As nações da Pan-Amazônia têm constituições que foram reformadas ou reescritas nas últimas décadas do século XX. As versões anteriores ignoravam a natureza ou incorporavam uma simples cláusula atribuindo ao Estado o “dever” de proteger [ou melhorar] o meio ambiente. A constituição brasileira de 1988 foi radicalmente diferente: dez artigos separados tratam da conservação da natureza ou da gestão ambiental, declarando que o acesso a um ambiente saudável é um direito humano básico. As constituições nacionais reformadas da Colômbia (1991), Peru (1993), Bolívia (1994, 2009), Venezuela (1999) e Equador (2008) incluem mandatos para promulgar legislação ambiental e criar ministérios ambientais. A do Equador é a mais enfática, afirmando que a Mãe Natureza (Pachamama) tem direitos que devem ser honrados pela sociedade humana.
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Os ministérios do meio ambiente são responsáveis por desenvolver a política ambiental e administrar as agências que regulamentam o uso público e privado dos recursos naturais. No entanto, a maioria compartilha responsabilidades de gestão com outras agências que refletem agendas domésticas concorrentes. Por exemplo, o serviço florestal nacional faz parte do Ministério da Agricultura no Brasil e no Peru, enquanto a regulamentação dos recursos hídricos é compartilhada com agências agrícolas (Peru) ou energéticas (Brasil) ou consagrada como uma agência separada (Equador). Os ministérios do meio ambiente têm responsabilidades bem definidas para supervisionar a gestão dos passivos ambientais de longo prazo vinculados ao setor extrativista e para rever os danos potenciais do desenvolvimento industrial e dos investimentos em infraestrutura. O objetivo declarado da gestão ambiental moderna é “evitar, mitigar ou compensar” os efeitos negativos do desenvolvimento moderno.
A estrutura da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) foi introduzida na América Latina nos anos 90, e as AIA são agora realizadas rotineiramente como parte dos processos de avaliação cuidadosa (due diligence) e planejamento de viabilidade para grandes investimentos industriais ou de infraestrutura. Como seus equivalentes em outras economias, esses documentos técnicos refletem as pressões sociais conflitantes entre os promotores do crescimento econômico e os defensores da conservação da natureza. Suas metodologias estão longe de ser perfeitas, mas sua utilização tem diminuído bastante quando comparada ao status quo anterior.
A iniciativa IIRSA tem procurado harmonizar os processos de AIA em todo o continente, melhorando a capacidade técnica dos ministérios ambientais e facilitando o investimento do setor privado na tão necessária infraestrutura pública. No entanto, muitos defensores do meio ambiente os consideram como um “greenwash”, uma falsa preocupação pelo meio ambiente, e há amplas evidências objetivas de que a indústria de serviços de AIA está inclinada para a aprovação e conclusão de projetos individuais.
Há poucos exemplos de projetos que foram cancelados devido às descobertas identificadas em uma AIA; em vez disso, os responsáveis usam o processo de avaliação para identificar e modificar aspectos específicos enquanto asseguram que os projetos avancem para a conclusão.
As limitações do sistema de AIA levaram ao desenvolvimento de uma abordagem complementar conhecida como Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), projetada para identificar opções alternativas de desenvolvimento em um futuro distante. A AAE é vista como uma forma de evitar a degradação ambiental, pois está baseada na participação da sociedade civil e das comunidades locais, que poderiam prever e vetar caminhos de desenvolvimento não sustentáveis. Existiram apenas três tentativas de conduzir uma AAE ao longo de corredores de rodovias patrocinadas pela iniciativa IIRSA. Em cada caso, elas contribuíram para a criação de uma ou mais áreas protegidas, mas nenhuma alterou substancialmente as forças econômicas e sociais que impulsionaram o desmatamento nas paisagens impactadas por essas rodovias.
Outra metodologia de planejamento estratégico adotada pelos governos é o planejamento do uso da terra que combina informações sobre solo, água e biodiversidade com dados sociais e econômicos para fazer recomendações de zoneamento para instancias políticas. Essa abordagem foi concebida nos anos 70 para identificar terras apropriadas para a agricultura, mas evoluiu para um sistema mais holístico nos anos 90, quando os governos reagiram à crise do desmatamento. Denominado de Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), esses estudos geralmente reconhecem o status quo dos assentamentos e rodovias existentes, enquanto desencorajam o desenvolvimento em terras frágeis ou áreas de excepcional valor ecológico ou cultural.
A posição legal desses documentos técnicos varia de país a país, mas a maioria é mais aspiracional do que obrigatória. Colonos, elites locais e empresários os utilizam para identificar terras com solos aráveis, mas muitas vezes ignoram as recomendações baseadas em critérios ambientais. Os ZEEs têm sido utilizados no Brasil e na Bolívia para identificar áreas que foram incorporadas aos sistemas de áreas protegidas e para reforçar as reivindicações das comunidades indígenas ou tradicionais.
Uma das questões de governança que mais geram conflitos na Pan-Amazônia gira em torno do manejo florestal. As constituições das oito nações estabelecem o controle soberano (estatal) sobre os recursos florestais. Isso obviamente abrange todos os aspectos do manejo de florestas públicas, mas também inclui os recursos florestais localizados dentro de propriedades privadas. Para os observadores de culturas que reconhecem a prioridade dos direitos de propriedade, isso parece uma aberração; no entanto, é um aspecto fundamental dos sistemas jurídicos dessas nações. Além disso, praticamente todas as propriedades na Amazônia receberam escrituras (embora provisórias) que reconhecem esse princípio legal; consequentemente, seus direitos de propriedade estão claramente circunscritos por precedentes e leis. Independentemente disso, a natureza humana muitas vezes se sobrepõe aos princípios legais, e há uma enorme resistência por parte dos proprietários para cumprir com as regras e regulamentos emanados de agências governamentais.
O conflito entre propriedade privada e governança florestal é mais evidente nas tentativas do governo brasileiro de fazer cumprir o Código Florestal, marco regulatório promulgado pela primeira vez em 1936 e revisado mais recentemente em 2012. A versão de 1965 estabeleceu que os proprietários de terras na Amazônia poderiam desflorestar apenas vinte por cento de suas terras para agricultura ou pecuária e deveriam reter oitenta por cento em seu estado natural. Os proprietários de terras têm o direito de explorar os recursos florestais, mas devem obedecer a uma variedade de critérios de manejo. O Código Florestal foi flagrantemente ignorado durante a maior parte das décadas de 1970, 1980 e 1990, época em que os proprietários de terras desmataram além do limite legal, bem como ao longo de corredores fluviais, áreas que merecem proteção especial.
Em 2005, o governo do Brasil lançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), ambiciosa campanha visando mobilizar os recursos combinados do Estado brasileiro, utilizando políticas do tipo “morde e assopra”, para reduzir o desmatamento. Dirigido a partir do gabinete do presidente, o plano impôs a coordenação entre dez ministérios e uma dúzia de agências autônomas. Os satélites capturaram dados corretos e exatos em tempo real, que as equipes de aplicação da lei – lideradas pelo Ministério Público, com apoio da polícia, autoridades fiscais e da agência de proteção ambiental – utilizaram para identificar atividades ilegais.
Simultaneamente, o governo federal coordenou suas ações com os governos estaduais para implementar um sistema de registro e informação de terras que oferece aos proprietários de terras um caminho flexível para remediar anteriores infrações ao Código Florestal. Boicotes ao consumidor reforçaram essas ações, forçando as corporações multinacionais a implementar sistemas de certificação da cadeia de abastecimento, eliminando a produção proveniente de propriedades envolvidas em atividades ilegais. Medidas coercivas foram combinadas com incentivos, tais como assistência técnica e crédito financeiro de entidades públicas e privadas, medidas que aumentaram os rendimentos e as receitas de paisagens anteriormente desmatadas por meio de “intensificar” a produção em vez de “extensificar” o uso da terra.
Essas medidas do PPCDAm e ações relacionadas levaram a uma queda de 80% no desmatamento na Amazônia brasileira entre 2005 e 2012, uma virada surpreendente de eventos que levou aos otimistas a proclamar que o desmatamento havia sido dissociado da produção agrícola. O sistema de incentivos da “política do morde e assopra” foi projetado principalmente para o agronegócio, em especial para os agricultores que produzem soja e carne bovina para os mercados de exportação.
As políticas coercitivas mais eficazes excluíam os pequenos proprietários e, consequentemente, pouco fizeram para mudar as práticas de uso da terra nas fronteiras florestais mais ativas. Os fazendeiros perceberam que o governo não tinha vontade política para cobrar multas ambientais e desenvolveram alternativas para o comércio de gado de propriedades envolvidas em desmatamento ilegal. O desflorestamento aumentou de um mínimo de 457 mil hectares em 2012 para 976 mil hectares em 2019, um valor muito abaixo dos 2,7 milhões de hectares registrados em 2004, mas os analistas preveem que a tendência continuará no ambiente regulatório após as eleições de 2018.
As campanhas antidesflorestamento nas repúblicas andinas nunca contemplaram um esforço pan governamental para reduzir o desmatamento, embora, no Peru, uma força-tarefa integrada por várias agências tenha utilizado sistemas de monitoramento recentemente implementados para intervir em alguns poucos incidentes altamente divulgados. O mais importante talvez seja a inexistência de cadeias globais equivalentes de abastecimento de commodities que possam motivar empresas, governos e proprietários de terras a mudar suas práticas comerciais.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).