona uma oportunidade para mitigar o aquecimento global, bem como aliviar a crise da biodiversidade subsidiando políticas que sejam economicamente rentáveis, oportunas e humanas. O REDD+ sempre foi visto como uma solução interina que reduziria as emissões enquanto as economias avançadas, lideradas pelos Estados Unidos, fazem a transição para uma economia verde. Infelizmente, o atraso de vinte anos na implementação de uma estratégia coerente de mudança climática fez do REDD+ uma ferramenta política menos relevante.
É cada vez mais provável que a administração Biden eleita em 2020 adote uma estratégia mais agressiva de mudança climática que repercutirá em toda a economia global. As políticas favorecidas pelos progressistas exigem um programa multissetorial de investimentos e a regulamentação que transformará rapidamente a economia nacional. Em contraste, os principais economistas preferem um imposto de carbono fiscalmente neutro que permitirá ao mercado determinar quais sistemas e tecnologias energéticas prevalecerão.
Nenhuma das abordagens políticas prevê um sistema obrigatório de “cap and trade”. Além disso, muitos ativistas climáticos consideram o REDD+ uma “green-wash”, ou seja, uma falsa preocupação com o meio ambiente, que atrasaria mudanças fundamentais necessárias para criar uma economia de carbono zero, uma visão reforçada pela incerteza na continuidade e complementaridade das compensações de carbono florestal originadas em sociedades caracterizadas por má governança.
Considerando o grande investimento feito pelas agências multilaterais de desenvolvimento e nações com florestas tropicais, algum tipo de mecanismo de REDD+ será implementado. Infelizmente, é mais provável que esse sistema permaneça como é atualmente: um mecanismo para canalizar a assistência internacional para nações em desenvolvimento, combinado com um mercado voluntário de carbono utilizado pelas corporações para compensar as emissões de combustíveis fósseis. Esse tipo de sistema REDD+ forneceria apoio essencial à gestão de áreas protegidas e ajudaria as comunidades indígenas, mas não seria suficiente para transformar a economia da Pan-Amazônia.
A necessidade de um Plano B: Sistemas de produção integrados com florestas
Para ser verdadeiramente bem-sucedida, a transformação da economia amazônica exigirá o apoio geral de fazendeiros e pequenos proprietários que ocupam oitenta milhões de hectares de terras anteriormente desmatadas e uma área aproximadamente equivalente em risco de ser desflorestada no futuro. A maioria dos proprietários de terras busca modelos de negócios com base no desmatamento, os quais não se mostram particularmente produtivos do ponto de vista energético (carboidratos) ou nutritivo (proteínas). Entretanto, são economicamente vantajosos levando em conta prazos que condicionam as decisões de investimento, mesmo quando essas decisões resultam na degradação dos recursos do solo.
A necessidade de um Plano B: Sistemas de produção integrados com florestas
Para ser verdadeiramente bem-sucedida, a transformação da economia amazônica exigirá o apoio geral de fazendeiros e pequenos proprietários que ocupam oitenta milhões de hectares de terras anteriormente desmatadas e uma área aproximadamente equivalente em risco de ser desflorestada no futuro. A maioria dos proprietários de terras busca modelos de negócios com base no desmatamento, os quais não se mostram particularmente produtivos do ponto de vista energético (carboidratos) ou nutritivo (proteínas). Entretanto, são economicamente vantajosos levando em conta prazos que condicionam as decisões de investimento, mesmo quando essas decisões resultam na degradação dos recursos do solo.
Se a lógica econômica que impulsiona o desmatamento fosse invertida – se o plantio de árvores fosse mais lucrativo do que o corte –, a maioria dos proprietários de terras mudaria de bom grado seus sistemas de produção. Essa premissa é essencialmente o modelo empresarial para sistemas agrossilvopastoris, também chamados de sistemas de Integração Lavoura Pecuária Floresta, um sistema de produção sustentado por florestas destinado a pequenos proprietários e, no caso do plantio comercial de florestas, um sistema de produção similar apropriado para terras de maior extensão.
Ambos os modelos de produção têm sido promovidos por extensionistas e silvicultores há décadas. Os exemplos mais notáveis de cultivos agroflorestais são o café e o cacau, enquanto os sistemas de plantação incluem óleo de palma e fibra de madeira (celulose, carvão vegetal, biocombustível ou madeira). Os sistemas agroflorestais são relativamente populares entre os defensores do meio ambiente e os pequenos proprietários que os adotam. Os sistemas com florestas plantadas, entretanto, atraem a indignação dos ativistas ambientais, porque têm sido historicamente associados ao desmatamento em larga escala e são geralmente baseados na monocultura de espécies não nativas.
A opção preferida pela maioria dos cientistas de conservação é a restauração de paisagens florestais utilizando espécies nativas para recriar o habitat natural que, por fim, produziriam espécies de madeira de lei de alta qualidade. Infelizmente, esse modelo comercial tem um tempo de retorno medido em décadas, em vez de anos, e é inviável sem grandes subsídios, que presumivelmente seriam fornecidos pelos mercados globais de carbono. No Brasil, os defensores do meio ambiente argumentam que os proprietários de terras serão finalmente forçados a restaurar o habitat nativo para cumprir o Código Florestal. Talvez – mas a história recente revelou o atrito social associado a essas normas, e isso certamente não acontecerá durante a administração de Jair Bolsonaro.
Os sistemas de produção integrados com florestas têm a vantagem de restaurar a funcionalidade da reciclagem da água atmosférica às paisagens altamente fragmentadas e desmatadas. Os produtores amazônicos podem ser persuadidos a adotar esses modelos de produção, mas somente se houver uma demanda genuína pelas commodities que produzem. Vários milhões de hectares de novas plantações de café e cacau certamente inundariam os mercados globais de commodities e destruiriam o incentivo econômico para cultivá-las. Em contraste, a produção de fibra de madeira tem um caminho de crescimento muito maior, particularmente à luz do recente despertar global dos impactos causados por nossa economia de consumo baseada em plástico. Se os plásticos derivados de combustíveis fósseis fossem substituídos por fibras vegetais, a oportunidade econômica potencial para a Pan-Amazônia e outras regiões de florestas tropicais seria enorme.
Esses sistemas de produção agroflorestais não estão isentos de riscos, incluindo o potencial de deslocar fazendas de gado para a fronteira da floresta e a introdução de espécies exóticas em habitats naturais. Os riscos de deslocamento poderiam ser mitigados usando a mesma série de opções de políticas descritas acima, enquanto o risco de espécies invasoras poderia ser evitado usando plantios mistos de espécies nativas, das quais existem literalmente milhares de possíveis candidatos. A busca de sistemas de produção baseados em árvores, com enfoque em uma mercadoria com um mercado global, representa uma outra solução macroeconômica, mas que utiliza um modelo de negócios que responde aos desafios microeconômicos e aos obstáculos sociais que têm entravado as políticas atuais.
A Pan-Amazônia é uma região grande e complicada, e nenhum pacote de políticas irá resolver o enigma da conciliação entre a conservação da natureza e o desenvolvimento econômico. Muitas, talvez todas, soluções terão de ser de natureza local ou regional. Mesmo os modelos macroeconômicos e hierárquicos (top-down) favorecidos por especialistas em políticas terão de ser implementados no contexto de circunstâncias geograficamente específicas. Este livro tenta expor essas questões em uma narrativa sistemática e lógica para facilitar a descoberta de um caminho para superar essa perfeita tempestade de caos ambiental e construir um futuro sustentável para a Pan-Amazônia e para todos os seus habitantes.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).