A retirada da madeira mais cara da floresta equatorial sul-americana acompanha as maiores frentes de desmatamento criminoso na Amazônia brasileira.
Os 20 municípios que mais extraem ipês já somam no primeiro semestre deste ano uma área do tamanho do município de São Paulo (SP) em alertas para derrubadas da floresta.
Concessões fiscalizadas pelo poder público entregam apenas 2% das madeiras nativas que chegam aos mercados; no restante, pairam suspeitas de ilegalidade.
Áreas onde ipês são mais explorados ilegalmente estão em frentes onde dispara o desmate da Amazônia. Maiores consumo interno e exportações estimulam o corte da espécie ameaçada de extinção e levam a destruição para dentro da floresta, já que o manejo autorizado por órgãos públicos não atende às demandas do mercado.
Mais de 80% do ipê que chega aos mercados vêm de 20 municípios que, como levantou a Mongabay, somavam 159,6 mil hectares em alertas para desmates de janeiro ao início de julho – área pouco maior que a do município de São Paulo (SP). A lista inclui líderes em derrubadas como Altamira (PA), Colniza (MT), Lábrea (AM) e Porto Velho (RO).
Na prática, a busca por ipês avança a partir do Arco do Desmatamento, onde já são raros ou foram eliminados, sobre áreas públicas e protegidas, aponta o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
Em média, apenas 0,5 metro cúbico de madeira de ipê é extraído de cada hectare de floresta. “Por isso, a ‘garimpagem’ da árvore adentra a Amazônia. Corte, transporte, crimes ambientais e trabalhistas, comércio e perdas em arrecadação de impostos são semelhantes às da mineração ilegal de ouro”, ressaltou Marco Lentini, coordenador de projetos do Imaflora.
A exploração do ipê é mais forte no norte e oeste paraenses, noroeste do Mato Grosso, norte de Rondônia e sul do Amazonas. As duas últimas regiões estão na Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira, na zona de influência da BR-319, onde tanto o setor privado quanto governos federal e de estados amazônicos querem mais agronegócio. A região é um dos maiores focos de grilagem de terras e de desmatamento para formação de pastos da Amazônia brasileira.
“O valor do ipê estimula e financia derrubadas e outros crimes”, destacou Lentini. A bela e resistente madeira é a mais cara da floresta sul-americana. Um metro quadrado vale hoje o equivalente a R$ 15 mil em mercados globais, onde serve para pisos e móveis. O Brasil responde por quase todo (96%) o ipê usado no mundo, mostra relatório da Forest Trends. Mas o consumo interno é outro grande vilão.
Maior controle sobre a origem do ipê, exigido por grandes compradores na União Europeia e Estados Unidos, pode ter reduzido em 60% as exportações de madeira serrada entre 2007 e 2019. No mesmo período, porém, a extração mais do que duplicou na Amazônia, o que indica que consumidores brasileiros podem ter absorvido o excedente. E a procura cresceu 15% durante a pandemia de covid-19, sobretudo pela construção civil no Sul e Sudeste.
Tudo se torna mais dramático porque um levantamento de ONGs mostrou que, sem transparência e dados públicos confiáveis, é impossível separar a produção autorizada da ilegal em cinco dos sete estados que mais extraem madeiras da Amazônia, incluindo ipês. O estudo levanta uma alta suspeita de que crimes acompanham a grande maioria dos produtos consumidos no país ou exportados.
Como conter a derrubada
Frear a tendência de extinção do ipê depende de ações mais duras contra extrações ilícitas, o aproveitamento de outras árvores e, para atender à demanda atual, a ampliação do manejo da espécie. Segundo estimou o Imaflora, seria necessária uma área mínima de manejo florestal de 16 milhões de hectares — seis vezes mais que os atuais 2,5 milhões de hectares sob concessões e empreendimentos certificados nas esferas federal, estadual e municipal. O manejo é a exploração madeireira em lotes intercalados ao longo de até 30 anos, dando tempo para a vegetação se recuperar.
“Estudos mostram uma boa recuperação da floresta desde dois anos após o manejo. Ele gera emprego e renda, mantém a biodiversidade e evita o corte raso, que emite carbono substituindo ambientes naturais por pastagens e monoculturas”, ressaltou o diretor de Concessões Florestais e Monitoramento do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Paulo Carneiro.
Hoje, há 21 concessões federais em florestas públicas na Amazônia. Até meados do ano que vem, o governo quer ampliar as autorizações federais para manejo de pouco mais de 1 milhão de hectares para 4 milhões, um salto de 300%. As ofertas previstas englobam áreas no Norte e Sul do país e permitirão até a exploração de turismo e do mercado de créditos de carbono, para enfrentar a crise climática.
O diretor da Associação Brasileira das Concessionárias Florestais, Daniel Bentes, avalia que o potencial de manejo no país é ainda maior. “As concessões entregam apenas 2% da produção nacional de madeira nativa. É pouco se comparado ao potencial de 35 milhões de hectares para manejo florestal de nativas”, disse. Nos 98% restantes, pairam suspeitas de ilegalidade.
Mas ampliar o mercado para madeiras nativas manejadas depende da contenção de fraudes na extração e na comercialização do ipê e de outras espécies. Análises de entidades civis, como a do Greenpeace, mostraram que empresas inflam a quantidade de árvores por hectare e os percentuais de toras convertidas em madeira serrada para vender produtos retirados de Unidades de Conservação e de Terras Indígenas.
“Combater essa situação depende da automatização de sistemas e da redução da influência humana sobre processos e informações. Sem isso, empresas e comunidades que praticam o manejo florestal e contribuem para a conservação da Amazônia e de outros biomas continuarão a ser associadas com práticas ilegais e sofrendo com uma concorrência ilegal que não valoriza o recurso florestal brasileiro”, destacou Bentes.
Usar outras madeiras nativas igualmente conterá a pressão sobre árvores mais visadas. Apenas dez espécies somam 80% da madeira que sai da Amazônia, como ipê, maçaranduba, angelim, jatobá e cumaru. “Tentamos fomentar o uso de outras madeiras nas concessões, mas o mercado não aceitou. É difícil convencer quem quer um deck de ipê a comprar outra espécie”, reconheceu Carneiro, do SFB.
https://brasil-mongabay-com.mongabay.com/2020/05/70-da-madeira-explorada-no-para-e-ilegal-mostra-estudo/
Imagem do banner: Toras de árvores amazônicas aguardam seu destino. Foto: Vicente Sampaio / Imaflora