Em 2009, comunidades no município de Juruti (PA) obtiveram um documento inédito no país: o título coletivo das terras e o direito de cobrar pela sua exploração. Na época, a Alcoa estava finalizando as obras de sua jazida.
As comunidades cederam à Alcoa o direito de minerar 18 mil hectares da terra, em troca do pagamento pela participação nos resultados da lavra – o equivalente a 1,5% dos lucros líquidos. Em dez anos, a Alcoa já repassou R$ 60 milhões aos ribieirinhos.
A mina, localizada na margem direita do Rio Amazonas, é uma das maiores jazidas de bauxita do mundo, estimada em 700 milhões de toneladas.
JURUTI, Pará — Era 28 de janeiro de 2009 quando 1.500 moradores de comunidades ribeirinhas bloquearam a estrada que ligava a zona urbana de Juruti, no oeste do Pará, às obras da mina que a Aluminum Company of America (Alcoa) abria no município amazônico. No dia anterior, havia começado na capital, Belém, o 5º Fórum Social Mundial, sob o lema “Um outro mundo é possível”. A data escolhida para dar início à ocupação das instalações da multinacional tinha razões estratégicas. “Nós sabíamos que o mundo estaria de olho na Amazônia e que haveria repercussão internacional se algo nos acontecesse”, explica Irmã Nilma, freira franciscana responsável pelo contato com participantes do fórum.
O episódio, decisivo para o futuro das comunidades ribeirinhas e da mineração em Juruti, é lembrado pelo gerente-geral da Alcoa no município, Gênesis Costa, como “um momento de aprofundamento do diálogo”. Gerdeonor Pereira, uma das principais lideranças entre os ribeirinhos, definiu o acontecido de maneira menos diplomática: “Foi o ápice do nosso confronto com a mineradora”. Pereira foi alvo de um “interdito proibitório” movido pela Alcoa, um tipo de ação judicial que visa defender a posse de um bem ameaçado de esbulho (perda de posse). Ao lado dele, uma missionária alemã de 69 anos, Irmã Brunhilde, também foi acusada de ameaçar os funcionários da empresa e “tentar impedir o crescimento do município”. A polícia militar não tardou a reprimir os manifestantes com bombas de gás e spray de pimenta. Chamados de “invasores” pela imprensa local e pelos apoiadores da empresa, os ribeirinhos estavam ali exatamente para pressionar o Estado a definir quem tinha, de fato, direito sobre aquele território.
“Na minha opinião, essa é uma das melhores histórias sobre mineração no Pará para ser contada”, opina a promotora do Ministério Público do Estado do Pará, Lílian Braga, que atuou no caso. Para entender por que, é preciso recuar um pouco no tempo.
Uma multinacional versus comunidades ribeirinhas
Em 2000, a Alcoa adquiriu da Reynolds Metais os direitos sobre uma das maiores jazidas de bauxita do mundo, estimada em 700 milhões de toneladas, e localizada na margem direita do Rio Amazonas. Naquele mesmo ano, a empresa lançou uma carta de sustentabilidade, documento que pautaria suas futuras ações rumo a um equilíbrio entre os resultados econômicos, sociais e ambientais. Uma das líderes mundiais na produção de bauxita, alumina e alumínio, a Alcoa vinha enfrentando alguns reveses nos Estados Unidos e desembolsando indenizações milionárias para restaurar os impactos causados por suas atividades.
“Nesse contexto, iniciar um projeto sustentável no interior da Amazônia seria uma vitrine fantástica para disseminar uma imagem de uma empresa preocupada com o meio ambiente e com o bem-estar da população”, explica o pesquisador Lindomar de Souza, que estudou o processo de resistência das comunidades ribeirinhas em Juruti. Segundo Souza, a iniciativa poderia reduzir a pressão da sociedade civil sobre as atividades da mineradora e ampliar os mercados consumidores, principalmente na Europa e Estados Unidos, onde já naquela época havia um contexto cada vez mais marcado por preocupações socioambientais.
O anúncio do projeto Juruti Sustentável angariou amplo apoio entre a população do município, entusiasmada com as promessas de geração de empregos, de obras de melhoria na cidade e de uma atuação ambientalmente responsável. “A mineradora trouxe duas palavras muito bonitas: desenvolvimento e progresso. E isso empolgou 90% da sociedade jurutiense, o governo do estado e o governo federal, mas nós sabíamos que esse desenvolvimento não era pra nós”, diz Pereira. A área rica em minério fica a 45 quilômetros da sede do município, numa localidade banhada pelo Lago de Juruti Velho, e tradicionalmente ocupada por dezenas de comunidades formadas por descendentes de indígenas Munduruku e Muirapinima, que se autorreconhecem como ribeirinhos.
O líder comunitário conta que, na primeira audiência pública feita para discutir o projeto, em 2005, havia 5 mil pessoas presentes. E somente os duzentos representantes de Juruti Velho disseram não à Alcoa. “A mineradora prometia gerar 5 mil empregos diretos e indiretos para o povo de Juruti, e eu respondi que esses empregos só seriam nossos se a nossa bauxita fosse cavada com enxada e carregada no paneiro e na lata, porque isso nós sabíamos fazer”, diz Pereira, que, na época, já presidia a Associação das Comunidades da Região de Juruti Velho (Acorjuve), instituição fundada em 2004 para capitanear a luta contra o empreendimento.
As 44 comunidades então representadas pela Acorjuve (hoje são 59) estavam empenhadas em impedir a instalação da mineradora. “Nós já conhecíamos os impactos sociais e ambientais causados pela mineração de bauxita em Oriximiná [município vizinho onde a Mineração Rio do Norte extrai bauxita desde 1979], e quando, a convite da Alcoa, eu visitei os projetos sustentáveis que ela desenvolvia em São Luís, no Maranhão, e em Poços de Caldas, em Minas Gerais, o que eu vi foram favelas ao redor da mineradora”, conta Pereira. “Nós não queríamos o atraso no desenvolvimento econômico do país, como nos acusavam. Queríamos garantir o nosso modo de sobrevivência, a vida dos nossos filhos e das gerações que virão”, explica Gleice Coelho, mãe de cinco filhos e professora de História e Estudos Amazônicos na vila de Muirapinima, centro administrativo de Juruti Velho.