Mais de 150 pesquisadores de vários países se juntaram para fazer o mais completo levantamento georreferenciado global sobre árvores até hoje.
O estudo revelou que o número estimado de espécies de árvores no planeta é de 73.300 – 14% a mais do que se suspeitava. Desse total, 9 mil ainda são desconhecidas pela ciência.
Segundo o inventário, 43% de todas as espécies de árvores do mundo estão localizadas na América do Sul. Estima-se que 4 mil ainda não tenham sido descritas, a maior parte na região de contato entre Andes e Amazônia.
Espécies não identificadas são em sua maioria raras e mais vulneráveis ao risco de extinção, daí a necessidade urgente de implantação de leis de proteção e fiscalização mais rígidas nas florestas.
“Desde criança sempre fui fascinado pela diversidade dos seres vivos em nosso planeta e sonhava em trabalhar explorando lugares inexplorados da Terra e descobrir as espécies desconhecidas que vivem nela. Depois, como biólogo, nos últimos anos, me dediquei às questões da biodiversidade, e uma delas é como estimá-la com o menor erro possível e como protegê-la.”
Foi com esse objetivo em mente que o biólogo italiano Roberto Cazzolla Gatti liderou um estudo que culminou no mais completo levantamento georreferenciado global sobre árvores feito até hoje.
O resultado do trabalho para a criação desse gigantesco banco de dados, que demandou anos para ser realizado e contou com a participação de especialistas do mundo inteiro, assim como o auxílio de supercomputadores e inteligência artificial, surpreendeu os próprios envolvidos.
Embora estimava-se que havia no mundo aproximadamente 64 mil espécies de árvores, o novo levantamento aponta que esse número é 14% mais alto, chegando a um total de 73.300 espécies. E dentre elas, 9 mil ainda são desconhecidas para a ciência, ou seja, raríssimas.
“O resultado nos deixou atônitos. Jamais imaginaríamos que mesmo para as árvores haveria tantas espécies ainda a serem descobertas. Na verdade, este estudo oferece à comunidade científica, e à humanidade em geral, mais conhecimento sobre a incrível diversidade delas. É mais incrível pensar que ainda nem conhecemos todas (em 2022!)”, diz Gatti.
Segundo o inventário, 43% de todas as espécies de árvores do mundo estão localizadas na América do Sul. Em seguida aparece a região conhecida como Eurásia (Europa/Ásia), com 22% das ocorrências, África (16%), América do Norte (15%) e Oceania (11%).
Se o continente sul-americano é habitat de quase metade de todas as espécies de árvores do planeta, e fácil imaginar então que a grande maioria das 9 mil ainda não descritas esteja também ali, algo em torno de 4 mil.
“As áreas mais ricas são onde os Andes encontram a Amazônia. É aqui que a diversidade é alta e também o número de espécies não descritas provavelmente será maior”, afirma Oliver Phillips, professor de Ecologia Tropical da Universidade de Leeds, no Reino Unido.
“Por causa da topografia complexa, climas e geologia, há mais diversidade e muitas espécies terão distribuição menor. Isso as torna mais difíceis de serem descobertas e também, mais vulneráveis”, diz o pesquisador inglês.
Especialista em florestas tropicais e coordenador da Rede Amazônica de Inventários Florestais (Rainfor) , Phillips é um dos quase 150 autores do artigo publicado no começo de fevereiro na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), que conta ainda com diversos pesquisadores brasileiros.
Bacia Amazônica: um hotspot da biodiversidade
Pelo menos 31 mil espécies de árvores crescem apenas na América do Sul. Muitas delas são endêmicas dali, ou seja, não existem em nenhum outro lugar do planeta. Têm como habitat florestas tropicais e subtropicais da Amazônia, em países como Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Bolívia e Brasil, assim como as altitudes elevadas, entre 1 mil e 3,5 mil metros, da região dos Andes.
Nessa imensidão verde – estimativas indicam que existam 390 bilhões de árvores (indivíduos) na Bacia Amazônica –, dois terços das espécies são consideradas raríssimas.
“São espécies que possuem menos de 1 milhão de indivíduos”, explica Wendeson Castro, pesquisador do Laboratório de Botânica e Ecologia da Universidade Federal do Acre e um dos coautores do artigo. É o caso da espécie Pouteria sessilis, comumente chamada de abiu. “Ainda somos muito ignorantes em relação ao número de espécies que temos e quantas estamos perdendo”, ressalta.
E é por esta razão que o novo estudo se mostra tão relevante. Com a certeza de que ainda há muita falta de conhecimento sobre a biodiversidade das florestas globais, mas sobretudo daquelas localizadas na América do Sul, faz-se fundamental a implementação de leis de proteção e fiscalização mais rígidas.
“Nossos resultados reforçam a absoluta necessidade de preservação das florestas tropicais. Espécies não identificadas são em sua maioria raras e mais vulneráveis ao risco de extinção. Ter uma melhor compreensão desses números e possível localização é essencial na elaboração de estratégias de proteção, mesmo sem conhecê-las”, afirma Jorcely Barroso, professora do Laboratório de Ciências Florestais da Universidade Federal do Acre.
Para ela, o grande número de espécies ainda não documentadas, ocorrendo provavelmente na Bacia Amazônica e na área de contato entre Andes e Amazônia, torna essas áreas prioritárias para conservação.
Desconhecidas e ameaçadas
Apesar da boa notícia de que há na Terra mais espécies de árvores do que se estimava anteriormente, uma das principais preocupações que os pesquisadores demonstram no artigo é o impacto das atividades humanas sobre a preservação das mesmas.
Eles afirmam, por exemplo, que o clima nas florestas sul-americanas, onde está a maioria das espécies desconhecidas, tem se mantido estável ao longo dos últimos séculos. Mas diante de fenômenos mais recentes, como os extremos climáticos, há receio de que a flora dessa região tenha mais dificuldade em se adaptar aos impactos decorrentes dessas mudanças, como secas prolongadas e incêndios.
“Elas são mais vulneráveis à perda de habitat, especialmente porque seu alcance é pequeno para começar. Mas se conseguirmos manter alguns corredores de elevação do habitat florestal protegidos, as espécies têm mais chances de migrar para cima para evitar o calor e a seca das mudanças climáticas”, diz Oliver Phillips.
Os cientistas ressaltam que o problema não é somente a extinção de espécies. Mas diante de toda essa vulnerabilidade e ameaças tão reais, as árvores podem deixar de fornecer serviços ambientais essenciais para a nossa sobrevivência e o equilíbrio do planeta.
“Costumamos pensar que as árvores e as florestas são apenas nossos produtores de oxigênio, mas na verdade são muito mais do que isso. Sem elas não teríamos água limpa, encostas de montanhas seguras, habitat para muitos animais, fungos e outras plantas. Perderíamos os ecossistemas terrestres mais biodiversos, os sumidouros para nosso excesso de dióxido de carbono e os depuradores de nosso ar poluído”, alerta Roberto Gatti.
Para o italiano, se quisermos proteger a diversidade de árvores e a incrível biodiversidade a elas ligada, devemos parar imediatamente o desmatamento e a degradação florestal e começar a considerar as florestas como ecossistemas intocáveis, que merecem proteção, como os recifes de corais.
“Madeira, celulose e papel só deveriam ser extraídos de plantações cultivadas pelo homem e não de florestas naturais ou semi-naturais”, diz Gatti.
“Se pararmos de queimar florestas considerando-as ‘biocombustíveis’, comprando produtos que contêm óleo de palma, usando madeira tropical para nossas casas, comendo grandes quantidades de carne todos os dias, substituindo a natureza por áreas urbanizadas e industriais, e matando e poluindo a vida selvagem que os ecossistemas arbóreos preservam, teremos tempo para descobrir novas espécies e permitir que nosso planeta tenha uma existência mais equilibrada, assim como a própria espécie humana.”
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Imagem do banner: Visão da Floresta Amazônica na região do Médio Amazonas. Foto: Neil Palmer/Cifor.