Estudo assinado por 50 pesquisadores mostra que a Área de Preservação Permanente ao longo dos riachos deveria ser pelo menos 20 metros maior.
Os pesquisadores observaram o impacto do desmatamento sobre a biodiversidade aquática de quatro biomas brasileiros.
Leis municipais ajudam — é o caso de Bonito (MS), famoso por seus rios de águas cristalinas. Sem fiscalização, porém, a proteção não é garantida.
Trinta metros para cada lado. Essa é a faixa de vegetação nativa que deve ser preservada ao longo dos riachos de até 10 metros de largura, segundo o novo Código Florestal Brasileiro, de 2012. Mas por que 30 metros? “A gente não sabe de onde foi tirado este número, se existe alguma evidência científica”, esclarece Renato Dala Corte, professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiás.
O biólogo coordenou o estudo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) que colocou à prova a eficácia da lei, e chegou a uma conclusão preocupante: a Área de Preservação Permanente (APP) ao longo dos rios deveria ser pelo menos 20 metros maior.
O resultado deste esforço inédito — que reuniu 50 pesquisadores de 29 instituições de pesquisa do Brasil — foi publicado em maio no prestigiado Journal of Applied Ecology, da Sociedade de Ecologia Britânica.
O primeiro passo foi juntar dados colhidos ao longo dos últimos 20 anos em quase 1.500 riachos da Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa, que revelam a quantidade de peixes e invertebrados (como besouros e larvas de insetos) presentes na água. Quanto mais numerosos, mais saudável estava o rio.
Depois, os pesquisadores usaram imagens de satélite para “voltar no tempo” e verificar qual era o tamanho da mata ciliar no momento da coleta. “Se eu coletei aquele dado em 2015, eu tenho como ver como era a vegetação em 2015”, explica Luciano Montag, pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA). Sua equipe contribuiu com informações de 250 riachos da Amazônia Oriental — região que inclui o Pará e partes do Amazonas, do Maranhão e de Mato Grosso.
50 metros de largura, no mínimo
Com os dados em mãos, os pesquisadores usaram algoritmos para calcular a partir de que extensão o desmatamento passa a ter impactos severos sobre a quantidade de peixes e invertebrados — cabe ressaltar a vegetação nativa é essencial à vida aquática ao fornecer sombra, alimento e abrigo. “À medida que o desmatamento avança, você vai perdendo aos pouquinhos a biodiversidade. No momento em passa desse ponto de quebra, desse limiar, há uma grande perda de biodiversidade”, explica Dala Corte.
Foi assim que os autores do estudo descobriram que, para que esse limiar não seja ultrapassado, as APPs às margens dos riachos deveriam ter pelo menos 50 metros de largura. “Esse é o mínimo dos mínimos”, destaca o coordenador do estudo.
A verdade é que é impossível estabelecer uma regra única para todos os biomas, ou mesmo para cada um dos biomas. “Não existe número mágico, pois o tamanho de mata ciliar necessária varia muito de acordo com a região e a bacia hidrográfica. Um valor único não garante a proteção dos ambientes aquáticos, principalmente se for baixo”, alerta Dala Corte.
Segundo Montag, uma das principais variáveis é o tipo de atividade econômica realizada no entorno do riacho. Em uma fazenda de criação de gado, por exemplo, a APP deveria ser de pelo menos 200 metros. “Para plantar pasto, é preciso fazer o corte raso da vegetação, então há muita ação do vento e da chuva. Além disso, as fezes dos animais contêm muito material químico, e às vezes os pecuaristas também usam herbicidas. Tudo isso é levado para dentro do riacho”, diz o biólogo.
Na Amazônia Oriental, os riachos mais degradados estão justamente no Arco do Desmatamento — nos municípios de Paragominas, Acará, Tomé Açu e Tailândia —, por onde avança a pecuária e a extração ilegal de madeira. “Muitas vezes a pastagem não respeita nem os 30 metros, então você vê o pasto começando já na margem do riacho”, conta Montag.
O biólogo, que saiu de São Paulo em 1999 para morar em Belém, lamenta as mudanças que percebe na região. “Em São Paulo eu via riachos muito destruídos, sem animais e com muita sujeira. Quando eu cheguei aqui fiquei maravilhado, porque os riachos eram lindos. Trabalhando agora na região do Arco do Desmatamento, eu já começo a lembrar um pouco da paisagem de São Paulo”, conta.
Leis municipais são uma saída, mas não a solução
Diante das dificuldades de se promover uma nova alteração no Código Florestal — a versão atual da lei levou 12 anos para ser aprovada —, os pesquisadores apostam nas iniciativas municipais e estaduais para ampliar a proteção dos rios brasileiros. Um exemplo de legislação mais protetiva em nível local é o município de Bonito, em Mato Grosso do Sul, cujos rios de águas cristalinas atraem turistas do Brasil e do mundo.
Para proteger esse patrimônio, a Lei Orgânica Municipal de Bonito determina a preservação de uma faixa de 50 metros ao longo de todos os rios da área rural, enquanto outras normas, uma estadual e outra municipal, garantem uma faixa extra de 100 metros para os rios da Prata, do Peixe e Formoso, além de seus afluentes.
Sem fiscalização, porém, não há lei que resolva. “Apesar de ter todo este arcabouço jurídico, na prática a gente sabe que é bem diferente”, esclarece Rodolfo Portela Souza, superintendente executivo da Fundação Neotrópica do Brasil, ONG que atua em Bonito desde os anos 1990. Segundo levantamento feito no ano passado pela organização, há 7.752 hectares de APPs utilizados de maneira irregular no município sul-matogrossense — principalmente para pastagens.
Em abril do ano passado, profissionais de turismo protestaram contra a deterioração das águas dos rios, que coloca em risco seu ganha-pão. “De cinco anos para cá, os rios começaram a turvar. As áreas de agricultura foram sendo instaladas de forma desordenada sem respeitar os limites naturais do solo. Então, quando chovia, os sedimentos eram todos levados para dentro das nascentes e córregos”, afirma Souza.
Em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, a prefeitura buscou outro caminho para promover a preservação da bacia do Rio Guariroba, de onde vêm 30% da água que abastece o município. O Programa Manancial Vivo paga um valor em dinheiro (entre R$ 37 a R$ 192 por hectare, segundo o último edital) aos fazendeiros que melhoram a qualidade do solo, recuperam ou preservam a vegetação nativa. O resultado é uma melhor absorção da água da chuva.
“A ideia é que essa água fique dentro do sistema. A água da chuva que cai em fevereiro, ao invés de escorrer direto para o córrego e ir embora, só vai chegar no rio em junho, se infiltrando por baixo do solo. Então a gente não tem uma vazão grande do córrego na época de chuva nem um nível muito baixo durante a seca”, explica o coordenador do programa Manancial Vivo, Sérgio Luiz Ferreira Júnior.
Imagem do banner: Rio Javari, Acre. Foto: Rhett Butler/Mongabay.