Na década de 1970, cientistas descobriram que a Amazônia produz metade da sua própria chuva através da evaporação e da transpiração da sua vegetação. Pesquisadores também identificaram que o aumento do desmatamento reduziria esse efeito de produção de chuva.
Um estudo realizado em 2007 estimou que, com um índice de 40% de desmatamento da Amazônia, um ponto crítico seria atingido, em que grandes extensões da Floresta Amazônica se transformariam em savana. Dois fatores recém-considerados em um estudo realizado em 2016 – mudança climática e queimadas – reduziram o ponto crítico estimado para 20-25%. O desmatamento está atualmente em 17%, e uma área desconhecida de floresta desmatada está provocando menos umidade.
Há um bom motivo para crer que o ponto crítico de transformação da Amazônia em savana está muito próximo. Secas sem precedentes históricos em 2005, 2010 e 2015 seriam as primeiras demonstrações dessa mudança.
Os renomados pesquisadores especialistas em Amazônia Tom Lovejoy e Carlos Nobre alegam que manter o desmatamento da floresta abaixo de 20% é essencial para criar uma margem de segurança. Para evitar esse ponto crítico, o Brasil precisa controlar o desmatamento com rigor e combinar esse esforço com reflorestamento. Este post é um comentário. As visões expressadas são do autor, não necessariamente do Mongabay.
Durante a década de 1970, quando os primeiros desmatamentos se espalharam ao longo da rota da rodovia Belém-Brasília, a Floresta Amazônica parecia ser infinita e eterna. Ela era principalmente uma fonte de extração de recursos – borracha, castanhas-do-Pará e outros – e um local para a ciência.
Em meados dessa década, o cientista brasileiro Eneas Salati publicou alguns resultados extraordinários. Ao analisar proporções de isótopos de oxigênio em água da chuva coletada desde o estuário até a fronteira com o Peru, ele conseguiu demonstrar inequivocamente que a Amazônia produz metade da sua própria chuva. A umidade se recicla de cinco a seis vezes à medida que a massa de ar se desloca do Atlântico até os Andes. Lá, a elevação causou a maior precipitação, criando o maior sistema pluvial da Terra, que detém 20% de toda a água pluvial do planeta.
Esses resultados quebraram paradigmas. Até então o dogma inquestionável era que a vegetação é simplesmente consequência do clima e que ela não tinha nenhuma influência sobre ele. Porém, essa influência se torna visível quando massas de umidade emergem da floresta após uma tempestade. É consequência tanto da evaporação advinda das superfícies complexas da floresta como da transpiração das próprias árvores. A maior contribuição da umidade proveniente da floresta vai para a Amazônia central e oriental, já que nessas áreas os fatores que contribuem em larga escala para a formação de chuvas são mais escassos.
Esses resultados quase que imediatamente levantaram a questão a respeito de quanto do desmatamento poderia fazer com que esse ciclo hidrológico atingisse o ponto – um ponto crítico – em que haveria uma retração florestal no sul e no sudeste e a substituição por uma vegetação de savana relativamente degradada. É algo sobre o qual discutimos ao longo dos anos seguintes e que foi abordado por modelagem pelo grupo de Carlos Nobre em 2007. A conclusão foi a de que o ponto crítico seria atingido com um índice de desmatamento de aproximadamente 40%.
A umidade proveniente da Amazônia de fato proporciona uma importante contribuição para a precipitação, a ecologia e o bem-estar humano ao sul da própria floresta (contribuindo com as chuvas de inverno na Bacia do Prata, incluindo a região sul do Brasil, Paraguai, Uruguai e centro-leste da Argentina).
A importância para a agricultura brasileira (existente e almejada) é complexa, mas ainda significativa. A evapotranspiração das pastagens é relativamente insignificante em comparação com a produzida pelas florestas. Sendo assim, uma estação seca mais longa parece estar bem próxima com o desmatamento.
O exposto acima já seria importante por si só, mas hoje o desmatamento da Amazônia também tem relação com as mudanças climáticas e as queimadas generalizadas. Sabe-se que essas últimas provocam a secagem da floresta circundante e a torna mais vulnerável a maiores queimadas no ano seguinte. Portanto, é sensato reavaliar o ponto crítico para incluir esses outros dois fatores.
Acreditamos que, com o acréscimo desses dois fatores, o ponto crítico está muito mais próximo – com um índice de desmatamento de aproximadamente 20-25%. Passado esse ponto, as regiões leste, sul e central da Amazônia poderiam passar de florestas para ecossistemas não florestais. A modelagem desenvolvida pelo grupo de Carlos Nobre fez alguns cálculos em 2016 que consideraram o efeito sinergético do desmatamento, as mudanças climáticas, o aumento dos incêndios florestais e também o chamado efeito de “fertilização por CO2”, que parte do princípio de que o aumento das concentrações de CO2 na atmosfera é benéfico para a vegetação. Os resultados corroboram plenamente essa conclusão.
Há um bom motivo para crer que o ponto crítico está muito próximo. Secas sem precedentes históricos (2005, 2010 e 2015) seriam as primeiras demonstrações dessa mudança. De fato, há um conjunto de mudanças, como temperaturas mais altas no Atlântico Norte tropical associadas a mudanças na terra. Além disso, as graves inundações de 2009 e 2012 (e no sudoeste da Amazônia em 2014) sugerem que o sistema amazônico está oscilando.
Diante disso, qual seria o caminho mais sensato a ser seguido? Claramente não faz sentido algum descobrir o ponto crítico atingindo-o. Acreditamos ser fundamental reduzir a área desmatada para menos de 20% para criar uma margem de segurança. O número oficial atual do Brasil é 17%, mas algumas áreas remanescentes da floresta estão degradadas e, portanto, contribuem com menos umidade. Portanto o caminho mais sensato é controlar com rigor o desmatamento e combinar esse esforço com reflorestamento.
O Brasil se comprometeu em Paris em 2015 a reflorestar 12 milhões de hectares até 2030 e a refrear significativamente o desmatamento. Esse compromisso deve ser reavaliado para garantir que a nação também possa contribuir para evitar o alcance do ponto crítico em benefício do país e de outros países da América do Sul.
Cientificamente, a contribuição do Brasil foi fundamental para entendermos esse desafio ambiental. Ele também deveria contribuir com uma ação concomitante.
Citação:
Nobre et al., 2016. The Fate of the Amazon Forests: Land-use and climate change risks and the need of a novel sustainable development paradigm. Proceedings of the National Academy of Sciences, www.pnas.org/cgi/doi/10/1073/pnas.1605516113.
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