Em 2015, o Ministério Público Federal do Brasil (MPF) iniciou um processo acusando a Norte Energia, o consórcio que construiu a megabarragem de Belo Monte no rio Xingu, no Pará, juntamente com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) do governo federal, contra o crime de etnocídio.
As famílias indígenas alegam que tiveram sérios danos quando foram arrancadas de suas casas ribeirinhas; foram forçadas a abandonar a pesca sustentável, a caça e os meios de subsistência da agricultura, além de serem compelidas a procurar emprego em um ambiente urbano economicamente em depressão.
Tamawaerw Paracana, uma mulher indígena, descreve os desafios diários que sua família enfrenta ao tentar sobreviver em uma comunidade de reassentamento urbano: “Não tenho meios de viver aqui. Não tenho dinheiro para comida. Aqui você precisa ter um emprego, pois quem não trabalha não come. Não há comida”. O caso de etnocídio ainda não foi levado ao tribunal.
“A cada dia que passa, há mais barragens sendo construídas em nosso país, há mais pessoas afetadas e há mais direitos violados. Portanto, nosso objetivo é organizar todas as pessoas afetadas e continuar essa luta”, disse Edizangela Alves Barros, ativista indígena.
No final de 2015, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ações judiciais contra a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a Norte Energia, consórcio que construiu a megabarragem de Belo Monte no rio Xingu, no estado do Pará. O MPF acusou ambos do crime de “etnocídio”, cometido contra sete grupos indígenas deslocados e/ou severamente divididos pela barragem hidrelétrica, um projeto de construção que, segundo os pesquisadores, destruiu casas indígenas, vidas, meios de subsistência, comunidades e culturas.
Após realizar um extenso estudo que incluiu testemunhos de vários especialistas e preencheu 50 volumes, o MPF concluiu que a “organização social, costumes, línguas e tradições” dos grupos indígenas havia sido destruída pela construção da barragem.
Essa devastação cultural é algo que Tamawaerw Paracana, uma mulher indígena da tribo Paracanã, testemunhou em primeira mão. Até 2014, Tamawaerw, de 23 anos, morava com seu marido e seus filhos na aldeia indígena de Paracanã, às margens do rio Xingu. Como parte de sua família estendida, compartilhavam essa casa com o cunhado de Tamawaerw.
Quando o projeto de Belo Monte começou, a Norte Energia forçou a família para fora de sua casa rural, mas não lhes deu nenhum novo lugar para morar, como havia sido prometido em um acordo pré-construção entre o consórcio e o governo. Quando a empresa registrou a população indígena que perdeu suas casas e, por isso, eram merecedores do reassentamento nos arredores da cidade vizinha de Altamira, reconheceu plenamente o pedido do cunhado, mas recusou-se a reconhecer Tamawaerw e sua família, deixando-os sem teto.
Ela e sua família foram morar no quintal de seu cunhado em Jatobá, uma das três comunidades de reassentamento construídas pela Norte Energia para os deslocados pela barragem.
“A [Norte Energia] nos disse que não tínhamos como conseguir uma casa. Não tivemos direito a uma casa. Brigamos e lutamos arduamente para entrar em uma casa em Jatobá”, disse Tamawaerw. A empresa “nos disse: ‘Não, vocês não podem ter uma casa em Jatobá’”. A Norte Energia não respondeu aos pedidos de comentários da Mongabay.
Matando sem matar
A energia hidrelétrica é muitas vezes considerada uma fonte de energia favorável ao clima e o Brasil tem potencial para ser um dos maiores produtores do mundo. No entanto, as consequências humanas dos rios represados provaram ser devastadoras. Um bom exemplo é visto na acusação de etnocídio apresentada contra os responsáveis pela construção da barragem de Belo Monte.
O genocídio e o etnocídio são diferentes. O primeiro é a matança em massa de um povo. O segundo é definido não pela matança imediata, mas sim pela destruição de uma cultura e um modo de vida. A diferença, de acordo com o antropólogo francês Pierre Clastres, é entre matar os corpos de um povo ou matar seu espírito, o que os celtas antigos chamavam de “crime da alma”.
A ação judicial de etnocídio de Belo Monte aborda os impactos nos povos indígenas que viviam na área em torno da hidrelétrica de Belo Monte. Descreve os impactos significativos na saúde, no meio ambiente, nos meios de subsistência tradicionais e na organização social indígena.
Originalmente, o projeto não foi visto dessa forma. A barragem foi lançada como oferecendo grandes benefícios para o povo brasileiro. Esperava-se criar 18 mil empregos diretos e 23 mil indiretos. Também deveria atender às necessidades energéticas do Brasil nas próximas décadas, pois foi projetado para ter a terceira maior capacidade de geração hidrelétrica do mundo, com 11.233 megawatts (MW). Tudo isso teve um custo gigantesco, no qual o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fez seu maior empréstimo para o projeto – R$ 22,5 bilhões.
Os críticos fora do governo dizem que os defensores da barragem exageraram na promessa do projeto desde o início. Por exemplo, enquanto o governo afirmou que Belo Monte supriria 40% das necessidades energéticas do Brasil, um relatório de 2009 elaborado por um painel de especialistas, bem antes do início da construção, constatou que o Estudo de Impacto Ambiental (EIS) da barragem omitiu mudanças sazonais substanciais na vazão do rio Xingu, resultando em uma diferença de mais de 60% entre a capacidade estimada de produção de 11.233 MW da barragem e sua produção média estimada, em torno de 4.500 MW. A revista The Economist relatou que a produção durante os períodos de baixa vazão poderia cair em uma proporção tão baixa quanto 800 a 1000 MW.
O estudo de 2009 também criticou a exclusão de grupos indígenas que seriam afetados pela barragem. Argumentou que as tribos Juruna, Arara, Xipaya, Kuruaya e Kayapó haviam vivido durante séculos ao longo da Grande Curva do rio Xingu (Volta Grande) e dependiam dela para sua subsistência. Porém, de acordo com os construtores da barragem, a Grande Curva veria uma redução de 80% no fluxo do rio após a construção. Uma redução tão drástica no volume ao longo de uma porção de 100 quilômetros do rio, segundo os especialistas, provavelmente destruiria a vigorosa pesca da região. As quantidades enormes de mortes de peixes em Volta Grande, ocorrendo desde que a barragem entrou em operação em 2016, parecem apontar para que a previsão se becoming a reality.
Além disso, o relatório condenou a violação dos direitos constitucionais dos povos indígenas e da Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta última garante aos povos indígenas e tradicionais o direito de consulta prévia sobre projetos que afetam suas comunidades. Embora os planos originais para a barragem remontam a meados da década de 1970, quando o Brasil era uma ditadura, o Congresso do país aprovou novos planos para a barragem de Belo Monte em março de 2005, sem jamais consultar as comunidades afetadas.
Alguns dos impactos diários de Belo Monte são evidentes na vida difícil que Tamawaerw Paracanã e sua família estão levando. Eles mudaram do quintal do seu cunhado e agora vivem na comunidade de reassentamento Água Azul, na periferia da cidade de Altamira, mas continuam lutando com as mudanças traumáticas e assustadoras no estilo de vida e nos meios de subsistência.
Tamawaerw e sua família, além de outras famílias reassentadas à força devido à megabarragem, estão encontrando dificuldades para conseguir emprego – uma necessidade agora que os povos indígenas e tradicionais não vivenciavam no rio, onde a comida era abundante e obtida de graça, mas em uma área urbana os alimentos devem ser comprados.
A finalização da barragem este ano exacerbou esse problema, causando um colapso econômico local, já que muitos homens que trabalhavam na construção de Belo Monte foram demitidos e começaram a competir com os povos indígenas reassentados em um mercado de trabalho em declínio. Acrescente-se a isso o fato de que a economia do Brasil entrou em colapso desde o seu crescimento súbito de uma década atrás.
Agora, também parece que as razões para a construção da barragem podem ter sido deturpadas para o povo do Brasil. No início deste ano, a investigação do escândalo federal Lava Jato do país revelou informações mostrando que a barragem forneceu um veículo para a corrupção. Dois dos principais partidos políticos brasileiros, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido do Movimento Democrático do Brasil (PMDB) – que ocuparam a presidência e a vice-presidência, respectivamente, durante a construção de Belo Monte – são suspeitos de terem recebido cerca de 150 milhões de reais em subornos e propinas relacionadas à adjudicação de contratos da barragem.
O dano que foi feito
Edizangela Alves Barros é uma ativista indígena do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Ela se mudou com sua família para Altamira há 15 anos, quando era uma adolescente. Para Barros, trabalhar com o MAB é uma maneira de defender a família de Tamawaerw e outras famílias indígenas, além de melhorar a vida em sua comunidade.
O MAB estima que 40 mil pessoas foram deslocadas pela barragem de Belo Monte, mas o Estudo de Impacto Ambiental encomendado pela Norte Energia previu aproximadamente metade desse número. Essa discrepância representa um conflito contínuo que não foi resolvido, mesmo com a conclusão da barragem este ano.
“São famílias com renda baixíssima, mas também há uma questão cultural nas comunidades tradicionais, indígenas e ribeirinhas”, disse Barros a Mongabay. “Há uma cultura de viver na aldeia, todos no mesmo lar. Para eles, esse [deslocamento urbano] também é uma questão cultural, e a empresa negou isso”, disse Barros.
O plano de mitigação dos construtores da barragem incluiu uma variedade de elementos supostamente destinados a diminuir o impacto de Belo Monte, como a construção de escolas para as comunidades indígenas e a prestação de assistência técnica para pequenos agricultores. O processo de etnocídio dos promotores argumenta que, pelo contrário, os construtores realmente exacerbaram esses problemas. As escolas, por exemplo, foram construídas em áreas rurais onde comunidades inteiras tinham sido removidas. E as comunidades indígenas, em vez de receberem ajuda agrícola, receberam doações de bens de consumo e alimentos processados, o que criou conflitos internos e minou os padrões tradicionais de subsistência.
Quando originalmente deslocada, Tamawaerw e sua família construíram um barraco de madeira com um teto de telhas no quintal do seu cunhado. A estrutura não tinha banheiro, nem um sistema de esgoto. “Dormíamos com chuva o tempo todo. A água vinha e ficava tudo molhado. Não havia como dormir. Sempre que chovia toda a casa ficava encharcada”, contou.
Os ativistas locais retomaram o caso da família e chamaram a atenção das autoridades de Brasília, ganhando uma casa para eles na comunidade de reassentamento de Água Azul, em Belo Monte, em 2015. Viver lá significa que os filhos de Tamawaerw agora podem ir à escola, mas ela não gosta desse ambiente urbano: “Quero viver na minha terra de novo”, disse a Mongabay.
Não há transporte público, por isso, chegar ao centro da cidade de Altamira é difícil e caro – um moto táxi de Água Azul custa 10 reais. Enquanto isso, Tamawaerw diz que seu marido continua tendo dificuldade em encontrar trabalho. Isso os deixa com apenas 200 reais por mês do programa de subsídios do governo “Bolsa Família” para viver. “Como vou comprar coisas para a minha filha?” – questionou. “A Norte Energia nunca me deu um centavo”.
A nova casa de Tamawaerw contrasta claramente com a vida do rio que ela foi forçada a deixar. O solo em torno de sua casa agora está seco e marrom, não há árvores na rua para fornecer sombra do sol e calor tropicais. No rio, ela e sua família passavam todos os dias rodeados pela natureza, buscando um estilo de vida sustentável em que a pesca, a caça e a agricultura proporcionavam sustento suficiente.
Tamawaerw descreveu os desafios de viver em Água Azul: “Não tenho meios de viver aqui. Não tenho dinheiro para comida. Aqui você precisa ter um trabalho para [obter] comida para se alimentar. Porque aqui você simplesmente tem que trabalhar para comer. Quem não trabalha não come. Não há comida”.
Segundo Barros, a atual situação de moradia de Tamawaerw ainda não atende aos requisitos de licenciamento do governo impostos à Norte Energia. “Na realidade, [as famílias indígenas deviam] ter uma opção de [transferência] para uma comunidade ribeirinha tradicional, mas a empresa negou isso desde o início. A [Norte Energia] nunca construiu uma comunidade de reassentamento para comunidades tradicionais – indígenas, população ribeirinha, pescadores – [essas populações] poderiam estar perto do rio. Eles não fizeram isso”. Cerca de 1.000 pessoas compareceram a uma audiência pública em meados de novembro com um representante da Norte Energia para tratar do retorno à vida perto do rio.
Em fevereiro do ano passado, a Fundação Getúlio Vargas e o Programa Regional de Desenvolvimento Sustentável do Xingu publicaram um relatório que analisava o cumprimento do acordo de licenciamento federal da Norte Energia. Observou-se que, embora 119 mil hectares foram destinados ao reassentamento de populações rurais, “o processo ficou muito aquém de cumprir sua meta no Plano Básico Ambiental (PBA) de reassentar pelo menos 40% das famílias”.
Perturbação das culturas indígenas com uma chuva de dinheiro
Carolina Reis, advogada sediada em Altamira, ligada ao Instituto Socioambiental (ISA), disse que o plano de ação da Norte Energia foi mal executado. O estudo de impacto ambiental da barragem voltado para as comunidades indígenas resultou na elaboração de um Plano Ambiental Básico de 35 anos. Antes que essas recomendações pudessem ser implementadas, disse Reis, o dinheiro foi gasto.
“A Norte Energia alocou somas de 35 mil reais por mês, por aldeia, por um período de dois anos, entre 2010 e 2012. Esse [dinheiro] acabou [sendo usado] para as ‘listas de compras’”. Reis comentou que essas “listas de compras” tomaram o lugar de um plano sério para “[fortalecer] as aldeias e terras indígenas para lidar com os vários tipos de impactos da barragem”.
Barcos, motores para barcos, perfumes, massas, açúcar, feijão, biscoitos. Esses e muitos outros itens foram entregues às aldeias indígenas. Muitas vezes, os homens nos assentamentos estavam tão ocupados com as reuniões sobre as “listas de compras”, junto com a distribuição de bens de consumo, que negligenciaram o cultivo de seus campos. O ISA informou que, a partir de março de 2015, o dinheiro da Norte Energia havia sido utilizado para a compra de 578 motores de popa, 322 barcos e lanchas rápidas e 2,1 milhões de litros de gasolina.
Segundo um relatório da FUNAI, esse suposto Plano de Emergência “teve um impacto devastador na organização social e cultural do grupo indígena Arara”. A preocupação com itens materiais, dizem as autoridades, criou uma séria insegurança alimentar; as comunidades indígenas que não foram deslocadas pela barragem e antes eram sustentáveis tornaram-se dependente de donativos.
O problema com a chuva de dinheiro e bens de consumo, explicou Reis, é que as comunidades indígenas tinham pouco contato prévio com o mundo industrial e seu sistema econômico. Essa falta de familiaridade levou ao desperdício de dinheiro repentinamente disponibilizado pela Norte Energia. As comunidades usaram os recursos para ajudá-los a sustentar suas culturas tribais, a resistir às rupturas culturais e econômicas trazidas pela barragem e a criar alternativas econômicas aos meios de subsistência tradicionais ameaçados pelas mudanças ambientais.
O processo de etnocídio também descreve a “cooptação de líderes indígenas”, afirmando que a Norte Energia “operava uma política de distribuição de bens de consumo e alimentos industrializados”. Usando a abordagem da “lista de compras”, o processo judicial argumenta que a empresa conseguiu “atrair os povos indígenas à sua porta, mantendo-os longe de suas comunidades onde a barragem de Belo Monte estava sendo construída [levando à negligência dessas comunidades. Foi] um enorme programa de silenciamento e pacificação realizado com o uso de recursos [monetários que deveriam] ter sido destinados ao desenvolvimento étnico”.
Camila Becattini de Caux, antropóloga do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escreveu que a quantidade de dinheiro disponibilizada para os grupos indígenas era substancial. “Enquanto isso, os [povos indígenas] não tinham ideia do quanto significava aquela quantia, nem o que poderia ser feito com ela”, explicou.
Dividir e conquistar
A inundação de dinheiro teve outros impactos sociais. Kaworé Parakanã, um membro da comunidade indígena, descreveu o isolamento trazido pelo projeto da barragem: “Ele dividiu todas as populações”, disse aos promotores federais. “No começo, quando a barragem estava para ser construída, estávamos todos lá, as pessoas da região de Altamira. Estávamos unidos. Com muita estratégia, os não indígenas [os construtores da barragem criaram conflitos], os governantes, dividiram as pessoas”.
Essas divisões, fomentadas pelas políticas de deslocamento da Eletronorte, resultaram em comunidades desmembradas. Um relatório elaborado por promotores federais observou que, durante o “Plano de Emergência”, dez novas aldeias foram estabelecidas. O Distrito de Saúde notou uma divisão não planejada “muito rápida” de comunidades, que saltou de 22 para 38 novas aldeias.
Tucun Xikrin, chefe da aldeia de Pykajaká, disse que o povo não confiava no consórcio e tinha certeza de que nunca cumpriria seus pedidos de “lista de compras”. “Mas nós é que fomos enganados”, confessou. “Pedimos coisas sem precisar delas”.
Uma das razões pelas quais o consórcio conseguiu aprovar esse “plano de emergência”, diz a ação judicial de etnocídio, é que a FUNAI, a agência federal destinada a proteger os direitos indígenas, tinha insuficiência de pessoal e de recursos locais e era incapaz de atender às necessidades das comunidades indígenas. Uma decisão judicial preliminar emitida em Altamira, em janeiro de 2015, concluiu que a FUNAI não havia sido adequadamente reforçada para cumprir seu mandato, conforme exigido pelo acordo de licenciamento da barragem. Um memorando interno chegou a sugerir que o escritório regional da FUNAI, extremamente sobrecarregado, arriscou um colapso total durante o projeto de Belo Monte.
Há inúmeras repercussões a esse fracasso da FUNAI. A questão de etnocídio mostra que, em uma área com uma história de conflitos de terra violentos, as terras indígenas de Arara tornaram-se vulneráveis à invasão por madeireiros e fazendeiros ilegais. Em 2013, por exemplo, a reserva indígena Cachoeira Seca foi considerada a área mais desmatada da Amazônia brasileira, em grande parte devido à extração madeireira ilegal, exacerbada pela falta de fiscalização da Norte Energia e do governo.
O ISA determinou que o consórcio não conseguiu proporcionar a proteção adequada das terras indígenas em 21 pontos de entrada, como originalmente prometido no acordo de licenciamento da barragem. Apenas sete pontos de segurança foram criados até agora, com eficácia questionável. De acordo com o ISA, madeireiros ilegais têm invadido as áreas indígenas demarcadas e o desmatamento aumentou nos arredores do rio Xingu – a atividade ilegal continua mesmo após a conclusão da barragem de Belo Monte.
O relatório de fevereiro, do Programa Regional de Desenvolvimento Sustentável, identificou outra consequência da construção de Belo Monte e do deslocamento das populações rurais. Constatou que o número de nascimentos da aldeia despencou, enquanto que os nascimentos do hospital aumentaram. Mas de acordo com uma análise do ISA, as condições de saúde não necessariamente melhoraram – entre 2010 e 2012, a mortalidade infantil subiu para 127%.
A luta continua
“Belo Monte é uma irresponsabilidade do Estado Brasileiro”, declarou Thaís Santi, advogada principal da ação judicial federal de etnocídio, durante uma reunião pública em janeiro do ano passado. “A barragem deixa uma dívida [aos povos indígenas] que ainda não foi paga”.
Santi argumentou que o governo brasileiro deve desempenhar um papel ativo na reparação dos danos culturais e ambientais causados à região do Xingu. Os tribunais brasileiros ainda não ouviram o caso dos promotores. Entretanto, dizem os defensores, a situação entre os povos indígenas da região continua se deteriorando.
Os grupos indígenas irritados e seus aliados não estão esperando a ação em silêncio. Eles continuam se mobilizando. No início de outubro, o diretor do Escritório Distrital de Saúde Indígena, que atende a região do Xingu, foi expulso depois que 400 pessoas ocuparam pacificamente os escritórios por 32 dias para protestar contra seus serviços de saúde deploráveis.
Em setembro, a licença de operação da barragem de Belo Monte foi suspensa pelo governo federal porque a Eletronorte não completou a instalação dos sistemas de água e esgoto de Altamira, exigidos como parte de seu contrato operacional.
Os ativistas de Belo Monte estão preocupados não apenas com a bacia hidrográfica do Xingu, mas também com o desenvolvimento de barragens na Amazônia, inclusive na Bacia do Tapajós, onde estão planejadas ou já estão em construção mais de 40 barragens.
“Esse modelo de energia que temos em nosso país não funciona para nós”, concluiu Barros. “A cada dia que passa, há mais barragens sendo construídas em nosso país, há mais pessoas afetadas e há mais direitos violados. Portanto, nosso objetivo é organizar todas as pessoas atingidas e continuar essa luta”.