Em Roraima, estado com o maior percentual de indígenas do país (11%, segundo o último censo de 2010), a população indígena é de pelo menos 55 mil pessoas, divididas em 32 terras demarcadas e oito etnias. No município de Uiramutã, 80% da população é indígena. Durante o período da colonização, a capital Boa Vista empurrou as comunidades do centro para a zona rural durante o processo de urbanização e criação das primeiras fazendas do local, impondo a língua portuguesa como idioma, o que extinguiu muitas etnias, afirmam antropólogos. A resistência indígena à tomada de posse de suas terras pelo homem branco se deu pela sua máxima permanência no local quando possível. Somente a partir dos anos 1980, esse espaços foram reconhecidos como terras indígenas. Com a conquista de direitos, como a educação básica especial dentro das comunidades, o Processo Seletivo Especial (PSE) da Universidade Federal de Roraima, e a criação do Instituto Insikiran (campus exclusivo para graduações destinadas a indígenas) também dentro da Universidade, se tornaram mais comuns as histórias de indígenas que chegaram ao nível superior. BOA VISTA — Ainda na escola, Ariene dos Santos Lima, 24, adotou o sobrenome indígena Susui. A palavra, em seu idioma ancestral Wapichana, significa “flor”, justamente o adereço que Ariene Susui mais gosta de usar e que a acompanha em suas muitas versões: jornalista, defensora da causa indígena em movimentos sociais e candidata a vereadora em Boa Vista. Os Wapichana são a segunda etnia mais numerosa de Roraima, atrás apenas dos Macuxi, que, não por acaso, é o apelido de quem nasceu no estado. No passado, agrupamentos das duas etnias ultrapassaram os atuais limites territoriais de Roraima e do Brasil, avançando Guiana adentro. Hoje, grupos Wapichana ainda vivem entre os territórios dos países vizinhos. A ativista indígena Ariene Susui na Universidade Federal de Roraima (UFRR), em Boa Vista, onde ela se formou em jornalismo. Foto: Rafael Moura Macuxi para a Mongabay. Outros povos, como os Paraviana, tiveram destino ainda mais trágico do que o da dominação pelo invasor: acabaram aniquilados pelos primeiros colonizadores europeus. “No estado inteiro, apenas nove dos 30 povos ainda existem”, relata Ananda Machado, antropóloga da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Os Paraviana, hoje, dão nome a um bairro nobre de Boa Vista. Apesar de a primeira colonização de Roraima ter ocorrido nos anos 1700 com a construção do Forte São Joaquim, foi só na década de 1930 que houve um grande crescimento populacional na região, com a descoberta de minas de ouro e diamantes. Há até mesmo um monumento em homenagem aos garimpeiros, no centro da capital. Vista aérea do centro de Boa Vista, próximo ao Rio Branco. Foto: Rafael Moura Macuxi para a Mongabay. Roraima era considerada um território federal até a proclamação da Constituição Federal de 1988, quando se tornou oficialmente um estado. Mesmo com o interior ainda pouco urbanizado, a capital Boa Vista viu um rápido desenvolvimento. Esse intenso processo de urbanização acabou empurrando os povos Wapichana e Macuxi para cada vez mais longe da margem do Rio Branco, que corta a capital, perdendo boa parte de seu território original. “Minhas bisavós contavam que os igarapés dentro do município eram usados para tomar banho, lavar utensílios e ter filhos [dar à luz]”, conta Eliandro Pedro de Souza Wapichana, também antropólogo pela UFRR e fundador da Organização dos Indígenas da Cidade (Odic). Eliandro Wapichana relata que, com a colonização, os habitantes nativos da região onde hoje está localizada Boa Vista foram rodeados por fazendas, muitas delas tomadas por grileiros, que ocupavam as terras e depois as registravam em cartório.