O governo brasileiro está revisando a legislação para o comércio de tubarões, como as regras para exportações de barbatanas e para a pesca do tubarão-azul (Prionace glauca), única espécie que pode ser legalmente capturada no país.
Em reunião em 3 de setembro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) recomendou ao governo proibir as exportações de barbatanas de tubarão e restringir o uso do estropo de aço, usado para pescar tubarões, em unidades de conservação marinhas.
Na mesma reunião, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima anunciou a suspensão de uma portaria que regulamentava a pesca do tubarão-azul, incluindo cotas para captura, devido ao “risco de aumento de pressão” sobre espécies ameaçadas e falhas no monitoramento e na fiscalização.
Uma recente investigação da Mongabay que revelou que órgãos governamentais compraram milhares de toneladas métricas de carne de tubarão para servi-las em escolas, hospitais e prisões, foi citada na reunião do Conama; a reportagem também foi usada como prova em uma ação civil pública da ONG Sea Shepherd Brasil para proibir licitações de instituições públicas federais para a compra de carne de tubarão.
O governo federal está revisando o arcabouço legal para o comércio de tubarões, com a potencial proibição das exportações de barbatanas e regras mais rigorosas para a pesca do tubarão-azul (Prionace glauca) — única espécie que pode ser capturada legalmente em águas brasileiras.
Em reunião realizada em 3 de setembro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) aprovou uma moção para proibir a exportação de barbatanas de tubarão e o uso do estropo de aço — usado para pescar esses animais — em unidades de conservação marinhas.
O fim do uso do estropo de aço em áreas protegidas reduzirá a captura acidental não apenas de tubarões, mas também de outras espécies ameaçadas em até 40%, disse o conselheiro do Conama José Truda Palazzo Junior, fundador do Instituto Baleia Jubarte e co-autor da moção, em seu discurso.
Apesar de a aprovação do Conama não ter poder para que o governo implemente as medidas de forma imediata, ela é considerada um instrumento de força política para influenciar novas diretrizes no âmbito ambiental. O Ibama e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), que preside o Conama, votaram a favor da moção.
Em sua apresentação na reunião transmitida ao vivo, Truda citou uma recente investigação da Mongabay que revelou que instituições públicas estão comprando grandes quantidades de carne de tubarão para escolas, creches, hospitais e prisões, levantando preocupações ambientais e de saúde pública.
“O Brasil vem sendo, nos últimos meses, exposto internacionalmente em uma série de reportagens, incluindo o maior portal de notícias ambientais do planeta, Mongabay, repercutidas aqui no Brasil pela Folha de S.Paulo, ((o))eco e vários outros veículos, que mostram cabalmente o estado de descalabro total em que se encontra a exploração comercial dos tubarões no Brasil”, disse Truda. “Isso impacta diretamente os nossos compromissos internacionais, que vínhamos assumindo no âmbito da biodiversidade marinha e mesmo do clima, dada a comprovada importância dos predadores de topo de cadeia na manutenção do ciclo de carbono do oceano.”

No final de julho, a Mongabay revelou que 1.012 licitações públicas foram emitidas desde 2004, visando adquirir mais de 5.400 toneladas métricas de carne de tubarão, no valor de pelo menos R$ 112 milhões, para 542 municípios em 10 estados do país. A carne de tubarão pode conter altos níveis de mercúrio e arsênio, elementos que cientistas dizem ser prejudiciais à saúde humana quando consumidos em grandes quantidades; ao mesmo tempo, a sobrepesca pode reduzir drasticamente as populações de tubarões, que são cada vez mais reconhecidos como espécies-chave para a conservação do ambiente marinho.
Como a carne de tubarão é embalada e vendida no Brasil sob o nome genérico de cação, em vez de tubarão, os brasileiros tendem a não saber que tipo de peixe estão consumindo, mostram pesquisas. A rotulagem incorreta também pode permitir a venda de espécies ameaçadas como “cação”, mostram os estudos.
Conservacionistas dizem que o comércio de barbatanas de tubarão, consideradas uma iguaria de luxo em mercados asiáticos, é o principal propulsor da sobrepesca de tubarões — e do subsequente declínio de 71% em populações de algumas espécies em mar aberto nos últimos 50 anos.
Na virada do século, governos de todo o mundo tomaram medidas para banir a caça às barbatanas de tubarão, exigindo que os barcos levassem o tubarão inteiro ao porto se quisessem comercializar as barbatanas. No entanto, alguns pesquisadores acreditam que as políticas podem ter inadvertidamente impulsionado o comércio de carne de tubarão, que disparou na década de 2000. O Brasil é o maior consumidor mundial de carne de tubarão.

Comércio de tubarão-azul em xeque
Na reunião do Conama no início do mês, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) se manifestou de forma contrária à moção. “Nós somos contra, justamente porque já existe um ato normativo que regulamenta a captura do único tubarão que hoje é permitido ser capturado”, disse Sandra de Souza, diretora do departamento de pesca industrial, amadora e esportiva do MPA. Ela se referiu à portaria conjunta emitida pelo MPA e MMA em abril (Portaria Interministerial MPA/MMA Nº 30, de 17 de abril de 2025) que estabelece regras para a gestão, monitoramento e fiscalização da pesca do tubarão-azul, incluindo cotas.
“Antes da portaria número 30, não existia esse limite de captura. E hoje, para o ano de 2025, são um pouco mais de 3.400 toneladas de tubarão azul que podem ser capturadas”, disse Souza, na reunião. A norma também reduziu de 19 para duas modalidades de pesca autorizadas para a pesca do tubarão-azul, acrescentou, além de estabelecer que os desembarques só podem ser feitos em portos com sistema de inspeção federal.
No entanto, logo após a declaração da diretora, o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, anunciou a suspensão da portaria conjunta, citando um relatório do MMA que apontou para o “risco de aumento da pressão sobre outras espécies de elasmobrânquios ameaçados devido à baixa seletividade dos petrechos” e falhas na fiscalização, como “inadequação da estrutura de monitoramento e controle baseado em autodeclaração e com baixa cobertura de observadores”.
“O ministro da Pesca [André de Paula] já está de acordo que a portaria foi editada sem os devidos cuidados necessários a garantir a proteção da espécie. Portanto, o argumento de que há uma regulamentação em curso que garantiria essas questões não procede mais”, disse Capobianco.
Conservacionistas celebraram a medida, dizendo que a suspensão da portaria acaba com a permissão para a pesca direcionada de tubarões-azuis, cuja captura só será permitida como fauna acompanhante (capturada acidental), como era antes da portaria. Grupos da indústria, no entanto, disseram que a medida prejudicará a indústria pesqueira brasileira, pois as importações de tubarão-azul e outras espécies continuarão normalmente.

Apesar do anúncio de Capobianco, a suspensão não havia sido publicada no Diário Oficial da União até a publicação desta reportagem. Uma nova portaria está sendo elaborada para substituí-la, mas seu conteúdo ainda não foi divulgado. MMA e MPA não responderam aos pedidos de resposta da Mongabay.
Cadu Villaça, presidente do Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe), disse à Mongabay por telefone que respeita o processo de tomada de decisão do Conama, incluindo a moção aprovada, mas discorda dos argumentos apresentados.
Segundo ele, implementar a recomendação do Conama de proibir o estropo de aço “inviabiliza pescarias de espinhel”, principalmente no sul do país. Ele também criticou a recomendação de proibir a exportação de barbatanas de tubarão, dizendo que, para os pescadores que o capturam, vender as barbatanas pode “agregar muito valor à biomassa” do animal abatido.
Para Villaça, a reunião do Conama não era o local apropriado para anunciar a revogação de uma portaria que envolve a indústria pesqueira e o MPA. “Eu acho uma [decisão] atravessada, uma deslealdade, o sentimento é de muita frustração.”
“Eles não nos convidaram, não abrem a opção de uma entidade representativa da pesca participar”, disse Villaça. “[…] Estão destruindo uma atividade que tem alta empregabilidade, que tem um bom nível de distribuição de renda, geração de alimentos.”
Villaça, que também é oceanógrafo, acrescentou que a pesca não representa riscos para o tubarão-azul devido à alta taxa de fertilidade da espécie. Ele publicou dois textos no site da Conepe criticando a suspensão da portaria.

A Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), a Associação Brasileira de Fomento ao Pescado (Abrapes) e o Sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi) não responderam aos pedidos de resposta da Mongabay.
Investigação da Mongabay citada como prova em processo judicial
Além das últimas medidas, o MMA disse à reportagem em uma declaração em agosto que está revisando uma ampla gama de normas para a pesca de tubarões, incluindo a atualização da lista de espécies ameaçadas e a revisão de uma portaria que permite a importação de espécies cuja captura e venda são proibidas no Brasil.
Braulio Dias, diretor de conservação e uso sustentável da biodiversidade do MMA, disse que a investigação da Mongabay contribuiu “para uma melhor conscientização da gravidade do problema que nós estamos tendo com os tubarões” e para as decisões do Conama e as revisões gerais em andamento.
“Outro aspecto importante que vocês [da Mongabay] têm reportado é a questão do consumo crescente de tubarões no Brasil, inclusive com compras governamentais em vários estados para fornecer merenda escolar, o que é um absurdo, porque uma boa parte dessas espécies está ameaçada de extinção”, disse Dias por telefone em 4 de setembro.

As denúncias da Mongabay também estão sendo usadas pelo deputado federal Nilto Tatto, líder da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara dos Deputados, para promover uma audiência pública para discutir as compras de carne de tubarão por instituições públicas. Em 2023, Tatto propôs um projeto de lei para proibir as licitações federais de carne de tubarão, mas o texto está parado na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara. Tatto disse em entrevista que enviará a investigação a todas as instituições federais envolvidas na aquisição de alimentos, com um ofício solicitando que proíbam a compra de carne de tubarão por meio de uma portaria ou outros instrumentos governamentais.
A investigação da Mongabay também foi citada como prova em uma ação civil pública da ONG de conservação marinha Sea Shepherd Brasil para proibir licitações para a compra de carne de tubarão por instituições públicas federais. Em audiência em 3 de setembro, Nathalie Gil, diretora da ONG, citou as revelações da Mongabay, incluindo o banco de dados de licitações públicas municipais e estaduais, que, seguindo ela, agora está registrado na transcrição da audiência no processo.
Gill disse que espera que o juiz emita uma decisão sobre o caso em breve e acrescentou que a Sea Shepherd concordou em suspender o processo se o governo federal interromper imediatamente as compras públicas de carne de tubarão.
“O ideal é não pescar” tubarões-azuis, disse Gil, acrescentando que espera que as últimas medidas anunciadas pelo governo, incluindo a suspensão da portaria para pesca do tubarão-azul, possam levar a normas “ideais ou próximas do ideal” para garantir a proteção da espécie.
“O que estamos realmente enfatizando aqui, é: que medidas realmente protegerão esse animal?”, disse.
Imagem do banner: Tubarão azul (Prionace glauca), Canal do Faial-Pico, Ilhas dos Açores, Portugal. Foto: Diego Delso via Wikimedia Commons (CC BY-NC-SA 4.0).
Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil e a primeira brasileira vencedora do John B. Oakes Award for Distinguished Environmental Journalism, da Universidade de Columbia, nos EUA. Membro do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center, ela é também a primeira brasileira e latino-americana eleita para a diretoria da Society of Environmental Journalists (SEJ), dos Estados Unidos, onde ela também foi eleita Vice-Presidenta de Diversidade, Equidade e Inclusão. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no Instagram, LinkedIn, Threads, e Bluesky.
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