Em meados de janeiro, Brasília emitiu a Portaria 80, que transfere as decisões relacionadas à demarcação de terras indígenas da Funai, órgão que lida com questões indígenas, para as mãos do Ministério da Justiça. Grandes proprietários de terras aplaudiram a medida, enquanto ativistas pelos direitos indígenas se opõem.
A população brasileira inclui 900.000 pessoas, das quais 517.000 vivem em terras indígenas oficialmente reconhecidas. Cerca de 13% do território do país estão reservados para terras indígenas – dos quais 98,5% se encontram na Amazônia.
O processo de demarcação está repleto de controvérsias; a demarcação de territórios indígenas foi atrasada por anos pela Funai, e, em alguns lugares, por décadas. As autoridades federais argumentam que a transferência de tomada de decisão para o Ministério da Justiça irá acelerar a resolução dos conflitos envolvendo os territórios.
Os opositores da Portaria 80 afirmam que essa mudança tira o poder das mãos da Funai de decidir as questões da demarcação de terras indígenas por meio de consultorias com especialistas técnicos e antropologistas, autoridades reconhecidas pela Constituição Brasileira.
Com a emissão de um decreto federal em meados de janeiro, o governo brasileiro anunciou grandes alterações ao processo por meio do qual as terras indígenas são formalmente demarcadas – medida aplaudida pelo lobby da agricultura industrial, formado pelos ruralistas, e pelos grandes proprietários de terras, mas recebida com inquietação por ativistas pelos direitos indígenas.
O decreto federal, chamado de Portaria 80, transfere a tomada de decisões relativas ao reconhecimento das fronteiras de territórios indígenas para o Ministério da Justiça, tirando-as das mãos da Fundação Nacional do Índio (Funai), que demarcava terras indígenas com base em pesquisas técnicas e análises antropológicas.
A população brasileira inclui 900.000 indígenas, dos quais 517.000 vivem em terras indígenas oficialmente reconhecidas. Cerca de 13% do território do país estão reservados para terras indígenas – 98,5% dos quais se encontram dentro da região legalmente designada da Amazônia.
O processo de demarcação está repleto de controvérsias; a demarcação de territórios indígenas foi atrasada por anos pela Funai, e, em alguns lugares, por décadas. A Portaria 80 é apenas o esforço mais recente do governo Temer (às vezes conduzido de forma obscura) para conduzir o atual processo de demarcação da Funai, possivelmente a fim de exercer maior controle sobre isso.
O Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, assinou a Portaria 80, que cria uma comissão especial para avaliar o trabalho de demarcação de territórios da Funai. Esse Grupo Técnico Especializado (GTE) incluirá um consultor jurídico do Ministério da Justiça, assim como representantes da Secretaria Especial de Direitos Humanos, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Funai.
A Portaria 80 estabelece que as decisões relativas à demarcação “exigem análise cuidadosa e envolvem o estudo de todo o processo de demarcação, assim como a necessidade de reconciliar celeridade [ação rápida] e segurança legal”.
A medida viola totalmente a Constituição Brasileira e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, disse Luciano Maia ao Mongabay. Ele é o procurador geral adjunto e Coordenador da Sexta Câmara das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (MPF), órgão brasileiro formado por procuradores da união independentes.
Maia observa que o artigo 2º do decreto 1775/1996 estabelece que “A demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas basear-se-á no trabalho desenvolvido por um antropólogo de qualificação reconhecida.”
“Esse trabalho pertence somente à Funai, e se baseia em estudos realizados por antropólogos, indigenistas e cartógrafos”, disse ele. O Ministro da Justiça “quer incluir, no processo de demarcação, elementos exógenos que não têm experiência em antropologia e questões indígenas”. O MPF solicitou uma reunião com o Ministério da Justiça para discutir a Portaria 80, mas ainda aguarda uma resposta.
O Ministério da Justiça e da Cidadania não respondeu aos pedidos de entrevista feitos pelo Mongabay.
Enquanto isso, o presidente do Brasil, Michel Temer, deixou claro seu posicionamento. Em um evento público realizado com fazendeiros no início do mês de janeiro, ele defendeu a Portaria 68 (uma versão previamente anulada da Portaria 80) e declarou que essas medidas pretendem reduzir “os grandes conflitos que existem naquelas áreas (indígenas)”. E acrescentou que as mudanças não desconsiderariam a Funai.
O procurador geral adjunto do MPF refutou o argumento de Temer: as Portarias 68 e 80 “desconsideram o papel da Funai”, disse ele. “O órgão é subordinado ao Ministério da Justiça e…gerará insegurança e incerteza jurídica entre as comunidades indígenas. O resultado desse cenário já é conhecido: mais violência em campo. [O Ministério da Justiça] não está interessado em acelerar o processo de demarcação de territórios, mas sim em não fazer isso”.
A Funai foi contatada pelo Mongabay para uma entrevista, mas recusou-se a fazer comentários neste momento.
Ao invés de emitir a Portaria 80, o governo federal deveria estar fazendo progressos na questão relativa à compensação aos fazendeiros, disse Adriana Ramos, coordenadora do Instituto Socioambiental (ISA), ONG que defende os direitos dos povos indígenas no Brasil.
“Uma das razões para a oposição ao reconhecimento dos direitos relativos às terras indígenas é a existência de [grandes] proprietários de terras que compraram as terras do governo, em áreas reconhecidas como indígenas”, disse Ramos. Mas a Constituição afirma claramente que os títulos de propriedades sobre terras indígenas são nulos. Ramos também explicou que não existe compensação monetária pelo estado para essas transações de terras realizadas de forma errônea, embora sejam oferecidas compensações por melhorias (casas e instalações) realizadas nessas terras.
“Atualmente, esses casos estão sendo questionados”, disse a coordenadora do ISA. “Se os proprietários de terras tiverem formal e oficialmente comprado as terras do estado, eles são exceções para as quais deveria haver uma solução”. Ela lembra que, por muito tempo, o movimento indigenista foi contra o pagamento de indenizações a fazendeiros. “Mas a violência dos conflitos chegou a tal nível que os indígenas atenuaram as contestações com relação a essa possibilidade”.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 132, que tem como objetivo compensar titulares legítimos de propriedades em terras indígenas, ratificada em outubro de 2013, está retida na Câmara dos Deputados desde 2015, aguardando a criação de um comitê de análise.
“O reconhecimento do direito a territórios indígenas é o reconhecimento do direito à diferença [em culturas] dessas populações. Não há como garantir o direito dos indígenas à vida [ao mesmo tempo] negando-lhes o direito à terra”, acrescentou a coordenadora do ISA.
“E não é uma questão de quantificar a terra a que cada um tem direito, porque, se usarmos esse parâmetro, há 517.000 pessoas indígenas vivendo em menos de 107 milhões de hectares de terras indígenas oficialmente reconhecidas, de acordo com o censo demográfico do IBGE de 2010. [Mas há] 46.000 grandes proprietários de terras no Brasil explorando uma área de mais de 144 milhões de hectares. Ou seja, há muita terra para poucos fazendeiros”.
Espera-se que os ativistas pelos direitos das terras indígenas mantenham sua oposição à Portaria 80. O procurador geral adjunto do MPF, Maia, disse que o MPF solicitará ao governo que revogue a nova portaria, mas está aguardando uma audiência com o Ministério da Justiça antes de proceder com qualquer ação.